São Paulo, quarta-feira, 25 de dezembro de 2002

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ARTIGO / ECONOMIA MUNDIAL

Calamidade econômica assombra a América Latina

MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"

As frágeis economias em desenvolvimento são as que mais sofrem quando a economia mundial tropeça. O atual período de debilidade econômica não é exceção. Mas nem todas as economias em desenvolvimento são igualmente vulneráveis. Os asiáticos, em média, sentem menos. Uma vez mais, o espectro da calamidade econômica assombra a América Latina.
Para os países em desenvolvimento como um todo, o crescimento econômico caiu de saudáveis 5,2% em 2000 a miseráveis 2,9% no ano passado. De acordo com a mais recente Perspectiva Econômica Global do Banco Mundial, o crescimento será de apenas 2,8% neste ano. A previsão é de uma recuperação modesta, para 3,9%, no ano que vem.
As disparidades entre as regiões são notáveis. Os países em desenvolvimento no Leste Asiático e no Pacífico obtiveram crescimento de 5,5% em 2001. Devem crescer 6,3% neste ano e 6,1% em 2003. A China é o grande propulsor de crescimento, com 7,3% no ano passado e uma previsão de 8% para este ano e 7,5% para o ano que vem, de acordo com o JP Morgan. Já que pouco mais de metade da população do mundo vice em países asiáticos em desenvolvimento, o significado desse crescimento sustentado é enorme.

Crescimento decepciona
O crescimento nos países em desenvolvimento da Europa e entre os membros asiáticos da antiga União Soviética caiu de 6,6%, em 2000, para 2,3%, no ano passado, e deve chegar a apenas 3,6% em 2002. No Oriente Médio e na África do Norte, o crescimento foi de 3,2% no ano passado e deve chegar a 2,5% neste ano.
Até o ano passado, a América Latina parecia estar em forma razoavelmente boa, excluída a Argentina, com crescimento de 4,5% em 2000. Mas em 2001 a taxa caiu a 1,2%, e a expectativa para este ano é de apenas 0,7%. Incluídos os números argentinos, o crescimento foi de 3,7% em 2000, 0,4% em 2001 e menos 1,1% neste ano. A economia argentina se contraiu 4,4% em 2001 e deve cair 11% neste ano, de acordo com as projeções do JP Morgan. Para a região como um todo, o banco prevê crescimento de apenas 1,9% neste ano e o mesmo em 2003.

Seca de capitais
Não é difícil compreender por que os países em desenvolvimento sofreram. O volume de comércio mundial caiu 0,5% em 2001 e obterá modesta recuperação de 2,9% neste ano. Mas os ganhos do comércio estão se acelerando. O JP prevê crescimento de 7% entre 2002 e 2003.
Os preços das commodities (excluído o petróleo) caíram 1,3% em 2000 e 9,1% no ano passado. A recuperação neste ano é modesta, de 5%. Recentemente, porém, a recuperação nos preços das commodities começou a ganhar ímpeto. Nos 12 meses até outubro de 2002, os preços subiram 19,2%. Mesmo assim, os preços das commodities continuam um terço abaixo dos níveis de 1997. Os exportadores de petróleo foram mais afortunados: uma forte recuperação de preços iniciada em 2000 vem-se mantendo até agora.
No entanto, a mudança mais importante, particularmente para a América Latina, aconteceu nos mercados de capitais. Empréstimos, como guarda-chuvas, nunca estão disponíveis quanto o interessado mais precisa deles. De acordo com um relatório do Instituto de Finanças Internacionais, de Washington, divulgado em setembro de 2002, o fluxo de capitais privados para os países em desenvolvimento subiu de US$ 124 bilhões em 1992 para US$ 335 bilhões em 1996, um ano antes da crise asiática, mas as previsões são de que caia de volta aos US$ 123 bilhões em 2002.
A mudança mais notável está na composição dos capitais, e não em seu montante. O investimento de capitais líquido continua alto, com previsão de US$ 124 bilhões neste ano ante US$ 128 bilhões em 1996 e US$ 47 bilhões em 1992. Mas o crédito privado líquido deve ficar abaixo de US$ 1 bilhão neste ano, ante US$ 209 bilhões em 1996 e US$ 77 bilhões em 1992. O crédito privado líquido para a América Latina foi de menos US$ 8 bilhões em 2001 e deve ser de menos US$ 6 bilhões este ano. Para a região, o investimento líquido de capitais também está em baixa, de US$ 68 bilhões em 1999 para US$ 35 bilhões neste ano.
O ágio no índice de títulos de mercados emergentes do JP Morgan não está particularmente alto, pelos padrões históricos, a apenas 775 pontos básicos. Mas o mercado se tornou muito mais seletivo. Para alguns países, os ágios são proibitivos. O ágio para o Brasil (o risco-país) está em torno de 1.500 pontos, abaixo de picos recentes, mas insustentável no longo prazo. A China, a maior economia de mercado emergente, tem ágio de apenas 70 pontos, e o Chile, de 170. O ágio chinês é baixo porque o país não precisa de crédito adicional. O brasileiro é o oposto porque o Brasil precisa de dinheiro.
A vulnerabilidade da América Latina a mudanças no ambiente mundial, em geral, e diante de interrupções na disponibilidade de capital, em especial, é coisa antiga. Não mudou, infelizmente, como muitos esperavam, a despeito de uma década ou, em alguns casos, ainda mais tempo, de reformas.

Ciclo soturno
Essa vulnerabilidade reflete as fraquezas regionais persistentes: indisciplina fiscal, história de inflação alta e instável; baixa poupança nacional; baixa proporção de exportações em relação ao PIB (Produto Interno Bruto); e alta vulnerabilidade aos ciclos de commodities. Os resultados disso tudo incluem altos índices de dívida, comparados às exportações, e altas proporções de dívida denominada em moeda estrangeira.
Sempre que o acesso a crédito estrangeiro é interrompido, as taxas reais de câmbio despencam. A carga da dívida explode, a inflação ameaça disparar e as economias mergulham em recessão. Boa parte da América Latina segue presa a esse soturno círculo.
A suscetibilidade dos países em desenvolvimento à mudança nas condições dos países avançados não mudará. Nem deveria, de fato. Os esforços para conquistar invulnerabilidade acarretariam a necessidade de fechar economias, com consequências muito piores.
A melhor abordagem é aumentar a flexibilidade do lado real da economia e reduzir a vulnerabilidade financeira. O impacto da desaceleração econômica sobre os países em desenvolvimento demonstra que as reformas foram insuficientes. Mas esses países também precisam de mais dinamismo da parte das economias avançadas.


Tradução de Paulo Migliacci


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