São Paulo, domingo, 25 de abril de 2004

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ANÁLISE

Sem caixa, França prepara onda de privatizações

DO "LE MONDE"

Ante a contínua degradação das finanças públicas, o premiê francês, Jean-Pierre Raffarin, e o ministro da Economia e Finanças, Nicolas Sarkozy, querem utilizar a cessão das participações do Estado nas grandes empresas para pagar a dívida. Após a Snecma (fabricante de equipamentos aeronáuticos), a France Télécom poderá entrar no programa. O primeiro-ministro anunciou no início do mês que vai "acelerar" sua política de privatizações "no setor competitivo".
Raffarin estima que, depois de privatizadas, as empresas retomarão as contratações e o investimento. Sarkozy indicou que as receitas liberadas permitirão "diminuir a dívida" pública (cerca de 1 trilhão) e também "recapitalizar" certos grupos industriais.
O Partido Socialista exige que o governo renuncie à mudança de estatuto da EDF-GDF (estatais de eletricidade e gás). Para a oposição, trata-se de uma liqüidação para cobrir dois anos de gestão Raffarin."
Raffarin e Sarkozy sabem que em período de crescimento fraco não há receita milagrosa para recuperar as finanças públicas, as querem mostrar que não estão imóveis no momento em que os déficits e a dívida aumentam. O premiê decidiu encontrar rapidamente dinheiro cedendo as participações do Estado em empresas.
Sarkozy foi mais direto. "É impossível deixar os déficits aumentarem. As vendas de ativos permitirão reduzir a dívida e também recapitalizar a indústria." O porta-voz do governo, Jean-François Copé, indicou que "as condições do mercado" agora estão mais favoráveis a essas operações.
A alta do euro ante o dólar, que prejudica a competitividade das empresas européias, tem perdido força. Para Sarkozy, é urgente conter a dívida, que, no final de 2003, chegava a 980 bilhões. Se acrescentarmos o déficit público previsto para 2004 ( 55 bilhões), atingiria 1,035 trilhão (fora o déficit da Seguridade Social).
Estimativas internas do Ministério da Economia indicam que, sem medidas corretivas, a dívida poderia atingir 67% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2005 (contra 63% em 2003), ou sete pontos percentuais a mais que o limite fixado pelo Tratado de Maastricht (60%). A carga da dívida representa o segundo peso no Orçamento civil e "absorve 80% do imposto de renda", comenta o círculo de Sarkozy, mesmo com taxas de juros historicamente baixas. Mas elas não ficarão para sempre nesse nível.
As privatizações, porém, só remediarão parcialmente o problema. Uma parte do produto dessas cessões de ativos servirá, na verdade, para consolidar o capital de empresas públicas, principalmente a Giat Industries e a DCN (ex-direção de construções navais). Entre 1985 e 2003, o Estado tirou apenas 66 bilhões dessas vendas, ou seja, um ano de déficit acumulado do Estado e da Seguridade Social. No Ministério da Economia e Finanças, estima-se que uma aceleração do programa permitirá mobilizar rapidamente cerca de 20 bilhões, dos quais 4 bilhões já estão inscritos na Lei de Finanças de 2004.
Já anunciado, o lançamento na Bolsa de uma parte do capital (cerca de 30%) da Snecma poderia ocorrer a partir de junho e traria cerca de 2 bilhões.
Os particulares poderiam ser chamados a participar de uma nova cessão de títulos da France Télécom, da qual o Estado ainda detém 50,15%. Essa empresa vale 55 bilhões na Bolsa. Os banqueiros de negócios estimam que, depois da Snecma, é a operação mais provável. Na opinião deles, é possível colocar entre 5 bilhões e 7 bilhões em títulos no mercado. Quando a aproximação na Bolsa entre a Air France e a aérea holandesa KLM for concluída, o Estado também poderá se livrar de uma parte de seus títulos da companhia francesa. Também restam todas as empresas nas quais ele tem uma pequena participação. Em discurso, Raffarin parece ter excluído aquelas que não podem ser vendidas sem um reforço de sua lógica industrial.
Ele explicou: "Devemos reforçar nossa base industrial favorecendo as alianças, principalmente nos setores em que a França é dinâmica, como nas indústrias ferroviária, automobilística, aeronáutica, farmacêutica, agroalimentar, de telecomunicações ou espacial". Por trás da urgência orçamentária, restaria, portanto, um vestígio da lógica industrial.

Outras na mira
O primeiro-ministro também lembrou que essas privatizações ficariam "no setor competitivo". Trata-se de apressar o passo, mas sem agitar um lenço vermelho recolocando em questão a propriedade pública de empresas como o Correio, a SNCF (ferrovias) ou a RATP (transportes urbanos).
Por outro lado, o calendário vai ficar mais rápido para a EDF. Examinado no Conselho de Estado, o projeto de mudança de estatuto da empresa poderia passar ao mesmo tempo pelo Conselho de Ministros.
Se essa operação for realizada antes do fim do ano, a EDF pagaria uma compensação que beneficiaria os regimes de aposentadoria básica e complementares e aliviaria o déficit público. Mas nem o valor nem as modalidades foram definidos.


Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves


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