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São Paulo, quinta-feira, 26 de junho de 2003

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QUARENTENA PLATINA

Governo deve obrigar dinheiro estrangeiro novo que não for para o setor produtivo a ficar no país por 180 dias

Argentina prepara controle de capitais

JOSÉ ALAN DIAS
FABRICIO VIEIRA

DA REPORTAGEM LOCAL

O governo da Argentina vai assinar nos próximos dias um decreto que obrigará os capitais estrangeiros a permanecer no país por pelos menos 180 dias.
O controle do capital especulativo, que na Argentina recebe a denominação de "golondrinas" (andorinhas), foi anunciado ontem pelo ministro da Economia, Roberto Lavagna. De acordo com o ministro, a medida teria vigência sobre novos capitais -ou seja, não atingirá os recursos que antes da assinatura do decreto já tiverem ingressado no país. ""Os capitais especulativos não são compatíveis com o atual programa econômico do governo", disse.
Segundo Lavagna, a restrição não afetará os capitais ""que entrarem na Argentina dirigidos ao setor produtivo".
O anúncio ocorreu um dia depois de o diretor-gerente do FMI (Fundo Monetário Internacional), Horst Köhler, visitar o país e negociar um acordo com a liberação de dinheiro para a Argentina. Embora não tenha emitido comunicado para comentar a decisão, a cúpula do FMI já havia manifestado anteriormente ao ministro argentino sua contrariedade em relação a esse tipo de controle. Instituições financeiras que atuam no país também já haviam se manifestado publicamente contra.
Lavagna não informou qual seria o percentual de imposto aplicado aos capitais que ingressem no mercado argentino e, após o decreto entrar em vigor, decidam permanecer por um período menor que o da quarentena.
A medida era estudada havia pelo menos dois meses. O que deflagrou o anúncio foi a decisão do Fed (o banco central norte-americano) de rebaixar para 1% a taxa básica de juros dos EUA.
Com juros muito baixos nos EUA e na zona do euro, os capitais especulativos se voltam para a periferia em busca de ganhos mais altos, o que valoriza as moedas dos países emergentes.
Lavagna argumentou que a entrada de capital especulativo representa o maior perigo à política do governo de manter o câmbio em níveis ""relativamente elevados", ao redor de 3 pesos por dólar e sem mudanças bruscas na cotação. Uma valorização maior do peso diante do dólar prejudicaria as exportações argentinas.
O temor de valorização do peso tem feito o BC intervir diariamente no mercado, comprando dólares -evita que a cotação despenque e, ao mesmo tempo, reforças as reservas cambiais.
Segundo ele, a medida será implementada porque há três meses "se nota persistente entrada de capitais especulativos". ""Passamos de uma média de US$ 500 milhões de ingressos mensais para US$ 900 milhões", afirmou.
Ainda de acordo com Lavagna, o governo espera suspender a restrição assim que ""possível". ""Tomara que seja em breve."
Depois da derrocada do modelo de câmbio fixo (que estabelecia paridade um por um entre dólar e peso), em dezembro de 2001, foram as exportações que sustentaram a retomada do crescimento da economia. A Argentina fechou 2002 com superávit em sua balança comercial de US$ 16,7 bilhões.
Neste ano, mesmo com aumento de 34% nas importações em relação aos primeiros meses de 2002, até abril o país acumulava um saldo comercial de US$ 5,283 bilhões -13% maior que no mesmo período do ano passado.
No primeiro trimestre de 2003, enquanto o PIB brasileiro encolhia 0,1%, o da Argentina cresceu 5,2% -embora deva ser considerado que, no caso argentino, a base de comparação estava ""distorcida" pelo tombo de 2002.
A Argentina estaria baseando sua ação no modelo chileno de controle de capitais, que vigorou entre 1991 e 1998.
O governo do Chile estabeleceu que uma parcela de todo o fluxo estrangeiro que ingressasse no mercado local deveria ser depositada por um ano no banco central, sem remuneração. O percentual de depósito variava de 10% a 30% de todo o capital investido.
Ontem o dólar fechou vendido a 2,79 pesos. Nos primeiros meses pós-desvalorização, a cotação chegou aos 4 pesos por dólar.
Orlando Ferreres, vice-ministro da Economia no governo Alfonsín (1983-89), explica que os capitais estrangeiros que entram na Argentina se destinaram à aquisição de ações e títulos -depreciados- e participações em empresas locais, grande parte com as finanças destroçadas, resultado da grave recessão dos últimos anos.
Os investidores também procuram títulos do BC. Explica-se: esses papéis pagam hoje uma taxa de juros de 17% ao ano.
Para o economista, o governo não deve se defrontar com uma fuga maciça de investidores. ""Os ganhos ainda serão maiores que na Europa e nos EUA. E, com a melhora nas relações com o FMI, há sensação de segurança para manter dinheiro na Argentina."
Eduardo Conesa, professor da UBA (Universidade de Buenos Aires), argumenta que a queda na cotação do dólar nos últimos meses em parte é provocada pelos próprios investidores argentinos. "A população tem cerca de US$ 30 bilhões guardados em casa. Quando vê que o dólar cai, começa a se desfazer dele." Mas também considera salutar a decisão do governo: ""Dólar abaixo de 3 pesos ameaça as exportações."


Colaboraram Érica Fraga, da Reportagem Local, e Elaine Cotta, de Buenos Aires


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