São Paulo, quarta-feira, 25 de setembro de 2002

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EM TRANSE

Real valia ontem menos que peso argentino; queda foi a maior desde máxi de 99; mercado já fala em dólar a R$ 4

Especulação e seca de crédito derretem real

ANA PAULA RAGAZZI
FABRICIO VIEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

A especulação com o objetivo de lucrar com o vencimento da dívida do governo em dólares, a seca de crédito externo para empresas e bancos brasileiros e a incerteza política levaram pelo segundo dia consecutivo o real a um nível recorde de desvalorização. Em termos nominais (sem considerar o poder de compra real das moedas), o real hoje voltou a valer menos que o peso argentino.
Uma remessa de recursos para o fora do país por parte de um banco europeu, que tinha uma dívida vencendo ontem, também teria contribuído para a disparada da moeda norte-americana ontem na parte da tarde.
Pelo segundo dia consecutivo, a ação do Banco Central não foi suficiente para evitar o novo recorde. Depois de chegar a R$ 3,82, a moeda americana recuou um pouco para fechar vendido a R$ 3,78, em alta de 5,88%, maior valorização em um dia desde janeiro de 1999. No mês, a valorização é de 25,6%; no ano, de 63%.
O pano de fundo para a alta ontem foi o mesmo dos últimos dias -cenário externo nervoso, especulações com o futuro político do país, saída de recursos e o vencimento de dívida cambial do governo hoje. Tudo isso gerou falta de vendedores de dólares no mercado. O BC era praticamente o único disposto a ofertar a moeda norte-americana.
Diferentemente dos últimos dias, o volume negociado no mercado cambial voltou a seus níveis normais -teria girado cerca de US$ 1,3 bilhão. No início da semana, o volume ficou um torno dos US$ 600 milhões.
Segundo operadores, bancos teriam pressionado a taxa de câmbio para aumentar seus ganhos hoje, quando vence dívida do governo atrelada ao dólar de US$ 1,5 bilhão. Como os papéis não serão rolados, o pagamento será feito tendo como base o Ptax (preço médio do dólar medido diariamente do BC) fechado ontem.
"Como o BC anunciou antes que não rolaria os papéis, os bancos devem ter aproveitado para tentar ter algum ganho extra com a operação", afirma Fernando Coelho, analista da ABM Consulting. "Grande parte dessa dívida está nas mãos de grandes bancos, que têm condições de sacudir o mercado de câmbio se quiserem."
Danny Rapapport, economista da consultoria Tendências, acredita que hoje será possível ver o peso que a decisão do BC de não rolar os vencimentos teve sobre o câmbio nos últimos dias. "Vejo espaço para o dólar voltar um pouco", afirma. No "after market" (negociações depois do fechamento do mercado), a moeda chegou a operar em queda de 1%.
Os investidores aguardavam, também, a divulgação da pesquisa Ibope para as eleições deste ano. Segundo boatos que circulavam entre as mesas de operação durante o dia, a sondagem confirmaria resultado do Datafolha. Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estaria mais próximo de uma vitória no primeiro turno. Além disso, José Serra (PSDB) e Anthony Garotinho (PSB) estariam tecnicamente empatados.
A pesquisa divulgada à noite confirmou as expectativas. Mas afastou o maior temor do mercado: que Garotinho pudesse ter ultrapassado Serra. Segundo um operador, o pior cenário, agora, traçado por bancos estrangeiros seria um segundo turno disputado por Lula e Garotinho.
Era forte o rumor que bancos estrangeiros estavam comprando dólares para enviá-los ao exterior. Segundo operadores, houve uma compra significativa de dólares ontem por um banco europeu que tinha uma dívida vencendo.
A instituição teria esperado para comprar parte do que precisava remeter para fora na parte tarde na esperança de que a pressão especulativa para a formação do Ptax já teria diminuído, uma vez que o movimento mais significativo no mercado de câmbio acontece na parte da manhã.
Mas ocorreu o inverso e o dólar acabou subindo ainda mais à tarde. E a pressão de compra pelo banco estrangeiro teria contribuído para a alta.
O mercado já coloca uma nova margem para o dólar -entre R$ 4 e R$ 4,25. Na Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F), o número de contratos de dólar foi 31% maior que o registrado no dia anterior, registrando um volume de R$ 14,3 bilhões. No contrato com vencimento em outubro, o dólar subiu 6,35% e fechou a R$ 3,775.
O cupom cambial, que projeta o valor da taxa de juros em dólar, também voltou a subir para níveis recordes. O FRA (que melhor mede o cupom cambial) com vencimento em novembro fechou com taxa de 53,5% ao ano.
O risco-país brasileiro acompanhou toda a instabilidade do dia e subiu 2,1%, para 2.221 pontos.


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