São Paulo, sexta-feira, 26 de julho de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Nuvens negras

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

O agravamento da crise nos mercados de ações dos EUA terá reflexos severos sobre nossa economia. O colapso do valor de mercado das principais empresas mundiais está gerando o que se chama de "fly to quality". Diante de um futuro incerto, os investidores, como uma manada, transferem seus recursos para investimentos de menor risco: vendem ativos de pior qualidade, pressionando seus preços para baixo, e compram papéis de renda fixa com rating de crédito de alta qualidade. Os investimentos preferidos são os títulos de curto prazo do Tesouro americano, principalmente os de prazo inferior a dois anos.
Essa acomodação quase irracional do fluxo de recursos financeiros no mundo cria uma situação de liquidez muito difícil para os tomadores de maior risco, sejam eles corporações privadas ou governos nacionais na periferia. Dinheiro novo para financiar investimentos não existe, e a rolagem dos compromissos que vencem nesse período fica comprometida. O premio de risco sobe e os custos financeiros das novas operações de crédito vão para a Lua.
Tomemos o exemplo dos papéis brasileiros, que estão sendo negociados hoje com um risco adicional de mais de 18% ao ano. Como já disse, esse número é pouco representativo, em razão da baixa liquidez dos negócios. Mas serve como um bom indicador das dificuldades de rolagem de nossa dívida externa no futuro próximo. Os compromissos privados que estão vencendo nestes tempos difíceis estão sendo rolados a prazos muito curtos e a valores correspondentes a não mais de 40% dos vencimentos.
O Banco Central agiu rapidamente para garantir nossa solvência externa até as eleições, negociando recursos adicionais com o FMI e vendendo a moeda americana no mercado. Mesmo assim o real vem se desvalorizando progressivamente, com o valor do dólar ultrapassando, recentemente, o número mágico de três por um. Para que não tenhamos problemas nos meses que se seguirão às eleições presidenciais, faltam ainda cerca de US$ 5 bilhões. A única fonte disponível hoje para esses recursos é o FMI e, para tanto, precisaria ser negociado um programa adicional ao existente atualmente.
A crise internacional, que é a grande responsável pelas dificuldades atuais, pode ser também a âncora para essa ajuda maior. O colapso do Brasil, que seria seguido certamente pelo da Turquia, pode ser a gota d'água que está faltando para jogar o sistema bancário em um mergulho fatal. Até o desmoralizado secretário do Tesouro do governo Bush já percebeu isso e mudou seu discurso arrogante.
Sejamos otimistas e imaginemos um cenário em que o novo presidente tome posse em janeiro com o país ainda solvente. A crise internacional deve ficar entre nós por um bom tempo. Os estragos que estão ocorrendo são de tal ordem que 2003 será certamente um período de muita cautela financeira e de iliquidez nos mercados de capitais. Países como o Brasil estarão por algum tempo fora do circuito internacional do dinheiro e com dificuldades enormes para financiar o déficit em conta corrente -cerca de US$ 20 bilhões- e para rolar os vencimentos da dívida externa -outros US$ 30 bilhões.
Nessa situação quase desesperadora teremos um novo presidente e uma nova equipe de governo. A confiar nas pesquisas atuais, as alternativas do ponto de vista do mercado externo são as piores possíveis. No caso de Lula, os riscos são de natureza administrativa, fruto de um programa de governo confuso e contraditório do ponto de vista macroeconômico e de uma equipe sem preparo e experiência para enfrentar uma situação financeira difícil e um ambiente externo hostil. No caso de Ciro, os riscos maiores são políticos, em razão de um apoio partidário inconsistente, de um programa político perigoso e da personalidade mercurial do candidato. Além disso, seu programa dá ênfase a um experimentalismo administrativo e político extremamente perigoso em uma situação de crise externa.
Se esse quadro eleitoral consolidar-se nas próximas semanas, os mercados vão ficar extremamente tensos e negativos em relação a nosso futuro. A pressão sobre o mercado de câmbio será muito forte. A resposta das exportações ao real desvalorizado será muito mais lenta do que a necessária, para compensar as perdas no segmento financeiro. Em algum momento, o Banco Central terá que deixar a moeda flutuar livremente, acelerando a desvalorização do real. Nessa situação, a dívida mobiliária interna vai crescer bastante por conta dos títulos indexados à taxa de câmbio. Não é impossível uma situação em que o endividamento líquido do governo ultrapasse os 70% do valor do PIB. A ameaça de uma crise de solvência interna vai aparecer nos radares dos analistas financeiros, aumentando ainda mais o desconforto em relação a nosso país. As agências de rating vão reduzir a qualidade de nosso crédito externo e interno, jogando mais lenha na fogueira.
Esse cenário lembra muito o das eleições presidenciais de 1998. Naquela ocasião, o medo do colapso do Plano Real foi o grande eleitor de FHC. Em 2002 o sentimento dos brasileiros é outro, pois o governo atual é visto como o grande responsável pela crise econômica que estamos vivendo. Os candidatos da oposição, embora sem programas detalhados de ação, são vistos como alternativas viáveis para enfrentarmos os desafios atuais. Eu não tenho essa convicção e, por isso, estou com muito medo do próximo ano.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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