São Paulo, domingo, 25 de agosto de 2002

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Brasil, um crescimento difícil

LUIZ GONZAGA BELLUZZO

A lgumas projeções recentes sobre o desempenho do balanço de pagamentos nos próximos anos estão mais otimistas. É verdade que a crise cambial em curso e a contração das linhas de financiamento externo estão obrigando o setor privado e o governo a pagar ou a recomprar seus débitos em moeda estrangeira. A balança comercial também vem apresentando bons resultados: é provável que o superávit na conta de mercadorias chegue aos US$ 7 bilhões neste conturbado 2002 -uma boa notícia, mas não um resultado saudável. A despeito de uma certa recuperação das exportações nos últimos meses, a queda das importações ainda é o fator determinante do saldo positivo.
A trajetória do superávit comercial para os próximos anos não pode ser projetada linearmente a partir do desempenho recente. Quem faz esse tipo de exercício deve informar ao público que está supondo a manutenção do crescimento medíocre da economia, para dizer pouco.
Vamos formular uma hipótese otimista: a economia brasileira vai crescer em torno de 3% em 2003, 4% em 2004 e 5% em 2005. A maior "absorção doméstica" e a resposta elástica das importações vão, em princípio, pressionar o saldo comercial. Muitos argumentam que, numa primeira etapa, o investimento pouco se altera, porque há capacidade ociosa. Essa conjetura é, no mínimo, estranha para quem postula, ao mesmo tempo, a intensificação do processo de substituição de importações e o aumento da capacidade produtiva destinada à exportação e ao abastecimento do mercado interno. E, se o investimento aumentar, a demanda por importações será naturalmente ainda mais elevada.
Na atual conjuntura de grave restrição externa, a elevação da taxa de crescimento da economia -acompanhada do aumento virtuoso do investimento e do saldo comercial- deveria supor, como primeira condição, uma taxa de expansão da demanda externa maior do que o ritmo em que avança a demanda doméstica.
O país marcou passo no que se refere à sua pauta de exportações, concentrando as receitas nos produtos cujas vendas crescem menos quando a demanda externa aumenta (commodities agrícolas e industriais) e tornando as exportações mais dependentes de mercados e países (América Latina) que estão encalacrados na recessão e em problemas graves de financiamento do balanço de pagamentos. Por isso mesmo, não é fácil aumentar o grau de abertura da economia a curto prazo.
A recente desvalorização cambial vai, é claro, melhorar essa situação: o real mais fraco estimula as exportações e encarece as importações. Muita gente esquece, no entanto, que as dificuldades vão além do estímulo à produção corrente e à ocupação da capacidade já instalada. A dilaceração de algumas cadeias produtivas pelo "real forte" e a estagnação dos investimentos só serão reparadas com o aumento imediato dos gastos na formação de nova capacidade, o que vai reclamar políticas adequadas de crédito e outros estímulos. Sem essa providência, as taxas de crescimento sonhadas vão "consumir" rapidamente as "sobras" de capacidade na siderurgia, na petroquímica e em outros insumos e exacerbar os "buracos" nos setores de tecnologia avançada.
Estamos, portanto, trabalhando com a hipótese de um crescimento rápido do dispêndio agregado. Se isso é assim, a combinação entre crescimento elevado e aumento do saldo comercial vai impor um maior "vazamento" da renda criada para os reservatórios de poupança voluntária ou fiscal. Não se trata aqui de anuir à tese da poupança macroeconômica como condição prévia para o investimento. No caso em exame, a exigência de um aumento na "taxa de poupança" tem a ver com a necessidade de economizar moeda forte e formar reservas alentadas. Isso significa desenhar caminho de expansão da economia em que o investimento e as exportações comandem o espetáculo. O consumo cresce, mas a um ritmo inferior ao do investimento e ao da renda e abaixo do avanço das exportações.
Dada a desigualdade distributiva vigente no país, o desejo de combinar crescimento elevado e aumento do saldo comercial só pode ser satisfeito se houver: 1) uma política muito agressiva de exportações, 2) uma mudança na composição da demanda doméstica (estimulando a construção civil e a produção de bens populares com baixo conteúdo importado) e 3) uma política tributária e de gasto público capaz de moderar a expansão do consumo das camadas de alta renda na mesma proporção em que permite o crescimento da renda dos mais pobres.
É bom não esquecer: a privatização dos serviços públicos, como eletricidade, telefonia, água e esgoto, e a venda de grandes cadeias de lojas, supermercados e outros negócios de prestação de serviços vêm dando uma grande contribuição para o rombo do balanço de serviços. Essas atividades vendem e compram em moeda nacional, em reais, mas remetem lucros ao exterior em dólares.
Isso significa que o dinheiro que entrou no país como investimento direto vai vazar permanentemente para o estrangeiro sob a forma de remessas de rendimentos. Se a economia crescer 5% ao ano, o déficit de serviços -incluído o pagamento de juros- poderá voltar rapidamente a mais de US$ 25 bilhões nos próximos dois anos.


Luiz Gonzaga Belluzzo, 59, é professor titular de Economia da Unicamp (Universidade de Campinas). Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).


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