|
Texto Anterior | Índice
opinião
Adeus, macroeconomia
ELI NOAM
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"
ESTAMOS no meio de
uma severa crise econômica, a segunda em
cerca de uma década no caso da
Ásia e a terceira no da América
Latina. Parece que as economias cuja base é a informação
são voláteis. Isso se deve em
parte à deflação fundamental
de preços em alguns dos principais produtos e serviços de informação e em parte à velocidade muito mais elevada das transações, que superam a capacidade das instituições tradicionais para controlá-las.
Mas será que a mesma tecnologia poderia também oferecer
novas ferramentas de estabilização?
As oscilações cíclicas da economia são tão velhas quanto a
humanidade. A Bíblia nos relata sobre sete anos de fartura no
Egito, seguidos por sete de escassez. Cada sistema econômico dispõe de instrumentos de
política econômica que lhe permita enfrentar essas oscilações.
No Egito antigo, os alertas de
José levaram à criação de silos
para grãos. Na era feudal, as ferramentas eram o controle sobre a composição das moedas e
as severas restrições ao uso da
terra e à liberdade da força de
trabalho. Essas políticas terminaram por se tornar obsoletas
quando chegou a era industrial,
na qual a meta era estimular a
demanda agregada por meio de
tributação e gastos públicos,
controle da base monetária e
manipulação das taxas de juros.
Assim, quando a atual crise
econômica eclodiu, os governos decidiram enfrentá-la da
maneira tradicional, por meio
de amplos gastos públicos de
estímulo e de alterações nas taxas de juros. Mas ainda não se
pode saber ao certo se essas soluções criadas na era industrial
funcionaram.
A demanda não é o principal
problema, na economia da informação. As pessoas consomem mais bits e mais minutos
que nunca. O problema são os
preços, acompanhados pela incapacidade da economia para
monetizar muitas das atividades relacionadas à informação.
Isso gera expansões iniciais excessivas, com o objetivo de conquistar mercado, e subsequentes contrações.
E o ritmo das respostas macroeconômicas tampouco é
adequado à velocidade cada vez
maior da economia da informação. Quando as verbas de emergência forem enfim integralmente desembolsadas, é provável que já estejamos fora da recessão, e elas poderiam estimular a inflação.
O novo tipo de problema, em
contraste, é o imenso fluxo de
atividades econômicas baseadas na computação que vêm se
tornando cada mais impenetráveis à interpretação e a qualquer reação. No entanto os proponentes das ferramentas tradicionais se incomodaram mais
quando os novos elementos da
economia solaparam suas ferramentas tradicionais.
Diferenciação
Com o surgimento do dinheiro eletrônico, os simpósios passaram a ser ocupados por multidões de professores de macroeconomia e dirigentes de
bancos centrais que lamentavam a dificuldade de controlar
essa nova forma de base monetária. Em outras palavras, a eficiência da economia avançada
tinha de servir à eficiência da
política monetária, e não o
oposto.
Em lugar de supressão, de
que maneira as novas tecnologias poderiam criar ferramentas de governo?
O mais importante aspecto é
a capacidade da nova tecnologia para se diferenciar e adaptar. Na internet, cada pacote de
dados é identificado em termos
de emissor e receptor. O que
significa que se torna possível
identificar os usuários, e os
usos. E aquilo que pode ser
identificado pode ser diferenciado.
Isso é um recurso muito poderoso. A macroeconomia tradicional tendia a funcionar
com grandes agregados. Era essa a sua essência. Os motivos
eram dois: para os teóricos, era
mais fácil escrever equações
dessa maneira. E, em termos de
implementação de políticas,
era difícil, em termos administrativos bastante práticos, desagregar os muitos agentes econômicos que operam em uma
sociedade.
Mas agora dispomos de ferramentas que permitem diferenciar. Com a devida autorização legal, um banco central poderia cobrar diferentes taxas de
overnight para diferentes bancos ou variar os requisitos de
reserva de capital. Os impostos
sobre as vendas e outros tributos poderiam ser variados seletivamente para diferentes produtos, regiões ou usuários. Os
créditos tributários poderiam
ser vinculados aos gastos, para
usos determinados. As verbas
de estímulo poderiam ser dirigidas a gastos ou investimentos
que fiquem acima do nível do
ano anterior.
Individualização
Para oferecer uma analogia
próxima: no passado, as rodovias com pedágio cobravam dos
motoristas de maneira quase
indistinta. Mas agora, com os
serviços automatizados de cobrança e os serviços de pagamentos eletrônicos, preços diferentes podem ser cobrados
de acordo com horários, frequência de uso, características
do motorista, características do
veículo e proximidade entre a
residência do motorista e serviços de transporte público.
Em resumo, dispomos de
uma ferramenta muito mais refinada do que no passado para
estimular e deprimir a demanda por transporte e fazê-lo com
menor custo devido à capacidade de desenvolver incentivos
dirigidos. Seria preciso, é claro,
lidar com certas implicações.
Uma delas se refere à privacidade pessoal. Para diferenciar
entre as necessidades, é necessário saber muito. Mas esse
problema poderia ser resolvido
por meio de um sistema de
pseudônimos e intermediários
confiáveis. Um segundo problema é o comércio internacional. Basicamente, um governo
poderia diferenciar em favor de
seu povo? As regras da OMC
(Organização Mundial do Comércio) dizem que não. Mas
elas também provavelmente se
tornarão uma relíquia da era
industrial.
A era industrial foi a idade da
massificação. Produção em
massa. Consumo em massa.
Mídia de massa. Publicidade de
massa. Mas isso acabou. Vemos
em torno de nós a tendência à
personalização, à individualização.
A atividade macroeconômica
dos governos inevitavelmente
seguirá esse caminho e vai se
tornar uma política econômica
que opera abaixo dos grandes
agregados. Economistas, tecnólogos e analistas políticos deveriam trabalhar para desenvolver essas ferramentas.
ELI NOAM é professor de Finanças
e Economia na Universidade Columbia.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Texto Anterior: Teles contestam críticas à banda larga Índice
|