São Paulo, sexta-feira, 26 de julho de 2002

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INTEGRAÇÃO

"Para alguns setores do país que não estiverem preparados, a Alca vai ser absolutamente mortal", diz Piva

Alca fará Brasil perder US$ 1 bi, diz Fiesp

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

O Brasil perderá US$ 1 bilhão por ano em seu comércio exterior, a partir do dia 1º de janeiro de 2006, a data prevista para a entrada em vigor da Alca (Área de Livre Comércio das Américas, que deve abranger os 34 países americanos, exceto Cuba).
Esse é o resultado do primeiro estudo abrangente sobre as consequências da Alca para o Brasil, apresentado ontem pela Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
Incluídos todos os setores, o Brasil passará a exportar mais US$ 1,252 bilhão, se as tarifas de importação de todos os países da Alca foram levadas diretamente a zero (hipótese que não está, de todo modo, contemplada na negociação, que prevê desgravação tarifária escalonada).
Mas o país aumentará suas importações em US$ 2,254 bilhões, do que resulta a perda de exato US$ 1.001.595.
Para um país que tem no déficit das contas externas a sua maior vulnerabilidade, gastar mais ainda com importações já é um problema.
Mas, "para alguns setores que não estiverem preparados, a Alca vai ser absolutamente mortal", completa Horácio Lafer Piva, o presidente da Fiesp.
O estudo só consolidou cientificamente a expectativa empírica de Piva de que que o país tem "a necessidade absoluta de reduzir suas assimetrias em relação aos países desenvolvidos. Sem isso, não dá nem para começar o jogo".
Algumas das assimetrias estão no quadro abaixo. Mas há outras igualmente formidáveis: os Estados Unidos contam com um exército de 16.320 pessoas para sua defesa comercial, ao passo que os brasileiros que participam dessa guerra não vão além de ridículos 62.
As deficiências internas fazem, por exemplo, com que exportar uma mercadoria de US$ 20 mil de São Paulo para Denver (Colorado) custe US$ 1.444,96 a mais, além de quatro dias adicionais, do que percorrer o trajeto exatamente inverso.

"É amanhã"
O estudo encomendado pela Fiesp foi entregue, há duas semanas, aos ministros Celso Lafer (Relações Exteriores) e Sérgio Amaral (Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior), os responsáveis principais pelas negociações da Alca.
Serve, acima de tudo, para mostrar o que o governo precisa fazer "para eliminar as deficiências sistêmicas" do Brasil, como diz Piva.
Mas o trabalho servirá também para que o empresariado se prepare para as negociações e adaptações que terá que fazer, se quiser sobreviver. "2005 e 2006 é amanhã", afirma Piva, aludindo aos prazos para finalizar a negociação da Alca e para começar a sua implantação.
Há, no estudo, também um recado indireto: o prazo para as primeiras ofertas de redução tarifária na Alca (15 de janeiro) é exíguo demais ante as assimetrias detectadas com precisão pelo estudo.
Ainda mais que haverá um novo governo a partir de 1º de janeiro sem tempo para aprofundar suas propostas de reformas que reduzam as deficiências sistêmicas do país. "As propostas dos candidatos até agora são muito genéricas. Desconfio que só serão aprofundadas para o segundo turno", diz Piva.
O estudo também identifica com precisão em que pontos deve se concentrar o esforço dos negociadores brasileiros. Trata-se de 24 famílias de produtos em que o Brasil é muito competente na fabricação, mas enfrenta maiores restrições nos países que comporão a Alca.

Famílias
São produtos como sapatos, aço, suco de laranja, entre outros. No total essas 24 famílias foram responsáveis por um faturamento, em 1999, de US$ 4,255 bilhões ou quase 76% do total exportado para os três países que formam o Nafta (Estados Unidos, Canadá e México), exatamente os mercados da futura Alca que mais interessam ao Brasil.
O estudo utilizou dados do período 1995/99, para cobrir tanto a fase em que o câmbio ficou supervalorizado, prejudicando as exportações e estimulando as importações (95/98), como o ano de 1999, em que a desvalorização cambial deveria ter invertido a situação (de fato o fez, mas em escala reduzida).
A Fiesp trabalhou apenas com as tarifas de importação, sem entrar, portanto, na questão das BNTs (Barreiras Não-Tarifárias), que, hoje, complicam mais as vendas brasileiras do que as tarifas propriamente ditas.
O estudo cita dados fornecidos pela Embaixada do Brasil em Washington, segundo os quais 49,49% dos produtos brasileiros exportados para o Nafta enfrentaram algum tipo de restrição não tarifária em 1999 (o último ano que o trabalho levou em consideração).
Significa dizer que mesmo que os Estados Unidos reduzam a zero suas tarifas para produtos brasileiros, quase 50% das exportações do país continuariam enfrentando barreiras.



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