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OPINIÃO ECONÔMICA
Nuvens negras
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
O agravamento da crise nos mercados de ações dos EUA terá reflexos severos sobre
nossa economia. O colapso do valor de mercado das principais empresas mundiais está gerando o que se chama de "fly to quality".
Diante de um futuro incerto, os investidores, como uma manada,
transferem seus recursos para investimentos de menor risco: vendem ativos de pior qualidade,
pressionando seus preços para
baixo, e compram papéis de renda
fixa com rating de crédito de alta
qualidade. Os investimentos preferidos são os títulos de curto prazo
do Tesouro americano, principalmente os de prazo inferior a dois
anos.
Essa acomodação quase irracional do fluxo de recursos financeiros no mundo cria uma situação
de liquidez muito difícil para os
tomadores de maior risco, sejam
eles corporações privadas ou governos nacionais na periferia. Dinheiro novo para financiar investimentos não existe, e a rolagem
dos compromissos que vencem
nesse período fica comprometida.
O premio de risco sobe e os custos
financeiros das novas operações
de crédito vão para a Lua.
Tomemos o exemplo dos papéis
brasileiros, que estão sendo negociados hoje com um risco adicional de mais de 18% ao ano. Como
já disse, esse número é pouco representativo, em razão da baixa
liquidez dos negócios. Mas serve
como um bom indicador das dificuldades de rolagem de nossa dívida externa no futuro próximo. Os
compromissos privados que estão
vencendo nestes tempos difíceis estão sendo rolados a prazos muito
curtos e a valores correspondentes
a não mais de 40% dos vencimentos.
O Banco Central agiu rapidamente para garantir nossa solvência externa até as eleições, negociando recursos adicionais com o
FMI e vendendo a moeda americana no mercado. Mesmo assim o
real vem se desvalorizando progressivamente, com o valor do dólar ultrapassando, recentemente, o
número mágico de três por um.
Para que não tenhamos problemas nos meses que se seguirão às
eleições presidenciais, faltam ainda cerca de US$ 5 bilhões. A única
fonte disponível hoje para esses recursos é o FMI e, para tanto, precisaria ser negociado um programa
adicional ao existente atualmente.
A crise internacional, que é a
grande responsável pelas dificuldades atuais, pode ser também a
âncora para essa ajuda maior. O
colapso do Brasil, que seria seguido certamente pelo da Turquia,
pode ser a gota d'água que está
faltando para jogar o sistema bancário em um mergulho fatal. Até o
desmoralizado secretário do Tesouro do governo Bush já percebeu
isso e mudou seu discurso arrogante.
Sejamos otimistas e imaginemos
um cenário em que o novo presidente tome posse em janeiro com o
país ainda solvente. A crise internacional deve ficar entre nós por
um bom tempo. Os estragos que
estão ocorrendo são de tal ordem
que 2003 será certamente um período de muita cautela financeira
e de iliquidez nos mercados de capitais. Países como o Brasil estarão
por algum tempo fora do circuito
internacional do dinheiro e com
dificuldades enormes para financiar o déficit em conta corrente
-cerca de US$ 20 bilhões- e para rolar os vencimentos da dívida
externa -outros US$ 30 bilhões.
Nessa situação quase desesperadora teremos um novo presidente
e uma nova equipe de governo. A
confiar nas pesquisas atuais, as alternativas do ponto de vista do
mercado externo são as piores possíveis. No caso de Lula, os riscos
são de natureza administrativa,
fruto de um programa de governo
confuso e contraditório do ponto
de vista macroeconômico e de
uma equipe sem preparo e experiência para enfrentar uma situação financeira difícil e um ambiente externo hostil. No caso de
Ciro, os riscos maiores são políticos, em razão de um apoio partidário inconsistente, de um programa político perigoso e da personalidade mercurial do candidato.
Além disso, seu programa dá ênfase a um experimentalismo administrativo e político extremamente
perigoso em uma situação de crise
externa.
Se esse quadro eleitoral consolidar-se nas próximas semanas, os
mercados vão ficar extremamente
tensos e negativos em relação a
nosso futuro. A pressão sobre o
mercado de câmbio será muito
forte. A resposta das exportações
ao real desvalorizado será muito
mais lenta do que a necessária, para compensar as perdas no segmento financeiro. Em algum momento, o Banco Central terá que
deixar a moeda flutuar livremente, acelerando a desvalorização do
real. Nessa situação, a dívida mobiliária interna vai crescer bastante por conta dos títulos indexados
à taxa de câmbio. Não é impossível uma situação em que o endividamento líquido do governo ultrapasse os 70% do valor do PIB. A
ameaça de uma crise de solvência
interna vai aparecer nos radares
dos analistas financeiros, aumentando ainda mais o desconforto
em relação a nosso país. As agências de rating vão reduzir a qualidade de nosso crédito externo e interno, jogando mais lenha na fogueira.
Esse cenário lembra muito o das
eleições presidenciais de 1998. Naquela ocasião, o medo do colapso
do Plano Real foi o grande eleitor
de FHC. Em 2002 o sentimento dos
brasileiros é outro, pois o governo
atual é visto como o grande responsável pela crise econômica que
estamos vivendo. Os candidatos
da oposição, embora sem programas detalhados de ação, são vistos
como alternativas viáveis para enfrentarmos os desafios atuais. Eu
não tenho essa convicção e, por isso, estou com muito medo do próximo ano.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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