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OPINIÃO ECONÔMICA
Por uma caneca de açúcar
BENJAMIN STEINBRUCH
Na semana passada, um site
da internet, de Buenos Aires,
fez uma pesquisa para saber se os
argentinos torceriam pelo Brasil
ou pela Inglaterra no jogo pelas
quartas-de-final da Copa do
Mundo. O resultado foi favorável
ao Brasil: 54% dos argentinos torceriam pela nossa seleção e 46%
pela inglesa.
Fiquei surpreso com o resultado.
O Brasil comporta-se muito mal
com seus vizinhos argentinos.
Não só no futebol, em que a rivalidade sul-americana é até sadia,
mas na economia e nas relações
político-diplomáticas.
Foi uma deselegância o jingle
que o PSDB veiculou no dia da
convenção do partido: "O que eu
conquistei/Não vou jogar para cima/Com todo o respeito/Não vou
ser outra Argentina". Ainda bem
que os marqueteiros do tucanato
não tiveram a idéia de incluir esse
verso nos comerciais de TV do
partido.
O oportunismo político que
usou a Argentina para espantar
os eleitores da oposição fez muito
mal ao Brasil. Ajudou a inflar a
grave crise de confiança que estamos enfrentando hoje. Está na
hora de parar com esse oportunismo. Até porque, em muitas áreas,
se o Brasil "virar uma Argentina", ficará muito melhor.
Temos certamente muitas razões para manter uma rivalidade
com a Argentina, país que sempre
disputou com o Brasil a liderança
na América do Sul. Mas não podemos atropelar estatísticas. A
Argentina, a despeito de todos os
seus problemas dos últimos anos,
ainda ganha de goleada do Brasil
em quase todos os indicadores sociais.
A classe média argentina empobreceu com a crise, como já comentei em dois artigos aqui na
Folha, mas o nosso vizinho evidentemente não poderia perder
-e não perdeu- de uma hora
para outra todas as qualificações
que competentemente acumulou
durante o século passado.
O programa do ex-ministro Domingo Cavallo, por exemplo, elevou o desemprego para 20% e triplicou o número de pobres no
país. Mas os 37 milhões de argentinos, humilhados por esse desastre político-econômico, fruto da
incompetência de alguns governantes, ainda vivem muito melhor do que os 170 milhões de brasileiros.
Falemos de educação. Apenas
3,8% dos argentinos são analfabetos, uma das taxas mais baixas
do mundo, enquanto aqui o índice é de 13,8%. A população economicamente ativa da Argentina
tem em média escolaridade de
dez anos, e a brasileira, de apenas
sete. Há 1 milhão de argentinos
em universidades públicas, e
aqui, somente 832 mil, para uma
população quase cinco vezes
maior. Cerca de 30% dos argentinos entre 18 e 24 anos estudam
em cursos superiores, em comparação com 12% no Brasil. Esse índice brasileiro é pior que o da Bolívia.
Falemos de saúde. Em cada mil
crianças argentinas nascidas vivas, 18 morrem no primeiro ano
de vida. No Brasil, apesar de todos os avanços recentes, o índice
de mortalidade infantil ainda é
de 27 por mil. Não dá para comparar os dois países em matéria
de saúde. Epidemias que aqui
atingem milhares de brasileiros
por ano lá praticamente não existem.
Nos melhores momentos dos
anos 90, a renda per capita argentina alcançou quase US$
9.000 por ano. Hoje, com a desvalorização do peso, esse valor caiu
para menos de US$ 2.000. Ambos
os valores são irreais. O primeiro
reflete uma sobrevalorização do
peso. O segundo, uma subvalorização. Estima-se que a renda per
capita efetiva da Argentina, com
base na realidade da economia,
alcance ainda de US$ 4.000 a US$
5.000.
Feliz será o presidente brasileiro que conseguir a proeza de
transformar nosso país numa Argentina em matéria de indicadores sociais. Por certo, nosso principal vizinho, mais cedo ou mais
tarde, vai sair de sua crise. Rapidamente, com o nível social e
educacional que tem, voltará a nos fazer frente. E, quando isso
acontecer, com que cara bateremos à sua porta para pedir uma
caneca de açúcar?
Benjamin Steinbruch, 47, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
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