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"Troque o importado pelo nacional e salve um emprego"
COLUNISTA DA FOLHA
O ministro espanhol de Indústria, Turismo e Comércio,
Miguel Sebastián, lançou uma
insólita e possivelmente impossível proposta para enfrentar a sangria de postos de trabalho: pediu aos conterrâneos
que, de sua cesta anual de compras, retirem o equivalente a
150 de produtos estrangeiros,
substituindo-os por produtos
"made in Spain".
Segundo o jornal "El País",
seria uma maneira de evitar
que se cumpra a previsão de
que a queda do consumo neste
ano leve ao corte de 120 mil
empregos.
A ideia é reveladora de como
as discussões sobre a crise -e
sobre o crescimento do desemprego- são descoordenadas.
É claro que, se os espanhóis
atendessem seu ministro, empregos seriam cortados nos
países cujos produtos os espanhóis deixariam de consumir
-na hipótese de que o cálculo
de Sebastián esteja de fato correto e não seja só um "chute".
Revela também o "terror"
que toma conta dos governantes ante o avanço do desemprego, fenômeno que invariavelmente joga ao solo o prestígio
de presidentes e primeiros-ministros. "Terrorífico e alarmante" foram os termos empregados pela secretaria de
Economia e Emprego do Partido Socialista Operário Espanhol, que governa a Espanha,
ao comentar a divulgação, anteontem, da taxa de desemprego do quarto trimestre de 2008
(13,9%, o maior índice desde
2000 e um aumento de 5,3
pontos percentuais em relação
ao quarto trimestre de 2007).
A situação espanhola pode
ser a mais grave, mas não é a
única em que o desemprego sobe incontrolavelmente. Em todos os países ricos e em boa
parte dos emergentes está
acontecendo a mesma coisa.
Para ficar só em outro dado:
no Reino Unido, o número de
desempregados (quase 2 milhões) é o maior em 11 anos.
Corresponde a 6,1% da população econômica ativa.
E vai piorar, adverte Tim
Leunig, da London School of
Economics: "O desemprego vai
continuar a subir por dois anos,
o que é possivelmente verdadeiro para o resto do mundo".
Os cálculos apontam para
mais 1 milhão de desempregados em 2009 no Reino Unido.
Surpreende, nesse cenário,
que a única proposta concreta
para enfrentar o problema seja
a velha ideia de "flexibilização"
da legislação trabalhista -uma
forma elegante de dizer corte
de direitos dos trabalhadores.
Na quinta-feira, em reunião
com a direção do PSOE, os líderes da Confederação Espanhola de Organizações Empresariais, equivalente à CNI brasileira, pediram que seja reduzido o custo de demitir funcionários, sob pena de a Espanha
continuar com alto índice de
contratação temporária.
Se o custo de demissões fosse
de fato elevado demais, não teria havido a dispensa de 1,3 milhão de trabalhadores em 2008
-e os temporários são as vítimas preferidas.
O presidente do governo espanhol, José Luis Rodríguez
Zapatero, rechaça a proposta
com um argumento lógico: "A
causa da crise não está nem no
mercado trabalhista nem no
Estado de bem-estar social".
Logo, completa, nem o emprego nem as políticas sociais devem pagar pela crise.
Guardadas as circunstâncias
próprias de cada país, é uma
discussão similar à que se dá no
Brasil, onde o empresariado
pede o mesmo que a CEOE e o
governo diz mais ou menos o
mesmo que sua contraparte espanhola, ao ameaçar não liberar os financiamentos da nova
linha do BNDES se houver corte de empregos.
Na Europa, é uma discussão
que vai voltar fatalmente com
força à medida que se aprofunde a recessão, cenário desenhado na pesquisa com os gerentes
de compras de 16 países, divulgada na sexta-feira: embora o
índice tenha tido leve melhora,
"continua coerente com um
ritmo de contração econômica
não visto desde o lançamento
do euro, há mais de uma década", informa o jornal britânico
"Financial Times".
Nessa batida, não há troca de
produto estrangeiro por nacional que resolva porque os empregos estão sendo perdidos por
nacionais e estrangeiros.
(CR)
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