São Paulo, domingo, 26 de março de 2006

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CAPITALISMO VERMELHO

Conglomerados estrangeiros compram participação em instituições insolventes e ineficientes

Bancos estatais da China recebem US$ 27 bi em 2 anos

CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Instituições financeiras globais se engalfinham para abocanhar fatias dos enormes bancos estatais chineses, que receberam investimentos estrangeiros de US$ 27 bilhões nos últimos dois anos, entre venda de participações minoritárias e a abertura de capital na Bolsa de Hong Kong.
A corrida deverá se acelerar neste ano, que será o último antes da abertura do mercado financeiro chinês ao capital estrangeiro, de acordo com as regras da OMC (Organização Mundial do Comércio). Conglomerados financeiros globais querem estar bem posicionados no mercado chinês quando tiverem maior liberdade para expandir seus negócios.
O HSBC, por exemplo, terceiro maior banco do mundo, já investiu US$ 5 bilhões na China desde 2001, mais que o dobro do que colocou no Brasil a partir de 1997. Em janeiro, o norte-americano Goldman Sachs liderou um consórcio que destinou US$ 3,78 bilhões à compra de participação minoritária no ICBC (Industrial and Commercial Bank of China), o maior do país.
A maior parte dos US$ 27 bilhões investidos nos últimos dois anos foi destinada aos quatro grandes bancos estatais, considerados ineficientes e insolventes à luz de padrões internacionais.
Décadas de administração orientada mais por critérios políticos do que técnicos geraram nessas instituições uma montanha de créditos podres, estimada em US$ 850 bilhões por Jonathan Anderson, economista-chefe do banco UBS na Ásia.
O valor equivale a quase 40% do PIB chinês e se refere aos inúmeros empréstimos realizados pelos bancos estatais chineses sem preocupação com a possibilidade de serem pagos de volta. O dinheiro normalmente terminou em outras estatais, tão ineficientes quanto os bancos.
Anderson acredita que o total de US$ 850 bilhões já foi reduzido a menos da metade, a maior parte graças à transferência desses créditos a entidades que tentarão recuperá-los por meio da concessão de descontos em relação a seu valor original. Até o fim do ano passado, cerca de US$ 400 bilhões deixaram os balanços dos bancos estatais e passaram para a contabilidade de outras estatais, que foram criadas com a missão de administrá-los.
Outro tanto deixou de existir pela injeção de capital do governo nos grandes bancos estatais. Pelos cálculos de Anderson, o Banco do Povo da China destinou US$ 100 bilhões na recapitalização dos maiores bancos públicos desde o fim de 2003. As estatísticas oficiais registram socorro de US$ 60 bilhões: US$ 45 bilhões divididos igualmente entre o China Construction Bank e o Bank of China e US$ 15 bilhões para o ICBC.
No total, são cerca de US$ 500 bilhões, que em grande parte terão de ser cobertos com recursos públicos. O valor equivale a 25% do PIB chinês. No Brasil, o socorro aos bancos em meados dos anos 90 por meio do Proer somou R$ 20 bilhões, de acordo com o Banco Central, algo próximo a 2,7% do PIB da época.
A quantidade de créditos que poderá não ser recuperada está longe de ser o único problema do sistema bancário chinês. Talvez o maior desafio seja a mudança da cultura de influência política que imperou nas últimas décadas.
Os bancos chineses têm milhões de clientes, administram ativos de US$ 4,6 trilhões (230% do PIB), mas têm péssima performance na avaliação de risco de suas operações, o coração de qualquer atividade financeira.
Guo Shuqing, presidente do segundo maior banco do país, o China Construction Bank, afirmou no ano passado que 90% dos gerentes da instituição que dirige não possuem qualificação para realizar boas avaliações de risco dos créditos que concedem.
A revelação não preocupou os investidores. Poucos dias depois, o CCB fez uma oferta inicial de ações na Bolsa de Hong Kong e captou US$ 9,2 bilhões, a maior operação do gênero em todo o mundo em quatro anos.
As autoridades de Pequim apostam que a entrada de sócios estrangeiros e a abertura de capital dos bancos levarão à necessária mudança de cultura nas instituições locais. E, obviamente, os dirigentes dos bancos que compraram participações nas estatais financeiras chinesas acreditam que terão sucesso na missão.
"Os bancos sempre refletem a economia que eles servem. O sistema bancário na China herdou muitos problemas, mas, do outro lado, há um novo mercado de crédito imobiliário, crédito para compra de veículos ou empréstimos para companhias privadas. Um novo sistema bancário está sendo construído", declarou a um grupo de jornalistas brasileiros o chairman do HSBC, John Bond, no último dia 8, em Londres.
O banco britânico possui 19,9% do Bank of Communications, o quinto maior da China, e está pronto para ampliar esse percentual a 100%, tão logo o governo chinês permita.
Michael Pettis, professor de Finanças Internacionais da Escola de Administração da Universidade de Pequim, é mais cético quanto ao sucesso dos estrangeiros na transformação dos bancos chineses. Em sua opinião, serão necessários alguns anos para avaliar se eles estão fazendo bons negócios.
Pettis lembra que, mesmo entre as grandes instituições globais, existem aquelas que estão optando por adquirir participações em pequenos e médios bancos chineses, com problemas de igual porte. Entre os que escolheram esse caminho está o maior banco do mundo, o Citibank.
A fragilidade do sistema financeiro é apontada como uma das maiores ameaças à economia do país. Uma crise bancária na China teria conseqüências proporcionais ao tamanho do país e seus efeitos seriam sentidos no restante do mundo, incluindo o Brasil. Daí a preocupação do governo em sanear o sistema financeiro antes de 2007.


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