São Paulo, domingo, 25 de julho de 2004

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SAIA JUSTA

Lessa defende maior influência do banco em empresas; Furlan discorda

Intervenção no setor privado acentua embate no BNDES

DO PAINEL S.A.

A disputa entre Luiz Fernando Furlan e Carlos Lessa não é apenas de poder. A gravação da reunião no BNDES do dia 27 de novembro do ano passado mostra com clareza o alto grau de divergência ideológica entre os dois.
Furlan questiona, por diversas vezes, o fato de o BNDES estar cada vez mais interferindo na gestão das empresas, enquanto Lessa defende maior presença do Estado nas companhias privadas.
Na reunião, Furlan não se mostra convencido dos argumentos de Lessa e diz que a decisão de comprar ações da Valepar não fazia parte da política de investimentos do banco. "Para onde o banco vai?", pergunta Furlan.
Nessa hora, Darc Costa, vice-presidente do banco, pede a palavra: "Ministro...", mas Furlan continua seu discurso: "Por favor [para Darc], nós vamos ficar aqui lendo o jornal para saber o que está acontecendo no banco? Vamos conversar. Nós somos parte da mesma equipe. Quantas vezes eu já falei isso? Vamos discutir a política de investimentos do banco."
Em sua defesa, Lessa diz que o assunto foi levado ao primeiro escalão do governo: "Eu consultei as altas instâncias da República na ocasião. O senhor teve conhecimento [...]", diz ele para Furlan.
O ministro reconhece que soube da operação, por meio do ministro José Dirceu: "Eu tive conhecimento dessa consulta por meio do ministro Dirceu, o que me pareceu totalmente equivocado por ser [ele, Furlan] presidente do conselho e por ser o ministro do ministério encarregado do banco. Então, realmente, tomei conhecimento porque o ministro Dirceu me chamou e me informou".

Interferências
Em outro trecho da fita, a disputa ideológica entre os dois se torna mais nítida quando Furlan pergunta a Lessa se "era intenção do BNDESpar influir também na gestão estratégica da Vale do Rio Doce e de outras companhias".
Lessa responde dizendo que "é, sim, intenção do banco interferir na gestão das companhias em todos os segmentos nos quais o Brasil possa exercer sua presença como economia nacional do mundo". Lessa afirma que essa seria uma decisão do governo.
Nesse momento da reunião, Lessa ameaça até pedir demissão, em caso de não ter apoio governamental: "Eu acho que não é uma coisa apenas deste presidente aqui. Se for deste presidente aqui, a carta do presidente está à disposição". Furlan responde imediatamente: "Não, não, não".

Estatização
Em outro ponto, ao discutir a atuação do BNDES com as empresas privadas, Furlan pergunta a Lessa: "Nós cogitamos da possibilidade de estatização da Vale? Porque ela hoje, apesar de termos, como a Embraer, a percepção de que é patrimônio nacional, ambas são companhias privadas".
Lessa defende, então, que a Vale seja uma empresa nacional comandada por empresários "que pensam o Brasil em estratégias de desenvolvimento industrial". Lessa não esconde a preocupação com o fato de a empresa ter como principais acionistas os fundos de investimento e o Bradesco.
Os fundos, de acordo com Lessa, "vão viver as agruras do desinvestimento para poder cumprir o seu próprio papel". Já o Bradesco, a seu ver, "é um grupo que tem uma imensa importância no segmento financeiro brasileiro". "Mas eu acho que não vai apostar no futuro da industrialização."
Lessa diz que seu sonho é criar-se um grande conglomerado nacional formado pelas siderúrgicas brasileiras para comandar a Vale: "E aí, penso: Votorantim, CSN, Usiminas, Cosipa e, quem sabe, Gerdau, em bloco, segurando a Vale, eu dormiria tranqüilo, porque eles nunca iriam deixar que ela fosse dominada por uma lógica estrita de minério".

Histórico de atritos
O episódio da Vale é apenas um capítulo na série de desentendimentos entre Furlan e Lessa. Há cerca de um mês, Furlan queixou-se por carta a Lessa por ele não ter submetido ao Conselho de Administração o Planejamento Estratégico 2004/2007 anunciado pelo banco. Em carta-resposta, Lessa disse que o BNDES é vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, mas não subordinado a ele. O caso chegou ao presidente Lula, que, por estar fora do país, preferiu não se pronunciar.
Na semana passada, a queda-de-braço entre os dois teve um novo lance, na criação da Câmara de Desenvolvimento Econômico, a ser presidida por José Dirceu. Furlan não gostou do fato de ele não ter sido nomeado para o posto. Em contrapartida, o BNDES, que fazia parte da câmara, foi excluído por determinação do presidente Lula, após pressões de dentro do governo.
(GUILHERME BARROS)



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