São Paulo, sexta-feira, 26 de maio de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

O Brasil de Lula

Os emergentes estão sofrendo de uma intoxicação especulativa, depois de três anos de valorização contínua

OS MERCADOS financeiros vivem, mais uma vez, dias de intensa tensão e medo. Os preços das ações, de títulos de renda fixa, de moedas e de commodities oscilam com uma intensidade há muito não vista. No jargão de seus participantes, isso chama-se volatilidade. Gosto de usar uma palavra menos nobre para descrever o que estamos vendo: indigestão. A grande instabilidade dos preços dos ativos financeiros nos mercados é característica inerente às economias de mercado nos dias de hoje. Ela deriva da integração dos mercados nacionais na economia global e, paradoxalmente, do sucesso dos BCs em manter a inflação e os juros em níveis baixos (com a notável exceção do Brasil), que acaba encorajando o mercado a buscar maiores riscos. Nesse arranjo institucional, é preciso entender a natureza da volatilidade em cada momento do ciclo econômico, já que esta pode estar associada a fatores internos de um país ou ao ciclo da economia global como um todo. No caso brasileiro, existe uma relação de dependência. Em momentos normais na economia doméstica, a volatilidade externa é dominante na formação dos preços dos ativos do país. A influência dos fatores externos ficou clara mais uma vez nos últimos dias. Depois de um longo período em que o real valorizou-se de forma impressionante em relação ao dólar e os juros de prazos mais longos se reduziram de forma monotônica, vivemos momentos de verdadeiro pânico e prejuízos vultosos. O real desvalorizou-se quase 20% e o preço de um título indexado à inflação (IPCA) emitido pelo Tesouro, com vencimento em 2024, caiu quase 15%. Além disso, a variação das cotações ao longo de um mesmo dia também atingiu níveis só vistos em momentos de crise, como a vivida em 2002, quando os mercados se convenceram de que Lula seria eleito presidente. Mas agora não existem fatores internos, de natureza política ou econômica, que expliquem o que está ocorrendo. Pelo contrário, estamos vivendo momentos ótimos para os mercados. A eleição polariza-se cada vez mais entre Lula e Alckmin, os dois vistos como amigos dos mercados, e na economia as coisas também andam muito bem, obrigado. Mas, mesmo nessa situação positiva da economia brasileira, os investidores institucionais nacionais e estrangeiros compraram quase US$ 9 bilhões nos mercados futuros de câmbio, venderam a qualquer preço suas NTNs longas e se desfizeram de ações de primeira linha com descontos que chegaram a 30% em relação aos preços de alguns dias atrás. Qual a razão para esse clima de pânico nos mercados brasileiros? A resposta é simples: os mercados emergentes estão sofrendo de uma intoxicação especulativa, depois de três anos de valorização contínua e, em alguns casos, claramente exagerada. Nessa situação, os ativos de economias que estão com seus fundamentos em ordem sofrem a mesma desvalorização que atinge as que apresentam problemas. Pior ainda, mercados com uma liquidez maior, como é o caso do brasileiro, acabam recebendo maior pressão de venda por parte dos investidores que buscam desesperadamente reduzir o risco de suas carteiras. Essa indigestão que atinge os mercados emergentes está sendo provocada por uma mudança nas expectativas em relação às economias mais avançadas. EUA, União Européia e Japão estão entrando em uma fase mais avançada de seus ciclos econômicos, forçando seus bancos centrais a endurecer no combate à inflação. Juros mais elevados no centro do sistema econômico mundial e a ameaça de uma redução no crescimento à frente estão trazendo dúvidas em relação aos países emergentes. E, como sempre acontece nessa situação, a porta de saída é pequena para as carteiras de ativos mais arriscados, que acumulam muita gordura depois de um longo período de lucros expressivos. Resta saber se é um movimento de ajuste ou algo mais estrutural. O medo atual parece exagerado, na medida em que o mundo ainda apresenta boas condições de crescimento e a inflação, apesar de levemente em alta, parece sob controle. Mas os episódios das últimas duas semanas são alerta importante.


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 63, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC). @ - lcmb2@terra.com.br


Texto Anterior: Setor público faz aperto recorde
Próximo Texto: Análise: Total de abril contou com receita extra
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.