São Paulo, domingo, 25 de novembro de 2007

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ARTIGO

Os EUA entrarão em recessão?

Ray Stubblebine - 23.nov.07/Reuters
Consumidores em loja nos EUA, após feriado de Ação de Graças


MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"

OS ESTADOS Unidos passarão por uma recessão? Duas respostas devem ser dadas a essa pergunta: ninguém pode ter certeza; e de qualquer jeito isso não importa. Questão muito mais importante seria determinar se a economia americana continuará a passar por uma "recessão de crescimento", expressão que uso para designar um período prolongado de crescimento abaixo da norma. E a resposta, nesse caso, é que sim, isso acontecerá.
A definição padrão de recessão nos EUA envolve dois trimestres consecutivos de crescimento econômico negativo. Isso é ao mesmo tempo exigente demais e de menos. Demais pois requer uma queda absoluta na produção, evento pouco freqüente em uma economia que continua em expansão; e de menos porque se trata de uma definição consistente com alta no desemprego e queda na utilização da capacidade instalada. Mas uma prolongada recessão de crescimento provavelmente seria muito mais perturbadora até mesmo que uma recessão aguda, desde que esta última seja breve.
A maioria dos analistas acredita que a tendência da economia dos EUA é a de crescimento anual de cerca de 3%. Ou seja, expansão inferior a essa tendência representaria uma recessão de crescimento. A expectativa de crescimento para este ano é de cerca de 2%. Em 2008, o consenso das previsões é de crescimento de pouco mais de 2%. Isso representaria um déficit cumulativo de cerca de 2% na alta do PIB durante dois anos. O que significa que os EUA já estão vivendo uma recessão de crescimento.
É fácil determinar motivos para que a demanda continue fraca no mercado americano: os preços dos imóveis residenciais caíram 8% ante seu pico, em termos reais (com base no índice Case-Shiller), e a queda pode se aprofundar ainda mais, após uma alta de mais de 100% entre 1997 e 2006.
Ben Bernanke, o presidente do Fed (o BC dos EUA), estimou em US$ 150 bilhões os prejuízos contabilizados com maus empréstimos ao setor imobiliário, acima da estimativa de entre US$ 50 bilhões e US$ 100 bilhões que ele apresentou anteriormente, ainda que bem abaixo dos US$ 400 bilhões estimados por outros analistas. E, à medida que se reduz o capital dos bancos, o crédito deverá continuar escasso.
Mas, por mais disposto a ajudar que o Fed esteja, ele se preocupa com as pressões inflacionárias. O preço recorde do petróleo e a queda do dólar, que está com a sua mais baixa cotação diante das mais importantes moedas mundiais, explicam parte dessa preocupação.
O que acontecerá a seguir depende de duas coisas: até que ponto chegará a fraqueza da demanda americana e até que ponto esse déficit será coberto por exportações. Essa última tendência será "a grande reviravolta", com os EUA voltando a representar o estímulo que deram ao resto do mundo entre 1996 e 2004, quando o consumo interno cresceu mais que o PIB e o déficit em conta corrente do país explodiu.
Como se sabe, os EUA absorviam a maior parte da poupança excedente do resto do mundo, especialmente da de países do leste da Ásia e de exportadores de petróleo. Um ponto talvez menos apreciado é a forma como esse procedimento transcorria dentro do país. No início da década, a principal fonte interna de absorção desse excedente estrangeiro foi o governo. Depois, o setor privado assumiu o papel, operando com um déficit financeiro que chegou a um pico de 3,4% do PIB no terceiro trimestre de 2006.
Esse segundo déficit foi gerado integralmente pelos domicílios, cujo déficit financeiro equivalia a 3,8% do PIB no segundo trimestre de 2006. O financiamento de um déficit dessa ordem só pode ser feito pela venda de instrumentos financeiros. No caso dos domicílios, esses instrumentos assumiram a forma de uma alta nas dívidas, especialmente diante da ascensão no valor das casas. Esse período agora chegou ao fim.
Mas a reversão continua moderada até o momento. Os domicílios americanos operaram com déficit financeiro da ordem de 2,3% do PIB no segundo trimestre do ano. Além disso, o índice domiciliar de poupança continuava muito baixo, em 2,5% do PIB no mesmo trimestre. Os dois itens devem passar por novas correções.
Assim, o que poderia compensar tamanha desaceleração nos gastos dos domicílios? Normalmente, as empresas não costumam ampliar seus investimentos quando a economia é fraca, mesmo que tenham posições financeiras fortes. Um déficit financeiro maior por parte do governo é provável, como resultado da desaceleração. Mas é improvável que sejam adotadas medidas agressivas de incentivo fiscal. Isso deixa a tarefa para as exportações.
Como apontam Wynne Godley, da Universidade de Cambridge, e seus co-autores, uma melhora sustentada na posição líquida do comércio externo dos EUA compensará ao menos em parte a provável lentidão da demanda interna*. É por isso que as autoridades americanas falam sobre um dólar forte, mas na verdade não agem para isso. Elas querem um dólar em retirada, mas não que essa queda se transforme em colapso.
As exportações já responderam por um quarto do crescimento econômico americano na comparação entre os primeiros nove meses de 2006 e o mesmo período deste ano. Sem elas, o crescimento teria sido de apenas 1,5%, em lugar de 2%. Mas as exportações representam apenas 12% do PIB. Precisariam crescer em consideravelmente mais que 10% ao ano, em termos reais, se a expectativa é que a contribuição do comércio para a expansão atinja um ponto percentual. E é pouco provável que isso aconteça.
Uma visão plausível do futuro, portanto, é que os EUA experimentarão longo período de crescimento lento na demanda privada interna, compensado em parte por expansão fiscal e melhora nas exportações. É sobre esse último efeito, além disso, que a política monetária deveria exercer seu maior impacto, já que é improvável que os domicílios elevem seu nível de endividamento em uma era de queda no valor das casas.
Estamos vivendo a grande reviravolta. O que isso significará para o resto do mundo? Que ele precisará se ajustar ou por meio de uma elevação na demanda, com relação à oferta potencial, ou por uma redução da oferta para adaptá-la à demanda existente. O primeiro ajuste é mais desejável.
Será que o veremos? A boa notícia é que o acúmulo de reservas cambiais e o desejo concomitante de impedir a valorização cambial, por meio de baixas taxas de juros, são fatores por si expansivos. O superaquecimento resultante é parte da solução, e não do problema. Caso o superaquecimento venha a se agravar demais, os governos poderão permitir valorização cambial ainda mais rápida: talvez até os chineses compreendam que sua interferência para manter baixo o valor do yuan representa um erro.
A grande reviravolta é um momento decisivo para a economia mundial. O resto do mundo e os países emergentes, em especial, precisam se tornar os novos propulsores da economia do planeta. Será que o farão? Essa é a grande questão macroeconômica que será resolvida nos próximos anos.


*Wynne Godley e outros: "The US Economy: Is There a Way Out of the Woods?" [a economia dos EUA: há como escapar da crise?], novembro de 2007, www.levy.org.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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