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ARTIGO
Cuidado com a máquina de favores à família no Brasil
Especialmente nas empresas menores, aparece a paixão brasileira pela troca de favores; para consultor, investidor estrangeiro não deve ceder aos pedidos
JOHN RUMSEY
DO "FINANCIAL TIMES"
QUANDO EXECUTIVOS
de uma empresa espanhola de comunicações decidiram abrir um escritório no Brasil, queriam aproveitar o conhecimento especializado de um parceiro local
completamente familiarizado
com o país.
E acreditaram que sua sensibilidade cultural estivesse sendo recompensada, quando encontraram o que parecia ser a
resposta perfeita às suas necessidades: um grupo dirigido por
um carioca bem-apessoado e
muito bem relacionado.
Depois de uma série de reuniões e de viagens transatlânticas, as duas empresas estavam
muito próximas de um acordo,
mas as negociações esbarraram
em um obstáculo. O elegante
brasileiro tinha um filho que
precisava de um emprego para
ocupá-lo durante um o ano que
antecederia sua partida para os
Estados Unidos, onde ele faria
seu curso de MBA.
A empresa espanhola não seria um lugar excelente para que
ele desenvolvesse experiência
como executivo? Os espanhóis
vacilaram diante da exigência
de uma promoção desproporcional como a sugerida e tentaram contornar a solicitação,
porém não tiveram sucesso na
iniciativa.
Por fim, decidiram abandonar a idéia de parceria, com um
gosto amargo na boca. "Depois
daquilo, decidimos que o Brasil
não era para nós", afirmou um
dos executivos espanhóis envolvidos na negociação.
Trata-se de um exemplo extremo da paixão brasileira pela
troca de favores, uma prática
usualmente confinada às empresas menores, que operam
sob controle familiar. René Duvekot, que comanda uma consultoria cujo negócio é aconselhar brasileiros e norte-americanos sobre como fazer negócios nos países uns dos outros,
suspira ao ouvir a história.
"Simplesmente diga que
não", ele aconselha os clientes
que enfrentam situações como
essa. "Se você ceder, isso será
tomado como sinal imediato de
fraqueza."
Mas é preciso flexibilidade
quando se negocia com pequenas empresas no país, e os interlocutores deveriam cultivar
relacionamentos com membros importantes das famílias
controladoras.
Ele recomenda consultar o
membro mais importante da
família sobre as outras pessoas
com as quais deveria existir
contato e mantê-las informadas por meio de e-mails e visitas. As empresas de maior porte, especialmente nas regiões
Sul e Sudeste, que abrigam as
duas maiores cidades do país,
São Paulo e Rio de Janeiro, estão em larga medida imunes a
esses problemas, acrescenta o
consultor.
Para a maioria dos interessados, é fácil ingressar no Brasil.
Os empresários ficam agradavelmente surpresos com a facilidade que encontram para
agendar reuniões. Mas é importante não atribuir importância demasiada a isso.
"Os brasileiros são cordiais.
Eles usualmente recebem
quem os procura, mas isso não
deveria gerar expectativas elevadas", diz Duvekot. Quando
uma reunião é marcada, os brasileiros tendem a se vestir formalmente, mas a estrutura da
reunião pode muitas vezes ser
informal, sem que ninguém
mantenha uma ata.
"Sempre prepare alguma coisa para quebrar o gelo no começo da reunião", diz Ivan Clark,
presidente da Câmara Britânica de Comércio e Indústria em
São Paulo. Dez minutos de papo sobre futebol, as impressões
do visitantes sobre o Brasil ou o
que ele fez no fim de semana
criam um clima propício. Durante a reunião, é preciso tomar a iniciativa, sob o risco de
ser excluído da conversa.
"Não espere que a outra pessoa pare de falar. Esteja preparado para interromper e explicar o que você pensa", aconselha Clark. E, em termos gerais,
evite videoconferências ou até
conversas telefônicas. Prefira
reuniões face a face.
Avaliar progressos é difícil
dada a relutância dos brasileiros em recusar definitivamente
uma proposta. "Tratamos a ausência de um "sim" como um
"não". A não ser que você ouça
"sim", é preciso presumir que
resposta seja "não'", afirma Duvekot.
Fechar um negócio pode ser
um processo frustrantemente
lento, já que inúmeras reuniões
são requeridas. À medida que
as negociações avançam, é preciso levar em conta o efeito do
passado econômico desordenado do Brasil sobre a psicologia
nacional. Lembre-se de que a
inflação no país chegou a um
pico anualizado de 5.154% em
1994.
Isso significa que planos de
longo prazo costumavam sempre ser abandonados, diz Dara
Chapman, americana que viveu
anos em Paris e agora trabalha
para um fundo de hedge carioca chamado Polo Capital. Até
recentemente, "os brasileiros
tendiam a ignorar as empresas
que surgiam com planos de longo prazo. Era preciso ter planos
de curto prazo que se enquadrassem ao mercado local".
Em termos gerais, o Brasil é
um país fácil no que tange à etiqueta, devido à fusão de culturas, que gera respeito pelas diferenças. Flexibilidade, paciência e compreensão quanto ao
fato de que os brasileiros podem operar em tempo diferente do seu certamente ajudarão.
Mas a disposição de abandonar
uma negociação também pode
se provar essencial.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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