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OPINIÃO ECONÔMICA
Com amigos como esse...
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Mesmo quem, como eu, não
gosta de Carnaval sofre
inevitavelmente o "efeito Quarta-Feira de Cinzas", aquela melancolia difusa que toma conta de tudo e de todos. Escrevo sob esse
efeito e peço desculpas antecipadas.
Nesses dias do ano, a falta de assunto é tremenda, e os colunistas
econômicos têm que dar tratos à
bola. Hoje, felizmente, há um tema que se impõe de forma inapelável e fatal: o escândalo Waldomiro Diniz e suas repercussões sobre o ministro José Dirceu e o governo como um todo. Os desdobramentos do caso ainda são incertos, mas o mínimo que se pode
dizer a esta altura é que um dos
homens fortes do governo errou
clamorosamente na escolha de
um dos seus principais colaboradores.
O assunto vem sendo abordado
com sofreguidão pela imprensa,
mas há um aspecto relativamente
pouco comentado que me parece
crucial -o impacto do escândalo
sobre a distribuição do poder
dentro do governo. A redistribuição tende a fortalecer a área econômica e, dependendo da duração e do alcance da crise política,
pode desembocar na domesticação completa e definitiva do governo Lula.
Digito esse parágrafo e paro.
Preciso escrever com a cautela e a
humildade de quem observa tudo
à distância e tem, ademais, idade
e experiência suficientes para saber que os atores políticos sempre
operam sob mil fantasias, máscaras e cortinas de fumaça.
Feita a ressalva, prossigo. A domesticação do governo Lula, vale
dizer, a sua subordinação à defesa do "status quo" e à agenda dos
interesses estabelecidos, já estava
bastante avançada, graças fundamentalmente à atuação da Fazenda e do Banco Central. Nos
meios financeiros nacionais e internacionais, a "ortodoxia de galinheiro" da equipe fazendária vinha sendo celebrada ruidosamente.
Porém a tranqüilidade não era
completa. Por exemplo, a política
externa já não estava mais nas
mãos de figuras vaporosas, como
o ex-ministro Celso Lafer. E mais
importante: no próprio núcleo do
governo, havia contestações renitentes à orientação propugnada
pelo ministro Palocci e sua trupe
meio mambembe de economistas
adestrados em universidades
americanas e no FMI. Tudo indica que a contestação mais perigosa partia, sobretudo, do ministro
José Dirceu.
Vamos recordar um pouco, leitor, o cenário político pré-Waldomiro. Dois temas até certo ponto
interligados ocupavam grande
parte da cena. Primeiro, a preocupação de vários setores políticos com os indícios de fortalecimento de um projeto de poder de
longo prazo do PT. Desse projeto
estratégico fariam parte, por
exemplo, a aliança com o PMDB,
costurada em larga medida pelo
ministro José Dirceu, a ocupação
do aparelho estatal por quadros
petistas, a perspectiva de aumento da influência do governo Lula
sobre a cúpula do Poder Judiciário e os temores de que as empresas de mídia, em situação financeira frágil, pudessem ser crescentemente submetidas ao controle
do governo, que as socorreria. Os
mais alarmados já falavam em
"mexicanização" da política brasileira, numa alusão ao longo período de domínio do Partido Revolucionário Institucional naquele país.
O segundo tema era a intensificação das críticas à Fazenda e ao
Banco Central -dentro e fora do
governo. A ausência de resultados
expressivos em termos de crescimento econômico e geração de
empregos e a inflexibilidade algo
dogmática na execução das políticas monetária e fiscal alimentavam provavelmente o receio da
Casa Civil e do resto da área política do governo de que o primeiro
teste eleitoral do governo Lula
-as eleições municipais de
2004- viesse a ser enfrentado
com a economia mais ou menos
estagnada e o desemprego nas alturas.
É difícil avaliar, de fora, o peso
real das controvérsias econômicas
dentro do governo. Mas o papel
da Casa Civil como contraponto
ao conservadorismo da Fazenda
começava a aparecer mais claramente. Na difícil questão da Alca,
por exemplo, o Itamaraty vinha
contando com o apoio de Dirceu,
ao passo que Palocci permitiu,
durante meses, que um dos seus
assessores contestasse publicamente as posições assumidas pelo
governo na negociação, a pretexto de expressar "o ponto de vista
da Fazenda" -como se um ministério pudesse ter posição própria e independente em uma
questão dessa ordem de importância.
Outra questão estratégica em
que a Casa Civil se contrapôs à
Fazenda foi a da autonomia do
Banco Central. Ao que parece,
também aqui a atuação de Dirceu foi importante para arquivar
temporariamente um projeto caro ao "establishment" financeiro
e que vinha sendo defendido insistentemente por Palocci.
Nessa conjuntura, explode o escândalo Waldomiro. Veio a calhar. Digamos que, para certos setores e certos interesses, foi uma
coincidência de rara felicidade.
O resultado final pode ser o fortalecimento relativo de uma equipe econômica pró-mercado financeiro dentro de um governo
enfraquecido e diminuído.
Já vimos esse filme algumas vezes. É do tipo que passa em reprises sucessivas na sessão da tarde,
com elenco sofrível e enredo rigorosamente previsível.
Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto
de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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