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CAPITALISMO VERMELHO
Conglomerados estrangeiros compram participação em instituições insolventes e ineficientes
Bancos estatais
da China recebem
US$ 27 bi em 2 anos
CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL
Instituições financeiras globais
se engalfinham para abocanhar
fatias dos enormes bancos estatais
chineses, que receberam investimentos estrangeiros de US$ 27 bilhões nos últimos dois anos, entre
venda de participações minoritárias e a abertura de capital na Bolsa de Hong Kong.
A corrida deverá se acelerar neste ano, que será o último antes da
abertura do mercado financeiro
chinês ao capital estrangeiro, de
acordo com as regras da OMC
(Organização Mundial do Comércio). Conglomerados financeiros globais querem estar bem
posicionados no mercado chinês
quando tiverem maior liberdade
para expandir seus negócios.
O HSBC, por exemplo, terceiro
maior banco do mundo, já investiu US$ 5 bilhões na China desde
2001, mais que o dobro do que colocou no Brasil a partir de 1997.
Em janeiro, o norte-americano
Goldman Sachs liderou um consórcio que destinou US$ 3,78 bilhões à compra de participação
minoritária no ICBC (Industrial
and Commercial Bank of China),
o maior do país.
A maior parte dos US$ 27 bilhões investidos nos últimos dois
anos foi destinada aos quatro
grandes bancos estatais, considerados ineficientes e insolventes à
luz de padrões internacionais.
Décadas de administração
orientada mais por critérios políticos do que técnicos geraram
nessas instituições uma montanha de créditos podres, estimada
em US$ 850 bilhões por Jonathan
Anderson, economista-chefe do
banco UBS na Ásia.
O valor equivale a quase 40% do
PIB chinês e se refere aos inúmeros empréstimos realizados pelos
bancos estatais chineses sem
preocupação com a possibilidade
de serem pagos de volta. O dinheiro normalmente terminou
em outras estatais, tão ineficientes
quanto os bancos.
Anderson acredita que o total
de US$ 850 bilhões já foi reduzido
a menos da metade, a maior parte
graças à transferência desses créditos a entidades que tentarão recuperá-los por meio da concessão
de descontos em relação a seu valor original. Até o fim do ano passado, cerca de US$ 400 bilhões
deixaram os balanços dos bancos
estatais e passaram para a contabilidade de outras estatais, que foram criadas com a missão de administrá-los.
Outro tanto deixou de existir
pela injeção de capital do governo
nos grandes bancos estatais. Pelos
cálculos de Anderson, o Banco do
Povo da China destinou US$ 100
bilhões na recapitalização dos
maiores bancos públicos desde o
fim de 2003. As estatísticas oficiais
registram socorro de US$ 60 bilhões: US$ 45 bilhões divididos
igualmente entre o China Construction Bank e o Bank of China e
US$ 15 bilhões para o ICBC.
No total, são cerca de US$ 500
bilhões, que em grande parte terão de ser cobertos com recursos
públicos. O valor equivale a 25%
do PIB chinês. No Brasil, o socorro aos bancos em meados dos
anos 90 por meio do Proer somou
R$ 20 bilhões, de acordo com o
Banco Central, algo próximo a
2,7% do PIB da época.
A quantidade de créditos que
poderá não ser recuperada está
longe de ser o único problema do
sistema bancário chinês. Talvez o
maior desafio seja a mudança da
cultura de influência política que
imperou nas últimas décadas.
Os bancos chineses têm milhões
de clientes, administram ativos de
US$ 4,6 trilhões (230% do PIB),
mas têm péssima performance na
avaliação de risco de suas operações, o coração de qualquer atividade financeira.
Guo Shuqing, presidente do segundo maior banco do país, o
China Construction Bank, afirmou no ano passado que 90% dos
gerentes da instituição que dirige
não possuem qualificação para
realizar boas avaliações de risco
dos créditos que concedem.
A revelação não preocupou os
investidores. Poucos dias depois,
o CCB fez uma oferta inicial de
ações na Bolsa de Hong Kong e
captou US$ 9,2 bilhões, a maior
operação do gênero em todo o
mundo em quatro anos.
As autoridades de Pequim
apostam que a entrada de sócios
estrangeiros e a abertura de capital dos bancos levarão à necessária mudança de cultura nas instituições locais. E, obviamente, os
dirigentes dos bancos que compraram participações nas estatais
financeiras chinesas acreditam
que terão sucesso na missão.
"Os bancos sempre refletem a
economia que eles servem. O sistema bancário na China herdou
muitos problemas, mas, do outro
lado, há um novo mercado de crédito imobiliário, crédito para
compra de veículos ou empréstimos para companhias privadas.
Um novo sistema bancário está
sendo construído", declarou a um
grupo de jornalistas brasileiros o
chairman do HSBC, John Bond,
no último dia 8, em Londres.
O banco britânico possui 19,9%
do Bank of Communications, o
quinto maior da China, e está
pronto para ampliar esse percentual a 100%, tão logo o governo
chinês permita.
Michael Pettis, professor de Finanças Internacionais da Escola
de Administração da Universidade de Pequim, é mais cético quanto ao sucesso dos estrangeiros na
transformação dos bancos chineses. Em sua opinião, serão necessários alguns anos para avaliar se
eles estão fazendo bons negócios.
Pettis lembra que, mesmo entre
as grandes instituições globais,
existem aquelas que estão optando por adquirir participações em
pequenos e médios bancos chineses, com problemas de igual porte. Entre os que escolheram esse
caminho está o maior banco do
mundo, o Citibank.
A fragilidade do sistema financeiro é apontada como uma das
maiores ameaças à economia do
país. Uma crise bancária na China
teria conseqüências proporcionais ao tamanho do país e seus
efeitos seriam sentidos no restante do mundo, incluindo o Brasil.
Daí a preocupação do governo
em sanear o sistema financeiro
antes de 2007.
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