São Paulo, domingo, 25 de julho de 2004

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POLÊMICA

Soja geneticamente modificada deve atingir 35% da produção nacional; Meio Ambiente vê "fato consumado" em plantio

Produtor prepara nova safra de transgênico

MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Com o apoio do Palácio do Planalto, produtores de soja preparam novo plantio de sementes geneticamente modificadas de origem clandestina e sem estudo de impacto ambiental. Será a oitava safra brasileira de soja transgênica e deverá atingir até 35% da produção nacional do grão, segundo previsão da Abrasem (Associação Brasileira de Sementes), aliada da multinacional americana Monsanto no lobby pró-transgênicos. O Brasil é o segundo maior produtor mundial.
Cultivada a partir de sementes contrabandeadas da Argentina, a soja transgênica é comercializada desde o ano passado com o aval do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O consumidor brasileiro, no entanto, que deveria encontrar rótulos nas embalagens dos produtos que contêm mais de 1% de organismos geneticamente modificados, ainda não sabe se consome ou não subprodutos da soja transgênica.
A indústria teve prazo prorrogado até o início de abril para adaptar as embalagens. Mas a Abia (Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação), outra aliada dos transgênicos, informa não ter notícia de nenhum produto comercializado com o rótulo. Sugere que nenhum produto contenha organismos geneticamente modificados acima do limite fixado por decreto pelo governo.
Não é o que indicam estudos da Vigilância Sanitária do Estado de São Paulo. Um comunicado divulgado em março listava 11 produtos cujos lotes analisados indicavam a presença de organismos geneticamente modificados, independentemente da quantidade. Um novo estudo será divulgado no mês que vem. De uma amostra de 24 produtos, mais da metade mostrou traços de soja transgênica. "Encontramos até rótulos garantindo a não-existência de transgênicos em produtos contaminados", adiantou William Latorre, diretor de alimentos do Centro de Vigilância Sanitária paulista.
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que deveria fiscalizar o cumprimento do decreto federal da rotulagem, avalia que o controle da soja transgênica não é prioridade.

Fato consumado
"Temos uma situação surreal", avalia João Capobianco, secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, que representa os interesses ambientalistas nos debates internos no governo. "Admitir que o plantio ilegal durante tantos anos é um experimento válido é discutível", afirma o secretário.
Para o Meio Ambiente, a nova safra de soja transgênica, a ser comercializada em 2005, é mais um "fato consumado". O sinal verde veio com a inclusão discreta de um dispositivo no projeto de lei da biossegurança. O artigo 43 da versão que tramita agora no Senado autoriza o plantio de uma nova safra sem a certificação das sementes nem a aplicação das regras de licenciamento ambiental.
O artigo torna inócua, portanto, a regra fixada em setembro passado, quando a última safra foi autorizada. Na ocasião, uma medida provisória obrigava os produtores a incinerarem as sementes logo depois da colheita, o que poria fim à linhagem das sementes contrabandeadas. A medida provisória foi transformada em lei e ainda está em vigor, mas é como se não existisse.
"O produtor guardou suas sementes, está com elas em casa, prontas para plantar", afirma o engenheiro agrônomo Almir Rebelo, presidente do Clube Amigos da Terra de Tupanciretã, município que abriga a maior área de soja do Rio Grande do Sul, cerca de 120 mil hectares de culturas transgênicas.
Além de tirar da clandestinidade o plantio de sementes geneticamente modificadas, o principal efeito da medida provisória de outubro foi permitir à multinacional Monsanto, dona dos direitos de propriedade intelectual do gene resistente ao herbicida fabricado pela empresa, cobrar royalties dos produtores de soja, principalmente no Rio Grande do Sul. Foi cobrado R$ 0,60 por saca de 60 quilos de soja comercializada.

Royalties
Para a safra que começa a ser plantada em setembro, o valor do royalty vai dobrar, afirma Lúcio Mocsányi, diretor da Monsanto no Brasil. "Para a próxima safra, o valor será aquele que já havia sido negociado, ou seja, R$ 1,20 por saca de 60 quilos", disse, sem revelar a expectativa de arrecadação da empresa. Os produtores pretendem ainda questionar o valor a ser pago no ano que vem.
Na avaliação feita no Palácio do Planalto, a nova safra de soja transgênica é um fato consumado. A estratégia do governo é aprovar o projeto de lei de biossegurança antes do início do plantio em setembro. No comando desse esforço está o chefe da Casa Civil, José Dirceu. Caso a votação demore muito e haja risco aos produtores, uma nova medida provisória será editada.
"A situação é a seguinte: não existe a possibilidade de o produtor não plantar a soja transgênica nem temos a semente convencional", resume Almir Rebelo.


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