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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
O Brasil de Lula
Os emergentes estão
sofrendo de uma intoxicação
especulativa, depois de três
anos de valorização contínua
OS MERCADOS financeiros vivem, mais uma vez, dias de
intensa tensão e medo. Os
preços das ações, de títulos de renda fixa, de moedas e de commodities oscilam com uma intensidade
há muito não vista. No jargão de
seus participantes, isso chama-se
volatilidade. Gosto de usar uma palavra menos nobre para descrever o
que estamos vendo: indigestão.
A grande instabilidade dos preços
dos ativos financeiros nos mercados é característica inerente às economias de mercado nos dias de hoje. Ela deriva da integração dos
mercados nacionais na economia
global e, paradoxalmente, do sucesso dos BCs em manter a inflação e
os juros em níveis baixos (com a notável exceção do Brasil), que acaba
encorajando o mercado a buscar
maiores riscos. Nesse arranjo institucional, é preciso entender a natureza da volatilidade em cada momento do ciclo econômico, já que
esta pode estar associada a fatores
internos de um país ou ao ciclo da
economia global como um todo.
No caso brasileiro, existe uma relação de dependência. Em momentos normais na economia doméstica, a volatilidade externa é dominante na formação dos preços dos
ativos do país. A influência dos fatores externos ficou clara mais uma
vez nos últimos dias. Depois de um
longo período em que o real valorizou-se de forma impressionante
em relação ao dólar e os juros de
prazos mais longos se reduziram de
forma monotônica, vivemos momentos de verdadeiro pânico e prejuízos vultosos. O real desvalorizou-se quase 20% e o preço de um
título indexado à inflação (IPCA)
emitido pelo Tesouro, com vencimento em 2024, caiu quase 15%.
Além disso, a variação das cotações ao longo de um mesmo dia
também atingiu níveis só vistos em
momentos de crise, como a vivida
em 2002, quando os mercados se
convenceram de que Lula seria eleito presidente. Mas agora não existem fatores internos, de natureza
política ou econômica, que expliquem o que está ocorrendo. Pelo
contrário, estamos vivendo momentos ótimos para os mercados. A
eleição polariza-se cada vez mais
entre Lula e Alckmin, os dois vistos
como amigos dos mercados, e na
economia as coisas também andam
muito bem, obrigado.
Mas, mesmo nessa situação positiva da economia brasileira, os investidores institucionais nacionais
e estrangeiros compraram quase
US$ 9 bilhões nos mercados futuros de câmbio, venderam a qualquer preço suas NTNs longas e se
desfizeram de ações de primeira linha com descontos que chegaram a
30% em relação aos preços de alguns dias atrás. Qual a razão para
esse clima de pânico nos mercados
brasileiros?
A resposta é simples: os mercados
emergentes estão sofrendo de uma
intoxicação especulativa, depois de
três anos de valorização contínua e,
em alguns casos, claramente exagerada. Nessa situação, os ativos de
economias que estão com seus fundamentos em ordem sofrem a mesma desvalorização que atinge as
que apresentam problemas. Pior
ainda, mercados com uma liquidez
maior, como é o caso do brasileiro,
acabam recebendo maior pressão
de venda por parte dos investidores
que buscam desesperadamente reduzir o risco de suas carteiras.
Essa indigestão que atinge os
mercados emergentes está sendo
provocada por uma mudança nas
expectativas em relação às economias mais avançadas. EUA, União
Européia e Japão estão entrando
em uma fase mais avançada de seus
ciclos econômicos, forçando seus
bancos centrais a endurecer no
combate à inflação. Juros mais elevados no centro do sistema econômico mundial e a ameaça de uma
redução no crescimento à frente estão trazendo dúvidas em relação
aos países emergentes. E, como
sempre acontece nessa situação, a
porta de saída é pequena para as
carteiras de ativos mais arriscados,
que acumulam muita gordura depois de um longo período de lucros
expressivos.
Resta saber se é um movimento
de ajuste ou algo mais estrutural. O
medo atual parece exagerado, na
medida em que o mundo ainda
apresenta boas condições de crescimento e a inflação, apesar de levemente em alta, parece sob controle.
Mas os episódios das últimas duas
semanas são alerta importante.
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 63, engenheiro e
economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
@ - lcmb2@terra.com.br
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