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ARTIGO / CÂMBIO
Fraqueza européia mantém o dólar levitando
JOHN PLENDER
DO "FINANCIAL TIMES"
O déficit cada vez mais alto na conta corrente do balanço de pagamentos dos EUA é
uma das maravilhas do mundo
econômico moderno. O vazamento não pára há 15 anos, e, no
ano que vem, ameaça exceder os
US$ 500 bilhões, ou 4,5% do PIB
(Produto Interno Bruto).
Estrangeiros precisam arcar
com US$ 1,4 bilhão ao dia pelo
privilégio de emprestar a um país
que faz captação em sua própria
moeda e pode, assim, desvalorizar sua dívida. Desde 1987, o total
cumulativo dos empréstimos
chega a US$ 2,5 trilhões.
Por que os investidores estrangeiros se sentem relativamente
imunes à fadiga quanto ao dólar
em seus portfólios? Será que crises
de balanço de pagamentos são
coisa do passado?
Algo de interessante vem acontecendo nos mercados de câmbio.
No final dos anos 90, a força do
dólar era atribuída aos influxos de
capital acionário. No entanto, o
colapso das Bolsas não foi acompanhado por uma queda do dólar, mesmo com as diferenças
transatlânticas nas taxas de juros.
Uma explicação de longo prazo
para a robustez é o fato de que, a
despeito de serem o maior devedor mundial, os EUA desafiam as
suposições convencionais quanto
à dinâmica adversa da dívida. Como Tim Congdon, da Lombard
Street Research, aponta, a despeito dos US$ 2,5 trilhões em déficits
cumulativos, os EUA ainda desfrutavam de um superávit de renda de investimento em 2001.
Depois desse longo período em
que os gastos excederam a produção ano após ano, o superávit de
renda do investimento líquido do
país em ativos estrangeiros era
quase idêntico, em termos monetários, ao de 1987.
Congdon atribui essa aparente
levitação ao fato de que os americanos obtiveram mais sucesso investindo no exterior do que os estrangeiros obtiveram sucesso investindo nos EUA. A diferença
entre os índices de retorno é tão
grande que cancelou o impacto
do déficit cumulativo sobre a receita de investimentos. Isso não
equivale a dizer que os estrangeiros têm, necessariamente, um
mau julgamento para investir.
Os países asiáticos, em especial,
acumularam imensas reservas internacionais. Para alguns, isso é
consequência de interferência
cambial com o objetivo de manter
a moeda competitiva. Para outros, é uma apólice de seguros
contra crises. Um país pode aceitar baixos retornos sobre ativos
detidos nos EUA porque, por
exemplo, talvez deseje deter uma
queda livre cambial como a que
aconteceu em 1997-1998.
Ao mesmo tempo, o retorno sobre os investimentos americanos
se eleva devido aos mecanismos
de transferência de preços. Congdon aponta que as multinacionais
norte-americanas vendem componentes produzidos nos EUA
por valores inferiores aos reais a
subsidiárias estrangeiras de modo
a obter mais lucros em países com
impostos baixos, como a Irlanda.
Mas, quando se trata da Europa,
o maior financiador dos EUA, é
provável que más decisões tenham sido tomadas. No investimento estrangeiro direto, as empresas européias foram freneticamente ativas durante o recente
boom. Entre 1997 e 1999, os fluxos
para os EUA subiram de US$ 76
bilhões para US$ 223 bilhões, enquanto a saída comparável de capitais americanos subiu de US$ 48
bilhões para US$ 99 bilhões.
Ecos do boom
As empresas européias, tendo à
frente as britânicas, estavam comprando no boom a preços bem
elevados. Os europeus engoliram
a história do "novo paradigma" e
compraram a preços de pico.
Isso coloca em destaque uma
extraordinária divergência entre a
Europa política e a Europa empresarial. Enquanto os políticos
estavam celebrando a chegada da
moeda única e prometendo fazer
da Europa a região mais competitiva da economia mundial, os empresários iniciavam uma imensa
retirada.
No final, evidentemente, moedas não podem levitar para sempre com base na idéia de que os
gastos sempre excederão a receita. Mas, antes de concluir que
uma fadiga do dólar está prestes a
começar, é preciso que nos convençamos de que a psicologia está
mudando. No que tange aos governos asiáticos, fica claro que o
euro precisará avançar bastante
antes que se torne alternativa confiável ao dólar.
Os empresários europeus responderam à queda nos mercados
de ações e aos escândalos comprando ações de maneira mais sóbria e a preços mais baixos. Mas
muitos compartilham da visão,
generalizada nos EUA, de que a
Europa sofre de má liderança política e estará muito ocupada com
a ampliação da União para tratar
com eficiência de seus urgentes
desafios estruturais. Nesse caso,
os EUA continuam a ser um refúgio mais seguro.
Ao mesmo tempo, há bons motivos para acreditar quer boa parte do déficit americano seja estrutural. O país tem parcela maior de
sua população nas faixas etárias
que tomam empréstimos e gastam dinheiro do que a Europa ou
o Japão.
Com uma nova equipe econômica no poder em Washington e
uma guerra se avizinhando no
Iraque, prever os mercados de
câmbio é, como sempre, um jogo
arriscado. O dólar pode despencar amanhã. Mas, como nem a
Europa nem o Japão serão fonte
de demanda na economia mundial no futuro próximo, seria
agradável pensar que o déficit dos
EUA talvez ainda se sustente por
algum tempo.
Tradução de Paulo Migliacci
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