São Paulo, terça-feira, 25 de junho de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Por uma caneca de açúcar

BENJAMIN STEINBRUCH

Na semana passada, um site da internet, de Buenos Aires, fez uma pesquisa para saber se os argentinos torceriam pelo Brasil ou pela Inglaterra no jogo pelas quartas-de-final da Copa do Mundo. O resultado foi favorável ao Brasil: 54% dos argentinos torceriam pela nossa seleção e 46% pela inglesa.
Fiquei surpreso com o resultado.
O Brasil comporta-se muito mal com seus vizinhos argentinos. Não só no futebol, em que a rivalidade sul-americana é até sadia, mas na economia e nas relações político-diplomáticas.
Foi uma deselegância o jingle que o PSDB veiculou no dia da convenção do partido: "O que eu conquistei/Não vou jogar para cima/Com todo o respeito/Não vou ser outra Argentina". Ainda bem que os marqueteiros do tucanato não tiveram a idéia de incluir esse verso nos comerciais de TV do partido.
O oportunismo político que usou a Argentina para espantar os eleitores da oposição fez muito mal ao Brasil. Ajudou a inflar a grave crise de confiança que estamos enfrentando hoje. Está na hora de parar com esse oportunismo. Até porque, em muitas áreas, se o Brasil "virar uma Argentina", ficará muito melhor.
Temos certamente muitas razões para manter uma rivalidade com a Argentina, país que sempre disputou com o Brasil a liderança na América do Sul. Mas não podemos atropelar estatísticas. A Argentina, a despeito de todos os seus problemas dos últimos anos, ainda ganha de goleada do Brasil em quase todos os indicadores sociais.
A classe média argentina empobreceu com a crise, como já comentei em dois artigos aqui na Folha, mas o nosso vizinho evidentemente não poderia perder -e não perdeu- de uma hora para outra todas as qualificações que competentemente acumulou durante o século passado.
O programa do ex-ministro Domingo Cavallo, por exemplo, elevou o desemprego para 20% e triplicou o número de pobres no país. Mas os 37 milhões de argentinos, humilhados por esse desastre político-econômico, fruto da incompetência de alguns governantes, ainda vivem muito melhor do que os 170 milhões de brasileiros.
Falemos de educação. Apenas 3,8% dos argentinos são analfabetos, uma das taxas mais baixas do mundo, enquanto aqui o índice é de 13,8%. A população economicamente ativa da Argentina tem em média escolaridade de dez anos, e a brasileira, de apenas sete. Há 1 milhão de argentinos em universidades públicas, e aqui, somente 832 mil, para uma população quase cinco vezes maior. Cerca de 30% dos argentinos entre 18 e 24 anos estudam em cursos superiores, em comparação com 12% no Brasil. Esse índice brasileiro é pior que o da Bolívia.
Falemos de saúde. Em cada mil crianças argentinas nascidas vivas, 18 morrem no primeiro ano de vida. No Brasil, apesar de todos os avanços recentes, o índice de mortalidade infantil ainda é de 27 por mil. Não dá para comparar os dois países em matéria de saúde. Epidemias que aqui atingem milhares de brasileiros por ano lá praticamente não existem.
Nos melhores momentos dos anos 90, a renda per capita argentina alcançou quase US$ 9.000 por ano. Hoje, com a desvalorização do peso, esse valor caiu para menos de US$ 2.000. Ambos os valores são irreais. O primeiro reflete uma sobrevalorização do peso. O segundo, uma subvalorização. Estima-se que a renda per capita efetiva da Argentina, com base na realidade da economia, alcance ainda de US$ 4.000 a US$ 5.000.
Feliz será o presidente brasileiro que conseguir a proeza de transformar nosso país numa Argentina em matéria de indicadores sociais. Por certo, nosso principal vizinho, mais cedo ou mais tarde, vai sair de sua crise. Rapidamente, com o nível social e educacional que tem, voltará a nos fazer frente. E, quando isso acontecer, com que cara bateremos à sua porta para pedir uma caneca de açúcar?


Benjamin Steinbruch, 47, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br


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