São Paulo, domingo, 25 de abril de 2004

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LUÍS NASSIF

A greve dos jornalistas

Outro dia o presidente Lula se lembrou da greve dos jornalistas de 1979. Mas, se conhece algo, é só a história oficial, porque a verdadeira se manteve em sigilo nesses anos todos, por um pacto de sangue de todos nós que participamos dela, pelo justo receio de que os pósteros desmoralizassem nosso ardor cívico.
Aquele ano começou quente. Lula havia aberto o caminho libertário comandando as greves do ABC. Depois do início, cada categoria que tivesse hombridade teria que fazer a sua grevinha, senão passava por pusilânime.
Em 1978 houve um pré-ensaio com a greve da Abril. Tive minha participaçãozinha no episódio, mas juro por Deus que, na greve dos jornalistas, no ano seguinte, fui conduzido.
Tinha acabado de sair da "Veja" por uma proposta no "Jornal da Tarde". Aproveitei o intervalo entre um emprego e outro para convidar o velho Dagô, pandeirista e dono do bar do Alemão, para irmos a Belo Horizonte tocar choro com meu primo Oscar. Quando voltei, o movimento já estava embalado. Não tinha mais do que duas semanas de "JT" quando a greve estourou.
Foi uma greve meio estranha desde os primeiros dias. No segundo dia, a greve esquentou. Fizemos piquete na Folha e lembro até hoje estar de braços dados com Ângela Ziroldo e Maria do Carmo Mayrink na primeira fila, pegando no pé do Lalau, agente do Dops. Na última fila, um amigo revolucionário cantava o Hino Nacional e empurrava os colegas. E a gente lá na frente, de nariz enfiado na barriga de um policial gigantesco que afastava a aglomeração e berrava: "Cuidado com as moças, cuidado com as moças". Para mim sobrou um spray nos olhos que ardeu pra burro.
Não podíamos enfrentar a repressão sem planejamento. Da nossa turma, quem mais tinha prática de guerrilha era o Antonio Carlos Fon, o Fonzito, que assumiu o comando das operações.
Calejado em missões perigosas, ele juntou um grupo de voluntários, combinou um local secreto para nos encontrarmos. Entramos em um carro com ele carregando um saco misterioso. Foi dando ordens para o colega que dirigia e, de ordem em ordem, fomos parar em uma rua, no trajeto por onde passariam os caminhões do "Estadão". Fonzito era imbatível no planejamento.
Quando o primeiro caminhão apontou na esquina, Fon ordenou que o motorista começasse a andar na frente, abriu o saco e... apareceram batatas. Nos entreolhamos, com a ignorância de quem nunca tinha sido guerrilheiro. Eram batatas-minas, explicou ele. Em cada uma havia um prego de três pontas enfiado. Jogando a batata, alguma lei dialética da física manteria o prego para cima e furaria pneu até de carroceria Trivelatto.
Olhamos com admiração para o nosso estrategista. Sentado no banco de trás, Fon ia afinando a mira, mandando o motorista ir um pouco mais para a esquerda, um pouco mais para a direita, até que, quando achou que o caminhão estava na mira, ordenou ao nosso lança-batata-mina, o Zuba, que arremessasse o primeiro petardo. Zuba abriu a porta do banco da frente e deixou a batata-mina rolar para o asfalto.
Tivemos que interromper a batalha por trinta minutos até conseguir trocar o pneu de trás do carro, que passou por cima da batata-mina antes do caminhão do "Estadão".
Nessa troca, perdemos o comboio de vista, e Fon decidiu montar uma reunião de emergência na praça do estádio do Pacaembu. Nem me lembro do meio de comunicação utilizado porque, naqueles tempos, não existia o celular. Mas era eficiente porque, pouco antes da meia-noite, a praça tinha uns 20 voluntários aguardando as novas instruções.
Aí começaram a aparecer uns fuscas envenenados, com umas antenas enormes, de uns taxistas que estavam começando a trabalhar com serviços de rádio e, de noite, se divertiam trocando mensagens e marcando encontros. Mas quem ia lá saber que essas modernidades já estavam disponíveis para civis e, além do mais, taxistas? Fonzito deu o alarme: "É a repressão! Vamos disfarçar!".
Não sei de onde, apareceu uma bola de futebol, e ficamos lá, os 20 marmanjos fazendo embaixada até que os boys do táxi se mandassem.
Ainda vou escrever uma trilogia sobre o tema.


E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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