São Paulo, Quinta-feira, 25 de Fevereiro de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA

O pior estrangeiro

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Ao dobrar, anteontem, a esquina da Consolação com a Oscar Freire, ali em frente ao Supremo, dei de cara com um daqueles desconhecidos íntimos e ululantes. O sujeito declarou-se meu leitor assíduo, mas tinha uma queixa e fez o apelo enfático: "Fala do Nelson Rodrigues! Você nunca mais escreveu sobre o Nelson".
De fato, nos últimos tempos, o Nelson Rodrigues tem sido totalmente ignorado por esta coluna. Nenhuma citação, nenhuma referência ao grande escritor.
Bem, vamos corrigir a omissão. O Nelson Rodrigues tem uma observação que merece ser lembrada, sobretudo em momentos como o atual: "O pior estrangeiro é o brasileiro que vem de fora".
Realmente, o brasileiro não viaja bem. Quando sai do país, tende a se descaracterizar com uma velocidade impressionante. Não pode nem passar perto da Europa ou dos Estados Unidos. Logo adquire os hábitos, os valores e as opiniões do estrangeiro. Como dizia o Nelson, volta com sotaque físico e espiritual.
Dei toda essa volta para comentar um artigo publicado aqui na Folha, na terça-feira desta semana, por Francisco Gros, ex-presidente do Banco Central e atualmente diretor do banco Morgan Stanley Dean Witter.
O artigo nada tem de especial. Ao contrário, a argumentação é de uma pobreza franciscana. Mas é típica da maneira como certa elite "globalizada" procura retransmitir as opiniões em voga nos círculos financeiros internacionais. O pior é que conseguem, com frequência, desorientar a opinião pública nacional.
A técnica é sempre a mesma. Para advogar políticas que convêm aos interesses financeiros estrangeiros e seus associados domésticos, inventam falsas tendências e consensos internacionais, aos quais o Brasil terá obrigatoriamente de se submeter, sob pena de ficar excluído do concerto das nações civilizadas.
No artigo em questão, o executivo do Morgan Stanley fabrica uma série de "padrões internacionais de boa conduta" e declara que o Brasil ou os aceita ou "será sumariamente excluído do convívio dos mercados". Segundo ele, nessa segunda hipótese, poderemos juntar-nos a Fidel Castro e ao premiê malaio, Mahathir Mohamad, e esperar, com eles, o "fim do capitalismo".
O espaço não permite (nem valeria a pena) comentar todas as extravagâncias que o executivo do Morgan Stanley escreveu sobre o FMI e as supostas "regras" que prevalecem mundialmente no campo das finanças públicas. Vou me limitar à questão monetária, que parece a mais premente.
Na semana passada, registrei, satisfeito, que não havia manifestações públicas de brasileiros em favor do "currency board" ou da dolarização. Ah, meus amigos, alegria de brasileiro dura pouco. Francisco Gros resolveu preencher a lacuna e engrossar o coro daqueles que, do exterior, clamam pelo abandono da moeda nacional ou por sua subordinação ao dólar dos EUA.
Segundo Gros, o que se constata no campo monetário é uma "padronização cada vez maior". O alinhamento ao dólar seria, no nosso caso, um dos "padrões de boa conduta que se impõem a todos que desejem ter acesso aos mercados globais".
Trata-se de uma afirmativa sem base. Desde os anos 70, a tendência dominante é na direção da flutuação administrada das moedas, tanto nos países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento. É cada vez menor o número de países que adotam esquemas de ancoragem cambial.
Os esquemas rígidos de ancoragem, tipo "currency board", são aplicados em alguns poucos países pequenos (a Estônia e a Bulgária, por exemplo) e numa única economia importante que passou por crise monetária profunda e prolongada (a Argentina). As experiências de união monetária também são raras. O tão citado caso do euro resultou de circunstâncias muito especiais, que não existem em nenhuma outra região do planeta. De qualquer maneira, não se deve perder de vista que a nova moeda européia flutua em relação às demais (excetuadas aquelas poucas que optaram por uma ancoragem unilateral no euro).
Reparem o que aconteceu depois das crises cambiais mais rumorosas dos anos recentes. Todos os países envolvidos (México em 1994, Tailândia, Indonésia, Filipinas e Coréia do Sul em 1997, Rússia em 1998 e Brasil em 1999) passaram para um regime de flutuação cambial administrada. Ironicamente, a exceção é a Malásia, que, depois de flutuar por algum tempo, voltou a fixar a taxa de câmbio com o dólar, acompanhando essa medida, entretanto, de controles severos e polêmicos sobre o movimento de capitais.
Chega de enrolar a opinião pública com falsas "tendências" e "padrões" internacionais! É inacreditável que, num país da importância do Brasil, a supressão da moeda nacional ou a sua submissão a uma moeda estrangeira sejam discutidas de maneira tão ligeira e superficial.

Nota: No artigo da semana passada, citei a avaliação do presidente indicado do Banco Central, Armínio Fraga, de que "estamos provavelmente em um mundo no qual há taxas de câmbio demais, moedas demais". Quem se referiu a essa avaliação como "opinião subversiva" foi o economista Richard Cooper, da Universidade Harvard. Por erro de edição da Folha, a expressão "opinião subversiva" foi atribuída a Fraga.


Paulo Nogueira Batista Jr., 43, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas, escreve às quintas-feiras nesta coluna. E-mail: pnbjr@ibm.net


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