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PAULO RABELLO DE CASTRO
Paraíso Tropical
No jardim tropical brasileiro, a propensão ao trabalho é explicitamente combatida com juros punitivos
A ECONOMIA BRASILEIRA vive
um momento de paraíso tropical. Como em qualquer paraíso, ganha-se muito para se trabalhar pouco, sendo a muitos permitido não fazer nada para conseguir
um ócio remunerado.
Como é que a economia brasileira
entrou no paraíso? Supereficiência
da gestão pública? Ou um avanço fenomenal da produtividade privada?
No caso, a sorte e a bonança vêm de
fora, por meio de uma seqüência
ininterrupta de gratuidades, desde o
extraordinário crescimento da economia mundial até a valorização de
nossas principais commodities de
exportação. O avanço de preço nos
nossos produtos, principalmente os
minerais exportáveis, foi espetacular (mais de 100% sobre a média histórica).
Os países que insistem em trabalhar no resto do mundo querem
nossas matérias-primas, alimentos
e agroenergéticos para tocar uma
imensa máquina produtiva industrial na Ásia e nos outros lugares que
chamamos, despeitadamente, de infernos industriais poluidores do planeta.
Os produtos lá fabricados vêm bater no mercado brasileiro, oferecidos a preços cadentes e favorecidos
pelo nosso câmbio, que encarece a
alternativa do produto nacional.
Não é pequeno o desafio do empresário que insiste em querer produzir
no paraíso tropical.
No jardim do Éden bíblico não se
tem notícia da prática da usura, nem
mesmo da cobrança de juros. Mas,
no jardim tropical brasileiro, a propensão ao trabalho é explicitamente
combatida com juros punitivos.
A política monetária conduzida
pelo Banco Central atrai as divisas
estrangeiras ao manter um diferencial permanente de remuneração,
favorecendo as aplicações na moeda
brasileira. Por essa razão, desde o
advento da flutuação cambial, no
início do ano de 1999, a taxa de juros
interna esteve acima do ponto que
seria justificável pelo juro externo
mais o risco-país do Brasil. Tal diferença de juros acumulou, desde
2003, um ganho de 48% sobre cada
real aplicado.
Mas foi o câmbio, afinal, que mais
alegria deu aos aplicadores no paraíso, ao propiciar-lhes um ganho extra
de 57% sobre a já descomunal taxa
de juros aqui praticada. O Brasil tornou-se o paraíso tropical da valorização cambial. Na soma dos dois ganhos, do diferencial de juros e do de
câmbio, cada dólar de aplicação
aportado no início de 2003 acumulou, até o último mês de março, 2,3
vezes mais do que a remuneração
que seria ditada pelo custo alternativo do dinheiro no exterior adicionado ao risco Brasil.
Persiste a expectativa de mais ganhos, com o estímulo à valorização
cambial continuamente endossada
pelo Banco Central. De acordo com
modelos matemáticos, o câmbio poderá estar valendo R$ 1,90 por dólar
até o terceiro trimestre deste ano. A
conseqüência principal será arrastar as margens operacionais dos
produtores brasileiros cada vez mais
para baixo.
Produzir o efeito de paraíso tropical por meio da política cambial é
hábito recorrente de políticos em
busca de sucesso e popularidade, em
muito superando considerações tidas como politicamente secundárias sobre a rentabilidade do parque
produtivo e a taxa de crescimento do
país a longo prazo. Em todas as ocasiões anteriores, o país acabou expulso do paraíso, e as seqüelas advindas da folia foram severas.
Desta vez, entretanto, temos mais
corda para enrolar no pescoço, pois
não é o déficit externo que financia o
aluguel do paraíso, e sim a bonança
dos outros países que se derrama sobre nosso bolso desavisado. Vai durar mais tempo e a queda será de um
andar mais alto...
A ascensão ao governo de dois colunistas desta Folha -Luciano
Coutinho, para o BNDES (Banco
Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social), e Roberto
Mangabeira Unger, para a nova Secretaria Especial de Ações de Longo Prazo -,ambos de excepcional
estatura intelectual e atentos, de
longa data, aos efeitos entorpecentes do câmbio artificial, poderá
contribuir como um alerta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva
sobre a premente necessidade de
mais equilíbrio nas escolhas entre
as delícias do paraíso tropical e a
ética do trabalho made in Brasil.
PAULO RABELLO DE CASTRO, 58, doutor em economia
pela Universidade de Chicago (Estados Unidos), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating,
classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores,
consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP (Federação do Comércio do Estado de São Paulo). Escreve às quartas-feiras, a cada 15
dias, nesta coluna.
rabellodecastro@uol.com.br
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