São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 2009

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"Troque o importado pelo nacional e salve um emprego"

COLUNISTA DA FOLHA

O ministro espanhol de Indústria, Turismo e Comércio, Miguel Sebastián, lançou uma insólita e possivelmente impossível proposta para enfrentar a sangria de postos de trabalho: pediu aos conterrâneos que, de sua cesta anual de compras, retirem o equivalente a 150 de produtos estrangeiros, substituindo-os por produtos "made in Spain".
Segundo o jornal "El País", seria uma maneira de evitar que se cumpra a previsão de que a queda do consumo neste ano leve ao corte de 120 mil empregos.
A ideia é reveladora de como as discussões sobre a crise -e sobre o crescimento do desemprego- são descoordenadas.
É claro que, se os espanhóis atendessem seu ministro, empregos seriam cortados nos países cujos produtos os espanhóis deixariam de consumir -na hipótese de que o cálculo de Sebastián esteja de fato correto e não seja só um "chute".
Revela também o "terror" que toma conta dos governantes ante o avanço do desemprego, fenômeno que invariavelmente joga ao solo o prestígio de presidentes e primeiros-ministros. "Terrorífico e alarmante" foram os termos empregados pela secretaria de Economia e Emprego do Partido Socialista Operário Espanhol, que governa a Espanha, ao comentar a divulgação, anteontem, da taxa de desemprego do quarto trimestre de 2008 (13,9%, o maior índice desde 2000 e um aumento de 5,3 pontos percentuais em relação ao quarto trimestre de 2007).
A situação espanhola pode ser a mais grave, mas não é a única em que o desemprego sobe incontrolavelmente. Em todos os países ricos e em boa parte dos emergentes está acontecendo a mesma coisa.
Para ficar só em outro dado: no Reino Unido, o número de desempregados (quase 2 milhões) é o maior em 11 anos. Corresponde a 6,1% da população econômica ativa.
E vai piorar, adverte Tim Leunig, da London School of Economics: "O desemprego vai continuar a subir por dois anos, o que é possivelmente verdadeiro para o resto do mundo".
Os cálculos apontam para mais 1 milhão de desempregados em 2009 no Reino Unido.
Surpreende, nesse cenário, que a única proposta concreta para enfrentar o problema seja a velha ideia de "flexibilização" da legislação trabalhista -uma forma elegante de dizer corte de direitos dos trabalhadores.
Na quinta-feira, em reunião com a direção do PSOE, os líderes da Confederação Espanhola de Organizações Empresariais, equivalente à CNI brasileira, pediram que seja reduzido o custo de demitir funcionários, sob pena de a Espanha continuar com alto índice de contratação temporária.
Se o custo de demissões fosse de fato elevado demais, não teria havido a dispensa de 1,3 milhão de trabalhadores em 2008 -e os temporários são as vítimas preferidas.
O presidente do governo espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero, rechaça a proposta com um argumento lógico: "A causa da crise não está nem no mercado trabalhista nem no Estado de bem-estar social". Logo, completa, nem o emprego nem as políticas sociais devem pagar pela crise.
Guardadas as circunstâncias próprias de cada país, é uma discussão similar à que se dá no Brasil, onde o empresariado pede o mesmo que a CEOE e o governo diz mais ou menos o mesmo que sua contraparte espanhola, ao ameaçar não liberar os financiamentos da nova linha do BNDES se houver corte de empregos.
Na Europa, é uma discussão que vai voltar fatalmente com força à medida que se aprofunde a recessão, cenário desenhado na pesquisa com os gerentes de compras de 16 países, divulgada na sexta-feira: embora o índice tenha tido leve melhora, "continua coerente com um ritmo de contração econômica não visto desde o lançamento do euro, há mais de uma década", informa o jornal britânico "Financial Times".
Nessa batida, não há troca de produto estrangeiro por nacional que resolva porque os empregos estão sendo perdidos por nacionais e estrangeiros. (CR)


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