São Paulo, domingo, 26 de março de 2006

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Estrutura pífia do bloco favorece dispersão, afirma especialista

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O Mercosul chegou aos 15 anos de existência com um disperso conjunto de mais de 70 grupos de discussão, mas com uma mirrada estrutura institucional de 25 funcionários internacionais, que não conseguem profissionalizar o processo de integração por causa das influências políticas.
Para a especialista em integração e ex-consultora da Secretaria do Mercosul, Deisy Ventura, 38, doutora em direito da integração e Europa pela Universidade de Paris, o maior problema do Mercosul é a falta de permanência.
"A estrutura institucional do Mercosul favorece a dispersão. São vários grupos de negociação que muitas vezes produzem resultados contraditórios e que se deslocam a cada seis meses."
A especialista deixou o cargo de consultora da Secretaria do Mercosul há dois meses. Segundo ela, as promessas de tornar a secretaria do Mercosul, com sede em Montevidéu, um órgão forte não se realizaram. Leia entrevista concedida à Folha.
 

Folha - Falta um órgão forte no Mercosul que coordene as atividades e zele pelo cumprimento das normas?
Deisy Ventura -
Há dois anos, houve concurso público internacional que visava mudar o perfil da Secretaria do Mercosul, que era administrativa e foi transformada em técnica para realizar estudos que indicassem rumos para a integração, controle prévio das normas e verificar a qualidade das normas, que são ruins.
São funções que caracterizam um órgão regional, sem poder decisório ou político, mas com poder de persuasão. A idéia era abandonar o modelo de simples justaposição das posições nacionais e forjar uma visão regional. No meu entendimento, isso não ocorreu.

Folha - E qual a conseqüência dessa promessa não-cumprida?
Ventura -
Se temos um órgão regional, ele tem de impulsionar a integração e tem de se diferenciar dos Estados, não pode ser um quinto Estado, mas congregar o que existe de comum. É diferente justapor propostas nacionais e discutir uma proposta que pense na estrutura, ou seja, passar de bombeiro a arquiteto.
É muito difícil que isso parta dos Estados nacionais, até porque é legítimo que cada delegação defenda seus interesses. O que não se justifica é que não exista um ator que consiga colocar sobre a mesa a perspectiva coletiva e recuperar quais são os objetivos da integração e planejá-la.

Folha - Qual a maior deficiência do Mercosul hoje?
Ventura -
Acho que é a questão da permanência. Há três órgãos decisórios, que durante cada semestre se reúnem por duas ou três semanas na capital do país que tem a presidência pró-tempore, por isso, temos um deslocamento do eixo geográfico, o que dificulta a participação da sociedade e do setor privado, além de implicar em gasto muito grande para as burocracias estatais.
Além disso, há grupos desprovidos de poder decisório (cerca de 70) que mal prestam contas. As instituições da União Européia têm 32 mil funcionários. Nós não precisamos disso, mas também não precisamos ter só 25, como na Secretaria do Mercosul.

Folha - Foi um erro aceitar salvaguardas no Mercosul, como aconteceu recentemente com o MAC (Mecanismo de Adaptação Competitiva) entre Brasil e Argentina?
Ventura -
O governo acertou ao fazer as concessões. O Brasil precisa ter cada vez mais claro que a liderança tem um preço e esse preço é altamente compensável. As concessões aos sócios são muito pequenas em relação ao que se ganha em termos de comércio.
O custo dos conflitos comerciais que tivemos com a Argentina nos últimos anos é muito maior do que uma concessão como essa. Mas temos que trazer isso para o Mercosul, sob pena de estarmos vivendo uma grande simulação.

Folha - Na Europa, o Tratado de Roma foi assinado em 1957, mas o mercado comum começou apenas em 1992. Não estamos com pressa?
Ventura -
Portanto, não é grave que nós tenhamos 15 [anos] e não tenhamos resolvido problemas fundamentais. Desde o início a União Européia definiu o conceito de uma política comercial comum e conseguiu aplicá-la, de maneira gradual. Mas não temos que nos comparar ou copiar o sistema europeu. O importante para nós é que eles tinham um projeto. No Mercosul, todo ano perguntamos se vale a pena. É como um pai que tem um filho de 15 anos e todo ano manda fazer exame de DNA. Como o setor privado pode reconverter indústrias se os países podem abandonar o projeto?


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