UOL


São Paulo, domingo, 25 de maio de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"FASE DOIS"

Orientação dará ênfase à exportação e à substituição de importações para reduzir a dependência de capitais externos

Governo quer estimular consumo dos pobres

MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Depois de radicalizar, nos cinco primeiros meses de mandato, a receita de juros altos e cortes de gastos públicos que tanto havia criticado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva colocou no papel as bases do novo modelo econômico com o qual pretende marcar seu governo.
É uma combinação de estímulo às exportações, à substituição de importações e ao aumento do consumo dos mais pobres. Na equação, cabe ao Estado "papel decisivo".
O documento "Orientação estratégica de governo", distribuído na segunda-feira, durante a última reunião ministerial, é bastante diferente do texto divulgado em abril pelo ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) com destaque para o ajuste das contas públicas, embora não descuide da estabilidade macroeconômica (controle da inflação e aperto nos gastos), apontada como "elemento central" do projeto de desenvolvimento.
Em 27 páginas, o novo documento abre espaço a uma outra corrente do pensamento econômico, tradicionalmente mais afinada com o PT, que defende a ação mais agressiva do Estado no combate à vulnerabilidade externa.
Em resumo, o país precisa exportar muito para depender menos do capital externo, atraído à custa de juros altos. E o Estado deve mobilizar seus recursos, ainda que escassos, para estimular exportações e a substituição de importações.
É o que fará a política industrial -uma espécie de tabu entre economistas liberais. No documento de Palocci, há uma menção ligeira à política industrial à altura da página 74. Seis páginas depois, já próximo do fim, o texto ataca a concessão de benefícios tributários, que consumirão neste ano quase R$ 24 bilhões, e classifica de "aspecto distorcivo do sistema tributário" um dos mecanismos que o governo cogita agora no desenho da política industrial.

Opção pelos exportadores
O novo documento diz claramente que é papel da política industrial escolher setores exportadores, que substituam importações e com elevado nível de utilização de capacidade. Eles serão apoiados com incentivos fiscais e crédito favorecido pelas instituições oficiais, como o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
A intenção do governo é discutir o texto até o final do semestre. Ele será a base do próximo PPA, o Plano Plurianual de investimentos para o período de 2004 a 2007. Uma primeira tiragem de 10 mil exemplares do texto já foi encomendada, e a íntegra está no site www.planejamento.gov.br.
Faltam indicações claras no texto sobre o roteiro da transição entre a atual política econômica e o novo modelo, em qual momento haverá a mudança para qual Lula foi eleito, quando vai começar a chamada "fase dois". Mas, para o modelo começar a girar, não há mágica: os juros precisam cair.

Disputa por renda
As linhas gerais da "Orientação estratégica" recuperam o documento elaborado em 2001 pelo Instituto da Cidadania, organização não-governamental comandada por Lula na época. Referências ao "esgotamento" do modelo neoliberal desapareceram por motivos óbvios.
Ele restabelece uma tensão histórica entre os chamados desenvolvimentistas e os fiscalistas. Durante os oito anos de mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, o segundo grupo ganhou a disputa. Nos primeiros meses de governo Lula, mantiveram igualmente posição de destaque, para agonia da professora Maria da Conceição Tavares e outros economistas do partido.
Embora a política industrial e a participação estatal sejam os temas que levantam mais divergências entre os dois grupos, uma das originalidades da "Orientação estratégica" é apostar no mercado interno e, sobretudo, no consumo dos pobres como "mola" do projeto de desenvolvimento.
"A definição de políticas voltadas à expansão da renda e do consumo dos mais pobres a um ritmo superior ao do crescimento da renda e do consumo dos mais ricos é um dos pontos centrais da agenda do novo governo", diz o texto.
O economista Antonio Barros de Castro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, foi quem primeiro falou nisso, em 89. "É um mercado gigantesco", argumenta. No cenário atual, porém, ele acha "impossível" que o consumo dos mais pobres cresça ao mesmo tempo que os investimentos e os saldos comerciais. "Espero que o consumo já tenha caído o suficiente, mas não vai poder aumentar nos próximos dois ou três anos", advertiu.

Texto Anterior: Painel S.A.
Próximo Texto: Tendência internacionais: Inclusão digital pode gerar e distribuir renda
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.