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São Paulo, domingo, 25 de maio de 2003

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Inclusão digital pode gerar e distribuir renda

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

O governo Lula esquentou o debate sobre inclusão digital. Há poucos dias foi redesenhada a estratégia de governo eletrônico, com ênfase na inclusão social e no fortalecimento da Casa Civil da Presidência da República. A novidade também pode ser vista como uma vitória do ministro das Comunicações, Miro Teixeira, que apostou na politização do tema, colocou a Anatel na defensiva e abriu a temporada de caça a um modelo brasileiro de TV digital. Em jogo, o que pode e o que não pode "entrar no ar" (ou seja, ocupar o espectro eletromagnético que é o espaço das redes).
Os debates sobre o assunto vão deixar definitivamente o terreno estritamente tecnológico (escolha entre os "padrões" americano, japonês ou europeu) para assumir o caráter de prelúdio a opções estratégicas mais amplas. Ou seja, que envolvem não apenas a engenharia da transmissão, mas também a de produção e distribuição. E não apenas de equipamentos, antenas e e codificadores, mas de softwares, serviços, conteúdos e projetos.
Dinheiro não falta, pois o modelo de privatização das telecomunicações incluiu a criação de fundos setoriais como Fust e Funtel, que, em tese, seriam a fonte de financiamento de projetos de inclusão digital. O destino desses recursos e as modalidades de gasto e fiscalização dos projetos de inclusão digital ainda não estão claros.
Parte expressiva da comunidade que tem algo a dizer sobre o tema vai estar em Brasília, na semana que vem, na 2ª Oficina de Inclusão Digital (www.viaforum.com.br). É uma iniciativa do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação), da ONG Sampa.org e da Rede de Informações para o Terceiro Setor (RITS).
A agitação em torno do tema não é exclusividade do governo Lula ou das ONGs que foram pioneiras na construção de redes inclusivas. Menos de duas semanas após a Oficina em Brasília acontecerá a Reunião Regional América Latina/Caribe da Força Tarefa das Nações Unidas sobre Tecnologia da Informação e Comunicação (UN ICT Task Force), no Rio. Dessa articulação participam o BID e a Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (Câmara-e).
Além do Executivo federal, dos movimentos sociais e dos setores empresariais que disputam espaço na reconfiguração do sistema nacional de comunicações, a academia também se movimenta. Na Universidade de São Paulo, vários grupos de pesquisa preparam um Fórum de Políticas Públicas centrado no tema "TV digital".
Finalmente, o assunto está na agenda mundial, pois em dezembro acontece a Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação, na qual supostamente serão visíveis as demandas de todos esses setores.
Ao colocar a inclusão social como condição de estruturação das políticas de desenvolvimento da sociedade da informação no Brasil, o governo Lula vai enfrentar, em escala ainda mais ampla, o mesmo tipo de reação corporativa que, há poucas semanas, caracterizou o debate em torno das relações entre inclusão social e política de incentivo ao cinema. Levando em conta que o cinema é apenas parte do complexo industrial do audiovisual digital interativo, as negociações serão ainda mais duras no país e no exterior.
A inclusão digital pode gerar e distribuir renda, mas isso acontecerá apenas se houver como alterar, nos sistemas nacional e global de comunicação, a distribuição de poder. Não é pouco. Está em jogo uma inédita "reforma agrária" do ar.

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