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São Paulo, segunda-feira, 26 de maio de 2003

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PREVIDÊNCIA

Incerteza sobre aposentadoria faz classe média colocar R$ 1 bi por mês em planos; metade é compra errada, diz analista

Medo de reforma engorda fundos privados

SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL

As receitas dos planos de previdência privada cresceram 74,6% no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período de 2002. Entre janeiro e março deste ano, enquanto se intensificavam os debates sobre a reforma da Previdência e o déficit da seguridade pública, a classe média depositou R$ 3 bilhões nos cofres das seguradoras e bancos que vendem esses produtos.
Segundo especialistas, a iminência da reforma acendeu a preocupação dessas pessoas com o futuro e impulsionou a procura por planos que complementem a aposentadoria. O crescimento das vendas neste ano foi excepcional, pois, no primeiro trimestre de 2002, as receitas do setor haviam crescido apenas 8,12% em relação a igual período de 2001.
"As pessoas sabem que virão outras reformas e que a Previdência só garantirá o básico", diz Osvaldo do Nascimento, presidente da Anapp (Associação Nacional da Previdência Privada).
O medo, porém, não é bom conselheiro financeiro. Segundo Márcia Dessen, diretora do IBCPF (Instituto Brasileiro de Certificação de Planejadores Financeiros), metade do explosivo crescimento das aplicações em previdência privada resulta de "compras erradas". As vendas, diz ela, "foram alimentadas pelo marketing agressivo das instituições e por metas que os gerentes das agências bancárias têm de cumprir".
Segundo Dessen, "pessoas são seduzidas por gerentes de bancos e compram um plano de previdência pensando que estão aplicando em um fundo de investimento comum". Acabam pagando um custo alto com as taxas cobradas nesses produtos -maiores do que as dos fundos comuns.
Dessen diz que muitos desses investidores sacam a aplicação um ou dois anos depois -e perdem mais dinheiro com o recolhimento do Imposto de Renda que incide nos resgates e que pode chegar a comer 27,5% do capital acumulado. "É o mesmo que rasgar dinheiro", acrescenta.
O consultor financeiro Mauro Halfeld diz que as vendas excepcionais do primeiro trimestre também são resultado do lançamento de um novo produto no mercado, de perfil mais popular: o VGBL (Vida Gerador de Benefícios Livres). "Mas, mesmo considerando as vendas desse produto -R$ 915 milhões no trimestre- foi um grande salto."
O VGBL é um plano destinado a garantir uma renda na aposentadoria para trabalhadores da economia informal, profissionais liberais e contribuintes que fazem a declaração simplificada de Imposto de Renda .
Essas pessoas ou não contribuem com o fisco ou abatem até 20% da sua receita bruta, sem precisar de comprovação, na declaração simplificada de IR. Por isso, não se beneficiavam do incentivo fiscal concedido a quem aplica no PGBL (Plano Gerador de Benefícios Livres).
As contribuições feitas a um PGBL podem ser deduzidas nas declarações anuais até o limite de 12% da renda bruta tributável (basicamente o salário bruto). No entanto, é um produto complexo, difícil de ser entendido até pelos funcionários dos bancos, que dirá pelos consumidores.
Segundo Halfeld, como o VGBL é um produto mais simplificado, "as equipes de vendas das seguradoras e bancos não têm mais a desculpa de que é difícil explicar aos clientes o que é plano de previdência". Com isso, as metas de vendas estão cada vez mais elevadas e cresceu a pressão sobre as equipes neste ano, segundo ele.

Planejamento
Para o consumidor, em meio a essa guerra mercadológica, o melhor meio de evitar que alguém lhe "empurre" um plano de previdência é traçar claramente sua estratégia de investimento. É preciso definir se o dinheiro que vai aplicar se destina a formar uma poupança para a velhice ou uma reserva para emergências.
"Os recursos que podem ser necessários a qualquer momento e aqueles que serão usados para trocar de carro ou de apartamento devem ir para um fundo de investimento comum, para ações e outras aplicações que oferecem liquidez [facilidade de resgate]", diz Halfeld.
Na opinião de Dessen, "previdência não é investimento, é seguro de renda futura". Ela diz que, na dose certa - aplicando em um PGBL, todos os anos, apenas o equivalente a 12% da renda bruta anual-, o produto pode valer a pena, especialmente para quem não tem disciplina para poupar.
Os analistas também recomendam que o investidor escolha o plano que cobra as menores taxas. "Elas comem uma parte importante do ganho", diz Halfeld.
Júlio Bierrenbach, presidente da RealPrev, diz que as pesadas taxas não afetam a rentabilidade dos planos de previdência porque são compensadas por vantagens tributárias sobre os fundos comuns.
Nos fundos de investimento, diz Bierrembach, o Imposto de Renda incide mensalmente sobre a rentabilidade, reduzindo o valor da cota do fundo. "É o efeito "come-cotas" do imposto", diz ele. Já no PGBL não há cobrança de IR no processo de acumulação, o que eleva a poupança do investidor.
No entanto, a aparente vantagem da isenção de IR na fase de acumulação dos planos de previdência desaparece na hora em que o investidor saca a aplicação. No PGBL, ele come entre 15% e 27,5% do saldo total acumulado.

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