São Paulo, quarta-feira, 25 de dezembro de 2002

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ARTIGO / CÂMBIO

Fraqueza européia mantém o dólar levitando

JOHN PLENDER
DO "FINANCIAL TIMES"

O déficit cada vez mais alto na conta corrente do balanço de pagamentos dos EUA é uma das maravilhas do mundo econômico moderno. O vazamento não pára há 15 anos, e, no ano que vem, ameaça exceder os US$ 500 bilhões, ou 4,5% do PIB (Produto Interno Bruto).
Estrangeiros precisam arcar com US$ 1,4 bilhão ao dia pelo privilégio de emprestar a um país que faz captação em sua própria moeda e pode, assim, desvalorizar sua dívida. Desde 1987, o total cumulativo dos empréstimos chega a US$ 2,5 trilhões.
Por que os investidores estrangeiros se sentem relativamente imunes à fadiga quanto ao dólar em seus portfólios? Será que crises de balanço de pagamentos são coisa do passado?
Algo de interessante vem acontecendo nos mercados de câmbio. No final dos anos 90, a força do dólar era atribuída aos influxos de capital acionário. No entanto, o colapso das Bolsas não foi acompanhado por uma queda do dólar, mesmo com as diferenças transatlânticas nas taxas de juros.
Uma explicação de longo prazo para a robustez é o fato de que, a despeito de serem o maior devedor mundial, os EUA desafiam as suposições convencionais quanto à dinâmica adversa da dívida. Como Tim Congdon, da Lombard Street Research, aponta, a despeito dos US$ 2,5 trilhões em déficits cumulativos, os EUA ainda desfrutavam de um superávit de renda de investimento em 2001.
Depois desse longo período em que os gastos excederam a produção ano após ano, o superávit de renda do investimento líquido do país em ativos estrangeiros era quase idêntico, em termos monetários, ao de 1987.
Congdon atribui essa aparente levitação ao fato de que os americanos obtiveram mais sucesso investindo no exterior do que os estrangeiros obtiveram sucesso investindo nos EUA. A diferença entre os índices de retorno é tão grande que cancelou o impacto do déficit cumulativo sobre a receita de investimentos. Isso não equivale a dizer que os estrangeiros têm, necessariamente, um mau julgamento para investir.
Os países asiáticos, em especial, acumularam imensas reservas internacionais. Para alguns, isso é consequência de interferência cambial com o objetivo de manter a moeda competitiva. Para outros, é uma apólice de seguros contra crises. Um país pode aceitar baixos retornos sobre ativos detidos nos EUA porque, por exemplo, talvez deseje deter uma queda livre cambial como a que aconteceu em 1997-1998.
Ao mesmo tempo, o retorno sobre os investimentos americanos se eleva devido aos mecanismos de transferência de preços. Congdon aponta que as multinacionais norte-americanas vendem componentes produzidos nos EUA por valores inferiores aos reais a subsidiárias estrangeiras de modo a obter mais lucros em países com impostos baixos, como a Irlanda.
Mas, quando se trata da Europa, o maior financiador dos EUA, é provável que más decisões tenham sido tomadas. No investimento estrangeiro direto, as empresas européias foram freneticamente ativas durante o recente boom. Entre 1997 e 1999, os fluxos para os EUA subiram de US$ 76 bilhões para US$ 223 bilhões, enquanto a saída comparável de capitais americanos subiu de US$ 48 bilhões para US$ 99 bilhões.

Ecos do boom
As empresas européias, tendo à frente as britânicas, estavam comprando no boom a preços bem elevados. Os europeus engoliram a história do "novo paradigma" e compraram a preços de pico.
Isso coloca em destaque uma extraordinária divergência entre a Europa política e a Europa empresarial. Enquanto os políticos estavam celebrando a chegada da moeda única e prometendo fazer da Europa a região mais competitiva da economia mundial, os empresários iniciavam uma imensa retirada.
No final, evidentemente, moedas não podem levitar para sempre com base na idéia de que os gastos sempre excederão a receita. Mas, antes de concluir que uma fadiga do dólar está prestes a começar, é preciso que nos convençamos de que a psicologia está mudando. No que tange aos governos asiáticos, fica claro que o euro precisará avançar bastante antes que se torne alternativa confiável ao dólar.
Os empresários europeus responderam à queda nos mercados de ações e aos escândalos comprando ações de maneira mais sóbria e a preços mais baixos. Mas muitos compartilham da visão, generalizada nos EUA, de que a Europa sofre de má liderança política e estará muito ocupada com a ampliação da União para tratar com eficiência de seus urgentes desafios estruturais. Nesse caso, os EUA continuam a ser um refúgio mais seguro.
Ao mesmo tempo, há bons motivos para acreditar quer boa parte do déficit americano seja estrutural. O país tem parcela maior de sua população nas faixas etárias que tomam empréstimos e gastam dinheiro do que a Europa ou o Japão.
Com uma nova equipe econômica no poder em Washington e uma guerra se avizinhando no Iraque, prever os mercados de câmbio é, como sempre, um jogo arriscado. O dólar pode despencar amanhã. Mas, como nem a Europa nem o Japão serão fonte de demanda na economia mundial no futuro próximo, seria agradável pensar que o déficit dos EUA talvez ainda se sustente por algum tempo.


Tradução de Paulo Migliacci


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