São Paulo, quarta-feira, 25 de abril de 2007

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PAULO RABELLO DE CASTRO

Paraíso Tropical

No jardim tropical brasileiro, a propensão ao trabalho é explicitamente combatida com juros punitivos

A ECONOMIA BRASILEIRA vive um momento de paraíso tropical. Como em qualquer paraíso, ganha-se muito para se trabalhar pouco, sendo a muitos permitido não fazer nada para conseguir um ócio remunerado.
Como é que a economia brasileira entrou no paraíso? Supereficiência da gestão pública? Ou um avanço fenomenal da produtividade privada? No caso, a sorte e a bonança vêm de fora, por meio de uma seqüência ininterrupta de gratuidades, desde o extraordinário crescimento da economia mundial até a valorização de nossas principais commodities de exportação. O avanço de preço nos nossos produtos, principalmente os minerais exportáveis, foi espetacular (mais de 100% sobre a média histórica).
Os países que insistem em trabalhar no resto do mundo querem nossas matérias-primas, alimentos e agroenergéticos para tocar uma imensa máquina produtiva industrial na Ásia e nos outros lugares que chamamos, despeitadamente, de infernos industriais poluidores do planeta.
Os produtos lá fabricados vêm bater no mercado brasileiro, oferecidos a preços cadentes e favorecidos pelo nosso câmbio, que encarece a alternativa do produto nacional. Não é pequeno o desafio do empresário que insiste em querer produzir no paraíso tropical.
No jardim do Éden bíblico não se tem notícia da prática da usura, nem mesmo da cobrança de juros. Mas, no jardim tropical brasileiro, a propensão ao trabalho é explicitamente combatida com juros punitivos.
A política monetária conduzida pelo Banco Central atrai as divisas estrangeiras ao manter um diferencial permanente de remuneração, favorecendo as aplicações na moeda brasileira. Por essa razão, desde o advento da flutuação cambial, no início do ano de 1999, a taxa de juros interna esteve acima do ponto que seria justificável pelo juro externo mais o risco-país do Brasil. Tal diferença de juros acumulou, desde 2003, um ganho de 48% sobre cada real aplicado.
Mas foi o câmbio, afinal, que mais alegria deu aos aplicadores no paraíso, ao propiciar-lhes um ganho extra de 57% sobre a já descomunal taxa de juros aqui praticada. O Brasil tornou-se o paraíso tropical da valorização cambial. Na soma dos dois ganhos, do diferencial de juros e do de câmbio, cada dólar de aplicação aportado no início de 2003 acumulou, até o último mês de março, 2,3 vezes mais do que a remuneração que seria ditada pelo custo alternativo do dinheiro no exterior adicionado ao risco Brasil.
Persiste a expectativa de mais ganhos, com o estímulo à valorização cambial continuamente endossada pelo Banco Central. De acordo com modelos matemáticos, o câmbio poderá estar valendo R$ 1,90 por dólar até o terceiro trimestre deste ano. A conseqüência principal será arrastar as margens operacionais dos produtores brasileiros cada vez mais para baixo.
Produzir o efeito de paraíso tropical por meio da política cambial é hábito recorrente de políticos em busca de sucesso e popularidade, em muito superando considerações tidas como politicamente secundárias sobre a rentabilidade do parque produtivo e a taxa de crescimento do país a longo prazo. Em todas as ocasiões anteriores, o país acabou expulso do paraíso, e as seqüelas advindas da folia foram severas.
Desta vez, entretanto, temos mais corda para enrolar no pescoço, pois não é o déficit externo que financia o aluguel do paraíso, e sim a bonança dos outros países que se derrama sobre nosso bolso desavisado. Vai durar mais tempo e a queda será de um andar mais alto...
A ascensão ao governo de dois colunistas desta Folha -Luciano Coutinho, para o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), e Roberto Mangabeira Unger, para a nova Secretaria Especial de Ações de Longo Prazo -,ambos de excepcional estatura intelectual e atentos, de longa data, aos efeitos entorpecentes do câmbio artificial, poderá contribuir como um alerta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a premente necessidade de mais equilíbrio nas escolhas entre as delícias do paraíso tropical e a ética do trabalho made in Brasil.


PAULO RABELLO DE CASTRO, 58, doutor em economia pela Universidade de Chicago (Estados Unidos), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP (Federação do Comércio do Estado de São Paulo). Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

rabellodecastro@uol.com.br


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