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ARTIGO / ECONOMIA MUNDIAL
Calamidade econômica assombra a América Latina
MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"
As frágeis economias em
desenvolvimento são as
que mais sofrem quando a economia mundial tropeça. O atual período de debilidade econômica
não é exceção. Mas nem todas as
economias em desenvolvimento
são igualmente vulneráveis. Os
asiáticos, em média, sentem menos. Uma vez mais, o espectro da
calamidade econômica assombra
a América Latina.
Para os países em desenvolvimento como um todo, o crescimento econômico caiu de saudáveis 5,2% em 2000 a miseráveis
2,9% no ano passado. De acordo
com a mais recente Perspectiva
Econômica Global do Banco
Mundial, o crescimento será de
apenas 2,8% neste ano. A previsão
é de uma recuperação modesta,
para 3,9%, no ano que vem.
As disparidades entre as regiões
são notáveis. Os países em desenvolvimento no Leste Asiático e no
Pacífico obtiveram crescimento
de 5,5% em 2001. Devem crescer
6,3% neste ano e 6,1% em 2003. A
China é o grande propulsor de
crescimento, com 7,3% no ano
passado e uma previsão de 8% para este ano e 7,5% para o ano que
vem, de acordo com o JP Morgan.
Já que pouco mais de metade da
população do mundo vice em países asiáticos em desenvolvimento,
o significado desse crescimento
sustentado é enorme.
Crescimento decepciona
O crescimento nos países em
desenvolvimento da Europa e entre os membros asiáticos da antiga União Soviética caiu de 6,6%,
em 2000, para 2,3%, no ano passado, e deve chegar a apenas 3,6%
em 2002. No Oriente Médio e na
África do Norte, o crescimento foi
de 3,2% no ano passado e deve
chegar a 2,5% neste ano.
Até o ano passado, a América
Latina parecia estar em forma razoavelmente boa, excluída a Argentina, com crescimento de
4,5% em 2000. Mas em 2001 a taxa
caiu a 1,2%, e a expectativa para
este ano é de apenas 0,7%. Incluídos os números argentinos, o
crescimento foi de 3,7% em 2000,
0,4% em 2001 e menos 1,1% neste
ano. A economia argentina se
contraiu 4,4% em 2001 e deve cair
11% neste ano, de acordo com as
projeções do JP Morgan. Para a
região como um todo, o banco
prevê crescimento de apenas 1,9%
neste ano e o mesmo em 2003.
Seca de capitais
Não é difícil compreender por
que os países em desenvolvimento sofreram. O volume de comércio mundial caiu 0,5% em 2001 e
obterá modesta recuperação de
2,9% neste ano. Mas os ganhos do
comércio estão se acelerando. O
JP prevê crescimento de 7% entre
2002 e 2003.
Os preços das commodities (excluído o petróleo) caíram 1,3% em
2000 e 9,1% no ano passado. A recuperação neste ano é modesta,
de 5%. Recentemente, porém, a
recuperação nos preços das commodities começou a ganhar ímpeto. Nos 12 meses até outubro de
2002, os preços subiram 19,2%.
Mesmo assim, os preços das commodities continuam um terço
abaixo dos níveis de 1997. Os exportadores de petróleo foram
mais afortunados: uma forte recuperação de preços iniciada em
2000 vem-se mantendo até agora.
No entanto, a mudança mais
importante, particularmente para
a América Latina, aconteceu nos
mercados de capitais. Empréstimos, como guarda-chuvas, nunca
estão disponíveis quanto o interessado mais precisa deles. De
acordo com um relatório do Instituto de Finanças Internacionais,
de Washington, divulgado em setembro de 2002, o fluxo de capitais privados para os países em
desenvolvimento subiu de US$
124 bilhões em 1992 para US$ 335
bilhões em 1996, um ano antes da
crise asiática, mas as previsões são
de que caia de volta aos US$ 123
bilhões em 2002.
A mudança mais notável está na
composição dos capitais, e não
em seu montante. O investimento
de capitais líquido continua alto,
com previsão de US$ 124 bilhões
neste ano ante US$ 128 bilhões em
1996 e US$ 47 bilhões em 1992.
Mas o crédito privado líquido deve ficar abaixo de US$ 1 bilhão
neste ano, ante US$ 209 bilhões
em 1996 e US$ 77 bilhões em 1992.
O crédito privado líquido para a
América Latina foi de menos US$
8 bilhões em 2001 e deve ser de
menos US$ 6 bilhões este ano. Para a região, o investimento líquido
de capitais também está em baixa,
de US$ 68 bilhões em 1999 para
US$ 35 bilhões neste ano.
O ágio no índice de títulos de
mercados emergentes do JP Morgan não está particularmente alto,
pelos padrões históricos, a apenas
775 pontos básicos. Mas o mercado se tornou muito mais seletivo.
Para alguns países, os ágios são
proibitivos. O ágio para o Brasil (o
risco-país) está em torno de 1.500
pontos, abaixo de picos recentes,
mas insustentável no longo prazo.
A China, a maior economia de
mercado emergente, tem ágio de
apenas 70 pontos, e o Chile, de
170. O ágio chinês é baixo porque
o país não precisa de crédito adicional. O brasileiro é o oposto
porque o Brasil precisa de dinheiro.
A vulnerabilidade da América
Latina a mudanças no ambiente
mundial, em geral, e diante de interrupções na disponibilidade de
capital, em especial, é coisa antiga.
Não mudou, infelizmente, como
muitos esperavam, a despeito de
uma década ou, em alguns casos,
ainda mais tempo, de reformas.
Ciclo soturno
Essa vulnerabilidade reflete as
fraquezas regionais persistentes:
indisciplina fiscal, história de inflação alta e instável; baixa poupança nacional; baixa proporção
de exportações em relação ao PIB
(Produto Interno Bruto); e alta
vulnerabilidade aos ciclos de
commodities. Os resultados disso
tudo incluem altos índices de dívida, comparados às exportações,
e altas proporções de dívida denominada em moeda estrangeira.
Sempre que o acesso a crédito
estrangeiro é interrompido, as taxas reais de câmbio despencam. A
carga da dívida explode, a inflação
ameaça disparar e as economias
mergulham em recessão. Boa parte da América Latina segue presa
a esse soturno círculo.
A suscetibilidade dos países em
desenvolvimento à mudança nas
condições dos países avançados
não mudará. Nem deveria, de fato. Os esforços para conquistar invulnerabilidade acarretariam a
necessidade de fechar economias,
com consequências muito piores.
A melhor abordagem é aumentar a flexibilidade do lado real da
economia e reduzir a vulnerabilidade financeira. O impacto da desaceleração econômica sobre os
países em desenvolvimento demonstra que as reformas foram
insuficientes. Mas esses países
também precisam de mais dinamismo da parte das economias
avançadas.
Tradução de Paulo Migliacci
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