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São Paulo, sábado, 26 de julho de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

A difícil recuperação da economia

GESNER OLIVEIRA

A recuperação da economia será mais demorada e difícil do que a brecada dos últimos dois trimestres. Depois do cavalo-de-pau, o motor do carro morreu e só vai pegar no tranco.
O desemprego recorde de cerca de um quinto da população economicamente ativa na região metropolitana de São Paulo divulgado nesta semana não deveria surpreender o ministro do Trabalho. Conforme foi afirmado nesta coluna em 19 de outubro do ano passado, o governo Lula seria mais realista do que o rei para abortar as expectativas de inflação do início do ano. Isso porque o PT não tinha reputação em responsabilidade fiscal e monetária. Essa carência custou ao país quase meio milhão de postos de trabalho.
O custo foi ainda maior do que o previsto porque, como seria de esperar, uma ampla parcela da base governista não acompanhou o presidente e os ministros da Fazenda e da Casa Civil. Consequentemente, o conservadorismo do núcleo duro do governo não foi tão eficiente para acalmar as expectativas inflacionárias porque outras áreas ainda rezavam pela velha cartilha do PT. Por exemplo, o discurso em telecomunicações, energia elétrica e reforma agrária se mantém em franco descompasso com a política macro.
Os juros elevados na política macro contraem a atividade econômica corrente. Os sinais equívocos na política micro inibem as decisões de investimento futuro. Não é por acaso que o índice de confiança dos empresários, medido pela CNI (Confederação Nacional da Indústria), se mantém baixo: 51,9 pontos em uma escala de 0 a 100, inferior ao do último trimestre de 2002 (58,9).
Igualmente preocupante é a forte contração do investimento direto estrangeiro. Segundo dados do Banco Central, a inversão estrangeira caiu 63% no primeiro semestre de 2003 relativamente a igual período de 2002. Isso diminui a qualidade do financiamento externo brasileiro.
Perdeu-se, por sua vez, a prioridade às exportações, perseguida no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, desligando o motor natural para a retomada da economia.
Outra luz amarela acendeu nesta semana. Quem acompanhou o noticiário percebeu uma onda de ações dos sem-teto, dos sem-terra e de movimentos de servidores e de juízes que sugerem um clima de desafio à autoridade e/ou ao direito de propriedade que desgastam as instituições e podem constituir fatores inibidores adicionais para o investimento privado.
O governo Lula reincide no erro do primeiro mandato de FHC de colocar todas as fichas em reformas estruturais de natureza complexa e de trâmite necessariamente lento. Nessa área, e a despeito da semana conturbada, que incluiu a Polícia Militar nos corredores da Câmara, conseguiu-se a leitura dos relatórios das emendas das reformas da Previdência e da Lei de Falências, persistindo dúvidas e confusão em relação à reforma tributária.
Falta, contudo, uma lógica global para as reformas. Na ausência desse fio condutor, que deveria ser precisamente a retomada do crescimento da produção e do emprego, o governo se torna alvo da crítica ligeira do petismo radical de que as reformas só atendem ao FMI e aos mercados.
Ironicamente, o PT, que é um partido historicamente com penetração na intelectualidade, carece hoje de intelectuais orgânicos no sentido que o pensador comunista italiano Antonio Gramsci deu a esse termo. Por sua vez, e em contraste com o período FHC, o mundo não oferece uma referência clara (certa ou errada, não importa), que possa ser emulada internamente.
Falta ao PT formular e persuadir suas próprias bases e/ou outros segmentos sociais de seu novo projeto. O núcleo duro recorre mais à dominação do que à hegemonia dentro de seus próprios quadros. Não há rumo definido. E a ausência de rumo é mortal para uma recuperação da economia.


Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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