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Estrutura pífia do bloco favorece dispersão, afirma especialista
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O Mercosul chegou aos 15 anos
de existência com um disperso
conjunto de mais de 70 grupos de
discussão, mas com uma mirrada
estrutura institucional de 25 funcionários internacionais, que não
conseguem profissionalizar o
processo de integração por causa
das influências políticas.
Para a especialista em integração e ex-consultora da Secretaria
do Mercosul, Deisy Ventura, 38,
doutora em direito da integração
e Europa pela Universidade de
Paris, o maior problema do Mercosul é a falta de permanência.
"A estrutura institucional do
Mercosul favorece a dispersão.
São vários grupos de negociação
que muitas vezes produzem resultados contraditórios e que se
deslocam a cada seis meses."
A especialista deixou o cargo de
consultora da Secretaria do Mercosul há dois meses. Segundo ela,
as promessas de tornar a secretaria do Mercosul, com sede em
Montevidéu, um órgão forte não
se realizaram. Leia entrevista concedida à Folha.
Folha - Falta um órgão forte no
Mercosul que coordene as atividades e zele pelo cumprimento das
normas?
Deisy Ventura - Há dois anos,
houve concurso público internacional que visava mudar o perfil
da Secretaria do Mercosul, que
era administrativa e foi transformada em técnica para realizar estudos que indicassem rumos para
a integração, controle prévio das
normas e verificar a qualidade das
normas, que são ruins.
São funções que caracterizam
um órgão regional, sem poder decisório ou político, mas com poder de persuasão. A idéia era
abandonar o modelo de simples
justaposição das posições nacionais e forjar uma visão regional.
No meu entendimento, isso não
ocorreu.
Folha - E qual a conseqüência
dessa promessa não-cumprida?
Ventura - Se temos um órgão regional, ele tem de impulsionar a
integração e tem de se diferenciar
dos Estados, não pode ser um
quinto Estado, mas congregar o
que existe de comum. É diferente
justapor propostas nacionais e
discutir uma proposta que pense
na estrutura, ou seja, passar de
bombeiro a arquiteto.
É muito difícil que isso parta
dos Estados nacionais, até porque
é legítimo que cada delegação defenda seus interesses. O que não
se justifica é que não exista um
ator que consiga colocar sobre a
mesa a perspectiva coletiva e recuperar quais são os objetivos da
integração e planejá-la.
Folha - Qual a maior deficiência
do Mercosul hoje?
Ventura - Acho que é a questão
da permanência. Há três órgãos
decisórios, que durante cada semestre se reúnem por duas ou
três semanas na capital do país
que tem a presidência pró-tempore, por isso, temos um deslocamento do eixo geográfico, o que
dificulta a participação da sociedade e do setor privado, além de
implicar em gasto muito grande
para as burocracias estatais.
Além disso, há grupos desprovidos de poder decisório (cerca de
70) que mal prestam contas. As
instituições da União Européia
têm 32 mil funcionários. Nós não
precisamos disso, mas também
não precisamos ter só 25, como na
Secretaria do Mercosul.
Folha - Foi um erro aceitar salvaguardas no Mercosul, como aconteceu recentemente com o MAC
(Mecanismo de Adaptação Competitiva) entre Brasil e Argentina?
Ventura - O governo acertou ao
fazer as concessões. O Brasil precisa ter cada vez mais claro que a
liderança tem um preço e esse
preço é altamente compensável.
As concessões aos sócios são muito pequenas em relação ao que se
ganha em termos de comércio.
O custo dos conflitos comerciais
que tivemos com a Argentina nos
últimos anos é muito maior do
que uma concessão como essa.
Mas temos que trazer isso para o
Mercosul, sob pena de estarmos
vivendo uma grande simulação.
Folha - Na Europa, o Tratado de
Roma foi assinado em 1957, mas o
mercado comum começou apenas
em 1992. Não estamos com pressa?
Ventura - Portanto, não é grave
que nós tenhamos 15 [anos] e não
tenhamos resolvido problemas
fundamentais. Desde o início a
União Européia definiu o conceito de uma política comercial comum e conseguiu aplicá-la, de
maneira gradual. Mas não temos
que nos comparar ou copiar o sistema europeu. O importante para
nós é que eles tinham um projeto.
No Mercosul, todo ano perguntamos se vale a pena. É como um
pai que tem um filho de 15 anos e
todo ano manda fazer exame de
DNA. Como o setor privado pode
reconverter indústrias se os países
podem abandonar o projeto?
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