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Governo cobra taxa errada de proprietário de imóvel
Mesmo com decisão judicial favorável, contribuinte tem dificuldade para limpar nome
Secretaria do Patrimônio
da União atribui demora à falta de funcionários, à tecnologia ultrapassada
e a pendências anteriores
DENYSE GODOY
DA REPORTAGEM LOCAL
Engenheiro, o marido da artista plástica Darcy Sanchez,
72, gostava de ver seu dinheiro
tomar a forma de bens concretos. Por isso, investiu todas as
economias de décadas de trabalho em imóveis. Um ano após
ficar viúva e passando dificuldades financeiras, tudo o que
Sanchez deseja é se desfazer de
quatro casas que tem em Ubatuba, no litoral norte de São
Paulo, a fim de garantir a tranqüilidade e o futuro de seus filhos e netos.
Cada uma delas vale cerca de
R$ 400 mil -os recursos seriam suficientes para resolver a
sua situação, mas a artista plástica não consegue vendê-las. Os
imóveis sofrem a cobrança de
uma taxa por supostamente estarem localizados em terreno
da União, dívida que supera R$
200 mil. A remuneração ao governo nesse caso pode ser chamada de foro ou taxa de ocupação. Varia de 0,6% a 5% do valor
do imóvel ao ano. Ainda tem o
laudêmio, de 5%, cobrado na
venda da propriedade.
De posse de um laudo técnico, ela luta para provar na Justiça que os imóveis não ficam
em terras de marinha, uma faixa de 33 metros traçada da linha da maré (preamar média
de 1831, segundo a lei) em direção ao continente, que pertence à União. "É um absurdo, as
casas ficam a 50 metros do
mar", afirma Sanchez, que está
sofrendo execução fiscal por
causa dos débitos em atraso.
"Não foi fácil comprar esses
bens. Batalhamos muito na
nossa vida e me dá uma tristeza
imensa o que estou enfrentando. Eu me sinto impotente."
Sem demarcação
O caso de Sanchez é apenas
um exemplo dos problemas
que cercam a delimitação das
terras de marinha no Estado. A
SPU (Secretaria do Patrimônio
da União), administradora de
tais bens públicos, admite que
acontecem equívocos. "No litoral de São Paulo, existe um conjunto de áreas do qual o processo de demarcação ainda não foi
concluído. Chegou ao ponto de
ter [somente] uma demarcação
presumida feita. São procedimentos formais que teriam que
ser terminados", afirma Evangelina de Almeida Pinho, gerente regional da SPU.
Em centenas de processos, a
Justiça já reconheceu que imóveis foram incluídos em terras
de marinha por engano e determinou o cessamento da cobrança. No entanto, mesmo depois de vencer a ação, os proprietários têm outra batalha
pela frente: fazer a SPU retirar
o seu nome do Cadin (Cadastro
Informativo de Créditos Não
Quitados do Setor Público Federal). Um pedido de regularização chega a demorar meses
para ser cumprido.
"Isso ocorre porque os sistemas de banco de dados da secretaria estão em uma plataforma arcaica. É difícil fazer uma
alteração. Tirar alguém da base
é bastante complexo, não é só
apertar um botão. Para ter uma
idéia, em Belém [PA], uma determinação judicial de bloqueio de cobrança em uma parte da cidade levou mais de seis
meses para ser cumprida", diz
Louise Ritzel, diretora de gestão de recursos internos da
SPU, ressaltando que o sistema
está passando por uma reforma
"na linha de melhorar o atendimento".
"Crise de confiabilidade"
Ritzel diz que os problemas
vêm da administração federal
anterior, a qual deixou acumular grande volume de solicitações e outras pendências. A situação tornou-se tão grave que
a gerência regional paulista obteve um habeas corpus preventivo para evitar que funcionários sejam presos por desobediência a ordens judiciais. Argumenta não contar com servidores e tecnologia suficientes
para atender rapidamente todos os pedidos de correções.
Constatando a precariedade
das condições da SPU, o TCU
(Tribunal de Contas da União)
recomendou, no ano passado,
após realizar auditoria, que fosse criado um fundo "destinado
exclusivamente à modernização da secretaria". "Esse órgão
sofre carência crônica de recursos humanos e materiais para
levar adiante seu mister", disse
o ministro Ubiratan Aguiar, do
TCU, em seu relatório. Após
perceber diversos erros no cadastro de imóveis pertencentes
à União, Aguiar alertou: "Caso
não forem corrigidas, as falhas
podem causar uma "crise de
confiabilidade contábil", que se
somaria ao quadro das diversas
crises que o país vem passando
-seja no setor aéreo ou em segurança pública".
O médico Hermettis Ferrarini, 82, sabe perfeitamente o significado dessas palavras. Vendeu uma casa de veraneio em
Ubatuba em 1995, mas continua recebendo boletos de cobrança referentes à taxa de
ocupação. Ele ganhou um mandado de segurança em outubro
de 2006 para que seu nome fosse retirado da lista de inadimplentes, mas até agora a SPU
não o fez. "Gostaria de limpar o
meu nome para não deixar nenhum contratempo para os
meus filhos. Porém, a realidade
é que, no Brasil, não podemos
nem sequer morrer em paz."
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