São Paulo, Terça-feira, 25 de Maio de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF

Acertos de rumo

Nos últimos dias, críticas como as do ex-ministro Rubens Ricupero e do atual ministro da Ciência e Tecnologia, Luiz Carlos Bresser Pereira, chamaram a atenção para a necessidade de ajustes de rumo na condução de aspectos relevantes da política econômica.
Dois pontos merecem atenção. Da parte de Bresser, a crítica que se faz aos investimentos estrangeiros diretos. Da parte de Ricupero, a crítica à forma como foi conduzida a privatização, sem a necessária democratização do capital, que permitiria gerar grandes empresas públicas democráticas no país.
Houve quem se escandalizasse com ambos, supondo ter adotado posição de fechamento da economia, na completa contramão da história. O buraco é mais embaixo.
Na primeira etapa do jogo, FHC decidiu partir para o caminho mais rápido -provavelmente na suposição de que qualquer refinamento no modelo de privatização retardaria o processo, aumentando a resistência. Adotou-se como premissa a valorização máxima dos ativos a serem vendidos, e pouca visão estratégica na forma de vender.
Conseguiu-se preço mais alto. Mas a contrapartida foram defeitos que precisam ser resolvidos no segundo tempo do jogo.
O primeiro deles foi a utilização de financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aos compradores. Como eram financiamentos a juros internacionais (bem mais baixos do que os juros internos), conseguia-se, com isso, um aumento no preço nominal das estatais vendidas. Mas à custa de um desvirtuamento das próprias funções do banco, e de desvio de investimento que poderia ser canalizado para aumento da capacidade instalada da economia.
O segundo defeito relevante foi a falta de análise sobre o balanço de pagamentos de cada privatização em si. O país padece de problemas externos estruturais. Investimentos externos que geram divisas são bem-vindos. Investimentos externos em áreas "não-transacionáveis" acirram os desequilíbrios. Os dólares entram uma vez, depois irão gerar um fluxo eterno de remessa de dividendos. Esse fato terá que ser bem pesado, ainda mais agora que as privatizações irão se concentrar em infra-estrutura.
O terceiro bem é com relação à concentração de capital nas estatais privatizáveis. O resultado mais palpável foi uma política desequilibrada de distribuição de dividendos, a fim de permitir aos controladores quitar seus compromissos com a própria compra da empresa, e um processo megalômano de aquisição de concorrentes, a fim de satisfazer o ego dos controladores -justamente pela ausência de um equilíbrio maior na composição do capital. Sem contar o grau de interferência do governo, com o propósito de acertar distorções do modelo, que acabou gerando desgaste político inútil.
Continuo insistindo em que a utilização de estatais para quitar passivos sociais deveria ser prioridade de governo. O presidente continua achando que a prioridade maior deveria ser a quitação de dívidas. Ora, os passivos sociais são dívidas que, mais cedo ou mais tarde, terão de ser contabilizadas, quitadas por meio de emissão de títulos.
Do ponto de vista contábil, não há diferença entre a dívida social e a dívida mobiliária. Do ponto de vista político e econômico, as diferenças são abissais. Vai se poder ter verdadeiras sociedades anônimas, com equilíbrio entre sócios garantindo a continuidade de projetos de longo prazo. E a reconciliação política entre governo e país.

Soros e Argentina
Declarações de quem quer que seja só desestabilizam economias quando elas já estão suficientemente vulneráveis para ser desestabilizadas. É o caso das declarações de George Soros sobre a Argentina, alertando para a valorização cambial. Uma economia que não resiste a uma declaração está no ponto para ser desestabilizada.
O que se terá, daqui até as eleições, será apenas esperneio, até que mude o sistema cambial.

E-mail: lnassif@uol.com.br


Texto Anterior: Bolsa de NY vai ampliar horário
Próximo Texto: BC pode vender mais títulos dolarizados
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.