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QUARENTENA PLATINA
Governo deve obrigar dinheiro estrangeiro novo que não for para o setor produtivo a ficar no país por 180 dias
Argentina prepara controle de capitais
JOSÉ ALAN DIAS
FABRICIO VIEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
O governo da Argentina vai assinar nos próximos dias um decreto que obrigará os capitais estrangeiros a permanecer no país
por pelos menos 180 dias.
O controle do capital especulativo, que na Argentina recebe a denominação de "golondrinas" (andorinhas), foi anunciado ontem
pelo ministro da Economia, Roberto Lavagna. De acordo com o
ministro, a medida teria vigência
sobre novos capitais -ou seja,
não atingirá os recursos que antes
da assinatura do decreto já tiverem ingressado no país. ""Os capitais especulativos não são compatíveis com o atual programa econômico do governo", disse.
Segundo Lavagna, a restrição
não afetará os capitais ""que entrarem na Argentina dirigidos ao setor produtivo".
O anúncio ocorreu um dia depois de o diretor-gerente do FMI
(Fundo Monetário Internacional), Horst Köhler, visitar o país e
negociar um acordo com a liberação de dinheiro para a Argentina.
Embora não tenha emitido comunicado para comentar a decisão, a
cúpula do FMI já havia manifestado anteriormente ao ministro argentino sua contrariedade em relação a esse tipo de controle. Instituições financeiras que atuam no
país também já haviam se manifestado publicamente contra.
Lavagna não informou qual seria o percentual de imposto aplicado aos capitais que ingressem
no mercado argentino e, após o
decreto entrar em vigor, decidam
permanecer por um período menor que o da quarentena.
A medida era estudada havia
pelo menos dois meses. O que deflagrou o anúncio foi a decisão do
Fed (o banco central norte-americano) de rebaixar para 1% a taxa
básica de juros dos EUA.
Com juros muito baixos nos
EUA e na zona do euro, os capitais
especulativos se voltam para a periferia em busca de ganhos mais
altos, o que valoriza as moedas
dos países emergentes.
Lavagna argumentou que a entrada de capital especulativo representa o maior perigo à política
do governo de manter o câmbio
em níveis ""relativamente elevados", ao redor de 3 pesos por dólar e sem mudanças bruscas na
cotação. Uma valorização maior
do peso diante do dólar prejudicaria as exportações argentinas.
O temor de valorização do peso
tem feito o BC intervir diariamente no mercado, comprando dólares -evita que a cotação despenque e, ao mesmo tempo, reforças
as reservas cambiais.
Segundo ele, a medida será implementada porque há três meses
"se nota persistente entrada de capitais especulativos". ""Passamos
de uma média de US$ 500 milhões de ingressos mensais para
US$ 900 milhões", afirmou.
Ainda de acordo com Lavagna,
o governo espera suspender a restrição assim que ""possível". ""Tomara que seja em breve."
Depois da derrocada do modelo
de câmbio fixo (que estabelecia
paridade um por um entre dólar e
peso), em dezembro de 2001, foram as exportações que sustentaram a retomada do crescimento
da economia. A Argentina fechou
2002 com superávit em sua balança comercial de US$ 16,7 bilhões.
Neste ano, mesmo com aumento de 34% nas importações em relação aos primeiros meses de
2002, até abril o país acumulava
um saldo comercial de US$ 5,283
bilhões -13% maior que no mesmo período do ano passado.
No primeiro trimestre de 2003,
enquanto o PIB brasileiro encolhia 0,1%, o da Argentina cresceu
5,2% -embora deva ser considerado que, no caso argentino, a base de comparação estava ""distorcida" pelo tombo de 2002.
A Argentina estaria baseando
sua ação no modelo chileno de
controle de capitais, que vigorou
entre 1991 e 1998.
O governo do Chile estabeleceu
que uma parcela de todo o fluxo
estrangeiro que ingressasse no
mercado local deveria ser depositada por um ano no banco central, sem remuneração. O percentual de depósito variava de 10% a
30% de todo o capital investido.
Ontem o dólar fechou vendido a
2,79 pesos. Nos primeiros meses
pós-desvalorização, a cotação
chegou aos 4 pesos por dólar.
Orlando Ferreres, vice-ministro
da Economia no governo Alfonsín (1983-89), explica que os capitais estrangeiros que entram na
Argentina se destinaram à aquisição de ações e títulos -depreciados- e participações em empresas locais, grande parte com as finanças destroçadas, resultado da
grave recessão dos últimos anos.
Os investidores também procuram títulos do BC. Explica-se: esses papéis pagam hoje uma taxa
de juros de 17% ao ano.
Para o economista, o governo
não deve se defrontar com uma
fuga maciça de investidores. ""Os
ganhos ainda serão maiores que
na Europa e nos EUA. E, com a
melhora nas relações com o FMI,
há sensação de segurança para
manter dinheiro na Argentina."
Eduardo Conesa, professor da
UBA (Universidade de Buenos
Aires), argumenta que a queda na
cotação do dólar nos últimos meses em parte é provocada pelos
próprios investidores argentinos.
"A população tem cerca de US$
30 bilhões guardados em casa.
Quando vê que o dólar cai, começa a se desfazer dele." Mas também considera salutar a decisão
do governo: ""Dólar abaixo de 3
pesos ameaça as exportações."
Colaboraram Érica Fraga, da Reportagem Local, e Elaine Cotta,
de Buenos Aires
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