São Paulo, sábado, 26 de maio de 2007

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ARTIGO

Cuidado com a máquina de favores à família no Brasil

Especialmente nas empresas menores, aparece a paixão brasileira pela troca de favores; para consultor, investidor estrangeiro não deve ceder aos pedidos

JOHN RUMSEY
DO "FINANCIAL TIMES"

QUANDO EXECUTIVOS de uma empresa espanhola de comunicações decidiram abrir um escritório no Brasil, queriam aproveitar o conhecimento especializado de um parceiro local completamente familiarizado com o país.
E acreditaram que sua sensibilidade cultural estivesse sendo recompensada, quando encontraram o que parecia ser a resposta perfeita às suas necessidades: um grupo dirigido por um carioca bem-apessoado e muito bem relacionado. Depois de uma série de reuniões e de viagens transatlânticas, as duas empresas estavam muito próximas de um acordo, mas as negociações esbarraram em um obstáculo. O elegante brasileiro tinha um filho que precisava de um emprego para ocupá-lo durante um o ano que antecederia sua partida para os Estados Unidos, onde ele faria seu curso de MBA.
A empresa espanhola não seria um lugar excelente para que ele desenvolvesse experiência como executivo? Os espanhóis vacilaram diante da exigência de uma promoção desproporcional como a sugerida e tentaram contornar a solicitação, porém não tiveram sucesso na iniciativa. Por fim, decidiram abandonar a idéia de parceria, com um gosto amargo na boca. "Depois daquilo, decidimos que o Brasil não era para nós", afirmou um dos executivos espanhóis envolvidos na negociação.
Trata-se de um exemplo extremo da paixão brasileira pela troca de favores, uma prática usualmente confinada às empresas menores, que operam sob controle familiar. René Duvekot, que comanda uma consultoria cujo negócio é aconselhar brasileiros e norte-americanos sobre como fazer negócios nos países uns dos outros, suspira ao ouvir a história.
"Simplesmente diga que não", ele aconselha os clientes que enfrentam situações como essa. "Se você ceder, isso será tomado como sinal imediato de fraqueza."
Mas é preciso flexibilidade quando se negocia com pequenas empresas no país, e os interlocutores deveriam cultivar relacionamentos com membros importantes das famílias controladoras. Ele recomenda consultar o membro mais importante da família sobre as outras pessoas com as quais deveria existir contato e mantê-las informadas por meio de e-mails e visitas. As empresas de maior porte, especialmente nas regiões Sul e Sudeste, que abrigam as duas maiores cidades do país, São Paulo e Rio de Janeiro, estão em larga medida imunes a esses problemas, acrescenta o consultor.
Para a maioria dos interessados, é fácil ingressar no Brasil. Os empresários ficam agradavelmente surpresos com a facilidade que encontram para agendar reuniões. Mas é importante não atribuir importância demasiada a isso. "Os brasileiros são cordiais. Eles usualmente recebem quem os procura, mas isso não deveria gerar expectativas elevadas", diz Duvekot. Quando uma reunião é marcada, os brasileiros tendem a se vestir formalmente, mas a estrutura da reunião pode muitas vezes ser informal, sem que ninguém mantenha uma ata.
"Sempre prepare alguma coisa para quebrar o gelo no começo da reunião", diz Ivan Clark, presidente da Câmara Britânica de Comércio e Indústria em São Paulo. Dez minutos de papo sobre futebol, as impressões do visitantes sobre o Brasil ou o que ele fez no fim de semana criam um clima propício. Durante a reunião, é preciso tomar a iniciativa, sob o risco de ser excluído da conversa.
"Não espere que a outra pessoa pare de falar. Esteja preparado para interromper e explicar o que você pensa", aconselha Clark. E, em termos gerais, evite videoconferências ou até conversas telefônicas. Prefira reuniões face a face. Avaliar progressos é difícil dada a relutância dos brasileiros em recusar definitivamente uma proposta. "Tratamos a ausência de um "sim" como um "não". A não ser que você ouça "sim", é preciso presumir que resposta seja "não'", afirma Duvekot.
Fechar um negócio pode ser um processo frustrantemente lento, já que inúmeras reuniões são requeridas. À medida que as negociações avançam, é preciso levar em conta o efeito do passado econômico desordenado do Brasil sobre a psicologia nacional. Lembre-se de que a inflação no país chegou a um pico anualizado de 5.154% em 1994. Isso significa que planos de longo prazo costumavam sempre ser abandonados, diz Dara Chapman, americana que viveu anos em Paris e agora trabalha para um fundo de hedge carioca chamado Polo Capital. Até recentemente, "os brasileiros tendiam a ignorar as empresas que surgiam com planos de longo prazo. Era preciso ter planos de curto prazo que se enquadrassem ao mercado local".
Em termos gerais, o Brasil é um país fácil no que tange à etiqueta, devido à fusão de culturas, que gera respeito pelas diferenças. Flexibilidade, paciência e compreensão quanto ao fato de que os brasileiros podem operar em tempo diferente do seu certamente ajudarão. Mas a disposição de abandonar uma negociação também pode se provar essencial.


Tradução de PAULO MIGLIACCI

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