São Paulo, domingo, 25 de agosto de 2002

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CONSUMO

Pesquisa revela que consumidora se deixa seduzir pelo produtos, enquanto ele tem necessidade de tocar na mercadoria

Demorada, mulher gasta mais no mercado

ADRIANA MATTOS
FÁTIMA FERNANDES

DA REPORTAGEM LOCAL

Se for preciso encarar uma fila, a mulher é mais paciente do que o homem, que abandona a loja se tiver de esperar. Ela já se deixa seduzir mais pelo aroma dos produtos nas gôndolas do que ele, que, por sua vez, sente mais necessidade de apalpar a mercadoria antes de levá-la para casa.
A consumidora tem mais cuidado em listar os produtos que precisa, gosta de companhia ao sair para gastar e é muito influenciada pelos filhos. Ele já dá menos atenção aos lançamentos e prefere ir sozinho às lojas. As diferenças entre os sexos na hora de colocar a mão no bolso vão de teorias comuns, como quem abre mais ou menos a carteira, a temas mais complexos, como a consciência ecológica.
Os hábitos do consumidor foram revelados por levantamento realizado nos últimos meses pelo Provar (Programa de Administração do Varejo) da USP (Universidade de São Paulo).
"Essas diferenças reforçam a teoria de que, para vender, precisamos saber exatamente como eles pensam. Ela é racional e a compra faz parte de seu cotidiano. Ele age pensando muito em si mesmo e a compra é até diversão", diz Martinho Paiva Moreira, diretor do D'Avó Supermercados.
As entrevistas foram feitas com todas as classes econômicas e em diferentes faixas etárias. As consultas foram realizadas na porta dos supermercados. O estudo foi finalizado em junho deste ano.

14 minutos de diferença
Pelo levantamento do Provar, o homem é mais rápido nas compras e também gasta menos. Ele permanece 45 minutos, em média, no supermercado. Ela, 59 minutos -ou 14 minutos a mais. O "tíquete médio" (gasto médio) do consumidor é de R$ 77,24. Da consumidora, de R$ 99,64.
A questão da consciência ecológica foi estudada e é fator de divergência entre ele e ela. A consumidora se preocupa mais com isso ao escolher a mercadoria. Mais de 55% das mulheres pensam nessa questão na hora de experimentar um produto. Cerca de 42% dos homens lembram disso.
Pelo levantamento, há alguns pontos em comum entre os sexos: poucos consumidores seguem os conselhos dos vendedores -aqueles que geralmente tentam empurrar os produtos para os carrinhos de compras.
Quase 80% dos 420 consumidores ouvidos dizem que consideram a presença do vendedor de pouca importância na hora da decisão. Quem eles mais ouvem? Amigos e familiares.
O que os consumidores acabam levando para casa, no entanto, nem sempre agrada: 17% deles informam que se arrependem das compras de produtos e 14% afirmam que isso ocorre às vezes. Isso acontece especialmente, segundo o Provar, quando o cliente vai com fome ao supermercado.
É aí que entra o que os especialistas chamam de "compra por impulso" -aquela decisão que é tomada de forma irracional, sem justificativa para ser feita, mas que gera sensação de felicidade imediata, segundo especialistas consultados pela Folha.
O estudo do Provar mostra que a compra por impulso é significativa nos supermercados: 37% das pessoas vão às lojas sem nenhuma lista nas mãos, o que dá margem para essa compra por impulso. Outros 43% saem às vezes de casa sem listar as mercadorias.

Compulsão
Além disso, quase 60% dos entrevistados afirmam que gastam além do esperado. Tem mais: 37% dos consumidores confessam que realmente levam para casa mais itens do que precisam.
Isso pode ser consequência, segundo especialistas, de promoções agressivas, do gosto por uma embalagem diferenciada e até da necessidade que o consumidor tem de se presentear.
"O simples ato de comprar, de ter algo, pode criar a sensação de prazer que outros atos cotidianos não criam. Em tempos de crise, essa sensação é uma espécie de compensação para homens e mulheres", diz o professor Alexandrina Meleiro, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas.
O estudo também revela que quanto maior a disponibilidade de renda do consumidor, maior o gasto por minuto e maior o erro na previsão do gasto. A média de gasto por minuto na loja é de R$ 2 por pessoa, podendo chegar a R$ 3,12 para a faixa de renda superior a 40 salários mínimos (R$ 8.000).

Estado de espírito
A compra por impulso, na análise de Marcos Gouvêa, consultor de varejo, está diretamente ligada ao estado de espírito da população. "Quanto mais otimistas são as perspectivas de um país, maior é a predisposição para a compra por impulso", afirma.
Ele diz que a compra por impulso já foi muito maior no Brasil no período de 1994 a 1997. Com a estabilização da inflação, o consumidor passou a ter maior noção de preços e se animou a gastar. A situação agora é outra. O brasileiro está mais comedido. As compras sem necessidade ocorrem mais nas linhas de produtos mais baratos.
Na classe de menor poder aquisitivo, isso ainda é mais evidente. "Se esse consumidor compra por impulso e erra, ele não terá dinheiro para repor o erro, para comprar de novo", diz Fernando Barreto, consultor da área.
Ainda assim, na análise da psiquiatra Alexandrina Meleiro, a compra por impulso é significativa no país. Para ela, a crise econômica pode até criar no consumidor o efeito contrário -a vontade de gastar. Isto é, com a crise, o consumidor busca uma saída para aliviar a tensão: fazer compras é uma delas.
"A pressão da sociedade competitiva pode levar o consumidor a gastar", afirma. "É a vitória do emocional sobre o racional", afirma Rita Almeida, diretora da Almap/BBDO.
João Paulo Lara de Siqueira, um dos coordenadores do estudo do Provar, diz que o supermercado que souber explorar a impulsividade do consumidor pode elevar -e muito- o seu faturamento.
O consumidor, por sua vez, pode enfrentar a criatividade das lojas para atraí-lo saindo de casa com uma lista detalhada dos produtos que precisa comprar -e, se possível, até discriminar as marcas no papel.


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