São Paulo, terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

A cascata de números comerciais


Possível inversão na balança comercial suscita chutes sobre o caráter "positivo" ou "perigoso" das mudanças

NESTES MOMENTOS de virada das contas externas, é comum ouvir astrologias sobre qual fator estaria "puxando" exportação e importação, com conseqüências funestas ou benéficas para a economia, a depender do gosto político ou do balcão do freguês. Coisa semelhante se passa com o investimento estrangeiro direto, "produtivo", recorde "histórico" em tal ou qual janeiro, em geral uma bobice, pois tal número varia muito e de modo quase aleatório, mês a mês.
Delfim Netto costuma repetir que "mudança grande mesmo na balança foi o petróleo". 30 anos de dados da Funcex dizem isso mesmo, grosso modo. O padrão muda devagar.
Ouve-se que o atual ciclo de alta de importações é "positivo", pois "puxado" por bens de capital, máquinas que incrementam o parque produtivo etc. Bem, nos 12 meses até janeiro de 2007, o valor das compras de bens de capital equivalia a 14,1% do total de importações. Em janeiro de 2004, ido o primeiro ano Lula, era 14,5%.
Em janeiro de 2005, caíra a 12,4%. Sobe gradativamente desde então. Chegou a 21%, em 1997-98, mas o país importava menos bens intermediários (a economia ia mal) e menos da metade do total que importa hoje. Sim, o país ora compra mais máquinas (e tudo o mais!), o "quantum" importado sobe rápido (o preço de bens de capital, em queda, ajuda). Mas isso não muda o padrão das importações nem "puxa" a balança.
Bens intermediários (insumos industriais) e bens de capital perfazem uns 74% do total do valor importado desde 1993, variando mais ou menos dois pontos. A importação de bens duráveis (carros, eletrodomésticos etc.) cresce bem desde o primeiro ano de Lula. Dobrou sua participação, mas de 2,1% do total para 4,2%. Mais interessante, os picos e os vales do ritmo da quantidade de exportações e importações estão mais próximos desde o início do século.
Por ora, o ritmo de alta do "quantum" de importações não está sendo acompanhado do mergulho inequívoco do "quantum" exportado em direção ao vermelho, como em outros ciclos. Mas, embora tal relação esteja mais ou menos estável desde o trimestre final de 2006, a quantidade importada cresce num ritmo em torno de quatro vezes mais rápido que o da quantidade exportada.
Cerca de 34% do valor das importações nos 12 meses até janeiro se concentrou em petroquímicos, petróleo e carvão, e químicos, como na média dos anos Lula. Isso se deve a uma carência histórica de investimento pesado, de retorno demorado, que exige boa engenharia, pessoal treinado e, essencial, ambiente econômico estável e juro menor.
Outros 30% da importação vêm de eletrônicos, máquinas e tratores, peças e veículos. A fim de importar menos disso, é preciso, repita-se, engenheiros, inovação industrial, pesquisa científica, impostos menores e ambiente estável. Câmbio? Importante, mas sozinho não altera um padrão industrial no curto prazo.
Resumo da ópera, parece não adiantar muito procurar em períodos curtos sinais de sangria desatada ou desastres nacionais, nem marquetar otimismos com o consumo de máquinas ou pessimismos da desindustrialização. Não é sensato "deixar como está para ver como fica". Mas a dança dos indicadores suscita cascatas ideológicas.

vinit@uol.com.br


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