São Paulo, domingo, 25 de agosto de 2002

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ARTIGO

Os riscos do chamado plano B, o controle de capitais

JOSÉ JÚLIO SENNA
ESPECIAL PARA A FOLHA

No início de setembro de 1998, o governo da Malásia fechou a porta de saída para os investimentos de portfólio no país, por um ano, tornou ilegais as operações "offshore", determinou a repatriação de todos os ativos em ringgit (moeda local) mantidos no exterior e fixou a taxa de câmbio. Na época, a crise asiática durava mais de um ano.
Tailândia, Coréia do Sul e Indonésia haviam recorrido ao FMI e estavam com seus programas em andamento. Na Malásia, que evitou tal recurso, deu-se uma resposta inicial ortodoxa à crise na região (corte de gastos, aumento de juros, etc.), mas, antes da imposição dos controles cambiais, já havia indícios de impaciência com relação a essa política. Vociferava-se contra os especuladores, e George Soros era o alvo principal. O quadro era lastimável, com acentuada queda no PIB dos países atingidos pela crise financeira.
Contudo, o estado de pânico que tomara conta da região começava a se dissipar. Na Coréia e na Tailândia, observavam-se juros em declínio e câmbio em apreciação. Para alguns analistas, os controles impostos na Malásia teriam sido desnecessários, ou seja, o primeiro-ministro Mahatir teria se precipitado. É difícil concordar com tal ponto de vista. A esse respeito, merece mais crédito a opinião de Dani Rodrik, para quem a situação era insustentável e tão grave quanto às que levaram outros países a recorrer ao FMI.
No mundo acadêmico, destacavam-se as posições de Jagdish Bhagwati e Paul Krugman. O primeiro criticava a abertura das contas de capital, enquanto o segundo falava da necessidade de um plano B, envolvendo restrições temporárias ao movimento internacional de capitais. Os objetivos básicos dos controles cambiais adotados por Mahatir precisam ser destacados: permitir a retomada do crescimento econômico e pôr fim à instabilidade financeira e cambial. Certamente, não lhe passara despercebido o exemplo da China, que, por não ter permitido a livre conversibilidade, mostrava-se imune à crise.
Tal esclarecimento é importante, pois ressalta a semelhança existente entre a situação experimentada pela Malásia, naquela época, e a que vive o Brasil hoje. Entre nós, é grande o anseio pela retomada do crescimento e por mais estabilidade nos mercados. Seguramente, não pensam de maneira diferente os atuais candidatos à Presidência da República.
Quais os resultados práticos da política implementada na Malásia? Não há consenso a esse respeito. A economia se recuperou (a partir de janeiro de 99), mas o mesmo fenômeno ocorreu também em outros países. É certo que o caos inicialmente previsto não se instalou. Os economistas aceitam bem controles preventivos (como os do Chile), contendo a entrada dos capitais, mas restrições à saída sempre foram vistas como sinônimo de desastre.

Casos distintos
Alguns aspectos relevantes precisam ser lembrados, como o fato de que a proibição de saída de recursos envolveu apenas investimentos de portfólio de não-residentes, de curto prazo. A forte perda de reservas observada na segunda metade de 1997 sugere que parte desses capitais já havia saído. Não foram afetados, por exemplo, os banqueiros internacionais, até porque o país não apresentava dívida externa significativa. Ressalte-se que se mostravam elevados, na Malásia, o valor de mercado das ações (que chegou a corresponder a três vezes o PIB) e o grau de "alavancagem" do sistema bancário.
Outro fato importante é que os controles tiveram curta duração. Em menos de seis meses, a proibição de saída foi substituída por tributação, posteriormente limitada a impostos sobre ganhos de capital. Sem dúvida, a impressionante capacidade do país de gerar receita cambial autônoma é o que explica a rápida reversão de política. A Malásia é o único país do mundo que exporta o equivalente a 100% do PIB.
Por certo, pode vir a ser grande a tentação de se adotar no Brasil algo semelhante ao que se fez na Malásia. O juro real é muito alto (há bastante tempo), a economia cresce pouco, e a volatilidade cambial tem sido excessiva. Fechando-se a porta de saída dos capitais, seria possível reduzir expressivamente a taxa real de juro, ao mesmo tempo em que se retomaria o câmbio fixo. Na verdade, em tese, há duas maneiras pelas quais tal política pode ser implantada: deliberadamente ou como simples resultado do eventual não-restabelecimento do crédito externo do país, pois sem recursos novos não teríamos como enfrentar os compromissos internacionais.
Em qualquer caso, o controle de capitais no Brasil seria desastroso. Primeiro, porque no estabelecimento de prioridades para pagamento externo, dificilmente deixaria de ser afetado largo número de credores, implicando uma longa e penosa renegociação da dívida. Segundo, correríamos o risco de não conseguir recursos para cobrir o déficit em conta corrente, dependendo do grau de retração dos investimentos diretos. Terceiro, é pouco provável que os controles tivessem vida curta, em particular por ser baixa nossa capacidade de gerar receita de exportação.
Em suma, no caso brasileiro atual, a centralização do câmbio não representa uma alternativa real de política econômica, voltada para superar a restrição externa e favorecer a retomada do crescimento econômico. Na verdade, ela poderia ser vista como uma das consequências indesejáveis de um cenário negativo, no qual as atuais dificuldades evoluiriam para um ambiente de ruptura e aprofundamento do quadro de desaceleração da economia.
Na medida em que se intensifique esse debate, certamente diminui a probabilidade de candidatos à Presidência pensarem diferente do que se concluiu acima. Sendo assim, reduz-se a preocupação de que os próximos governantes poderão cair na tentação da "solução malasiana", ao mesmo tempo em que aumenta a chance de presenciarmos esforços redobrados no sentido do pleno restabelecimento do crédito externo. Nesse caso, a recuperação econômica do país seguiria um curso lento e gradual, mas o único efetivamente disponível.


José Júlio Senna, 56, é PhD em economia pela Johns Hopkins University (EUA), sócio-diretor da MCM Consultores Associados, e ex-diretor do Banco Central.


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