São Paulo, domingo, 25 de agosto de 2002

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EM TRANSE

Aplicação no mercado financeiro rende mais que emprestar a exportador

Empresas também entram na especulação com o dólar

CLÁUDIA DIANNI
LEONARDO SOUZA

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O problema dos financiamentos para as exportações não é resultado apenas das dificuldades dos bancos em tomar empréstimos no exterior. Boa parte dos recursos disponíveis no mercado tem sido usada por grandes empresas, estimuladas pelos próprios bancos, não para financiar a produção exportável, mas para obter ganhos em aplicações financeiras.
Isso tem diminuído ainda mais a oferta de crédito para as empresas que precisam financiar a produção "exportável".
Diretores de bancos ouvidos pela Folha confirmaram a prática da operação e disseram que o mesmo deve acontecer com as linhas que o Banco Central passou a oferecer na semana passada, justamente para restaurar a falta de financiamento às exportações. O BC pretende leiloar US$ 2 bilhões para a exportação.
O ex-secretário-executivo da Camex (Câmara de Comércio Exterior) Roberto Giannetti da Fonseca disse que muitos exportadores têm reclamado que não conseguem crédito nos bancos porque os recursos foram desviados para aplicações no mercado.
Essas transações são chamadas de arbitragem. Ocorrem quando as taxas de juros no mercado interno para determinadas operações superam as taxas cobradas no exterior.
"As linhas de créditos para exportação estão sofrendo com a concorrência com os próprios papéis do governo que, se parar de emiti-los, não tem como rolar a dívida pública", disse Giannetti.
Nas últimas semanas, devido às turbulências no mercado, os juros para aplicações em dólar no Brasil -seja em títulos públicos corrigidos pela variação do câmbio seja no mercado futuro- subiram muito, o que tornou mais atraentes as operações de arbitragem.
Essas operações ocorrem principalmente com as linhas de ACC (Adiantamento de Contratos de Câmbio), que são o principal instrumento de financiamento à exportação. A operação ocorre da seguinte forma: uma grande empresa já tem suas exportações previstas para determinada data, mas não precisa antecipar os dólares que tem a receber porque conta com dinheiro em caixa suficiente para financiar sua produção.
Mesmo assim, a companhia recorre ao banco e contrata um ACC -às vezes a própria empresa procura, em outras, o banco oferece- para utilizar os recursos em aplicações financeiras.
O banco converte os dólares recebidos pela empresa em reais e os aplica em NTN-Ds, títulos do Tesouro Nacional que, além da variação do câmbio, pagam juros aos investidores.
A taxa que a empresa tem de pagar em dólar sobre o crédito está hoje, para operações de seis meses, em aproximadamente 12% ao ano. Os papéis cambiais, com prazo de vencimento em seis meses, rendem ao investidor 25% ao ano de juros.
Ao quitar o ACC, a empresa paga os juros do empréstimo (de 12% ao ano), e lucra a diferença do rendimento (13 pontos percentuais), que na verdade acaba sendo repartida com o banco.
Outra opção de arbitragem é, no lugar de aplicar o dinheiro em NTN-Ds, os reais são investidos em fundos que pagam juros variáveis de mercado (pós-fixados). O banco então faz uma operação de "swap" (troca de rentabilidade) para a empresa, que também recebe juros em dólar.
Esse tipo de operação, no entanto, paga menos à empresa. A taxa está em aproximadamente 20% ao ano. Mas, nesse caso, os reais ficam disponíveis para serem sacados pela empresa, que pode usá-los como capital de giro.
De acordo com os diretores de bancos ouvidos pela Folha, as operações não são ilegais, portanto, o BC não tem como nem por que coibir. Para o presidente da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil), José Augusto de Castro, mesmo não sendo ilegal, o negócio desvia recursos de exportadores que realmente precisam de financiamento.
"Não é ilegal, mas é uma distorção porque o país capta recursos no exterior, se endivida, mas esse dinheiro gera zero de divisas, zero de produção, zero de exportação, nenhum emprego e só serve para dar lucro a banqueiros", afirmou.
Segundo ele, operações de arbitragem são comuns e sempre existiram. O problema é que, quando não há maior oferta de crédito no mercado, como atualmente, o dinheiro desviado faz falta porque muitos exportadores deixam de ser atendidos. De acordo com o BC, os recursos disponíveis para operações de crédito nos bancos caíram de US$ 14 bilhões, em janeiro, para US$ 11,8 bilhões nas últimas semanas.
Por causa disso, o governo teve de desviar R$ 2 bilhões do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) para o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) reforçar as linhas de crédito a exportação e atender a demanda recusada pelos bancos privados.
Além do dinheiro dos trabalhadores, o BNDES precisou captar recursos em bancos estrangeiros, adiantar saques de empréstimos e pedir um novo empréstimo ao BID para garantir um reforço aos exportadores de mais US$ 2 bilhões até o fim do ano.


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