São Paulo, domingo, 25 de novembro de 2001

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COMÉRCIO

Drogaria quer vender pilha, água e leite para compensar perda de receita

Genérico faz farmácia ir à Justiça para virar "drugstore"

FÁTIMA FERNANDES
DA REPORTAGEM LOCAL

As farmácias estão recorrendo à Justiça para poder vender a "linha de conveniência", como pães, café, pilhas, sorvetes e até meias-calças femininas.
O lucro com a venda desses produtos chega a ser o dobro do obtido com remédios. A rentabilidade das farmácias está em queda por dois motivos: 1) os preços dos medicamentos são controlados pelo governo; 2) os genéricos, produtos mais baratos, estão roubando mercado dos convencionais.
A lei nº 5.991/73, que regulamenta a venda de medicamentos, só permite que as drogarias vendam remédios e produtos correlatos, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
As farmácias têm outra interpretação. Como a lei não cita o que é proibido vender nesses estabelecimentos, elas estão obtendo liminares e sentenças definitivas na Justiça para comercializar o que dá mais receita e lucro.
Pelo menos 400 farmácias estão pedindo à Justiça o direito de poder ampliar a linha de não-medicamentos nas suas lojas. Metade delas já conseguiu liminar ou sentença definitiva da Justiça.
O que as drogarias querem é, na prática, adotar o modelo americano de lojas -as "drugstores", que vendem de tudo. Além de possibilitar aumento da receita, a linha de não-medicamentos, informam, é mais lucrativa -a margem de lucro chega a ser o dobro no caso de alguns produtos.
A rede de farmácias Drogão, com 43 lojas, já obteve da Justiça seis liminares para poder vender produtos de conveniência. A última foi conseguida na semana passada para uma loja em São José dos Campos (SP).
A loja foi autuada pela Secretaria de Vigilância Sanitária municipal por comercializar leite, água e isotônicos. Em Mogi das Cruzes (SP), a secretaria chegou a bloquear a venda de uma gôndola inteira de uma loja Drogão por considerar proibido o comércio dos produtos no estabelecimento.
"Para crescer e oferecer mais itens para o consumidor, precisamos procurar a Justiça", afirma Modesto Araujo, diretor da Drogaria Araujo, rede com 58 lojas na região da Grande Belo Horizonte. A Araujo foi uma das pioneiras na obtenção de liminares -agora já tem até sentença definitiva- para trabalhar com um mix variado.

Tendência mundial
Na metade dos anos 90, numa visita aos Estados Unidos, Modesto constatou que essa seria uma tendência mundial e decidiu trazer o modelo ao país.
Cada uma das suas lojas trabalha hoje com 18 mil itens -de gelo a meia-calça feminina. Tradicionalmente, uma farmácia tem menos da metade disso. Do faturamento, de R$ 170 milhões, a linha de não-medicamentos já representa 45% -o mais comum é essa fatia não passar de 20%.
A conquista de liminares e sentenças definitivas da Justiça para poder atuar como "drugstores" pode ser constatada nos números da Abrafarma, associação que reúne 30 redes de farmácias do país. Em 99, essa linha participava com 24,5%, em média, da receita das drogarias. Em 2000 subiu para 25,8% e, neste ano, para 28,3%.
Pelo levantamento da Abrafarma, é a linha de não-medicamentos que está enchendo o caixa das lojas. De janeiro a outubro, informa a associação, as vendas de remédios subiram 1,8% na comparação com igual período de 2000 -de R$ 1,80 bilhão para R$ 1,83 bilhão. No caso dos outros produtos, que inclui especialmente as linhas de higiene e beleza, a alta foi de 3,5% -de R$ 620 milhões para R$ 642 milhões.

Driblando a vigilância
A rede Pague Menos, do Ceará, que diz ser a maior vendedora de sorvetes Kibon-Sorvane do Nordeste, tem planos para elevar para 80% -hoje é de 35%- a participação da linha de não-medicamentos no seu faturamento.
Com 182 lojas em dez Estados, ela funciona com liminares em sete. Significa que cerca de 75 lojas precisam do aval da Justiça para diversificar a linha de produtos.
"Quando eles [a Secretaria de Vigilância Sanitária" nos perturbam, procuramos a Justiça", afirma Josué Ubiranilson Alves, diretor da rede. Ele conta que cada uma das suas lojas trabalha hoje com 9.000 itens -a linha de remédios corresponde a 50%.
A opção das redes de farmácias por ampliar a linha de não-medicamentos também é reflexo do controle dos preços dos remédios pelo governo. Recentemente, a Câmara de Medicamentos autorizou aumento 4%, em média, nos preços dos remédios por causa da alta do dólar. Para o comércio, o repasse autorizado foi de 3%.
Eles querem também minimizar a queda no faturamento por causa da troca dos remédios convencionais pelos genéricos (mais em conta), movimento que começou há cerca de dois anos.
"A entrada dos genéricos no mercado reduziu em 40% o faturamento das farmácias", diz Araujo. Segundo ele, as farmácias estão tendo de diversificar o mix de produtos até para poder manter o negócio. "O governo já fala em distribuir remédios pelo correio. Não dá para ficar parado."
Para enfrentar a queda no faturamento, a Drogaria São Paulo pretende ampliar a linha de produtos dermatológicos, que compõem a linha "cosmocêutica".
As farmácias querem ainda se preparar para enfrentar os supermercados, que desejam há muito tempo vender remédios. A rede Extra, por exemplo, tem intenção de montar uma farmácia-piloto numa área reservada da loja, mas ainda não tem projeto definido.



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