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OPINIÃO ECONÔMICA
A difícil recuperação da economia
GESNER OLIVEIRA
A recuperação da economia será mais demorada e
difícil do que a brecada dos últimos dois trimestres. Depois do cavalo-de-pau, o motor do carro
morreu e só vai pegar no tranco.
O desemprego recorde de cerca
de um quinto da população economicamente ativa na região
metropolitana de São Paulo divulgado nesta semana não deveria surpreender o ministro do
Trabalho. Conforme foi afirmado
nesta coluna em 19 de outubro do
ano passado, o governo Lula seria
mais realista do que o rei para
abortar as expectativas de inflação do início do ano. Isso porque
o PT não tinha reputação em responsabilidade fiscal e monetária.
Essa carência custou ao país quase meio milhão de postos de trabalho.
O custo foi ainda maior do que
o previsto porque, como seria de
esperar, uma ampla parcela da
base governista não acompanhou
o presidente e os ministros da Fazenda e da Casa Civil. Consequentemente, o conservadorismo
do núcleo duro do governo não
foi tão eficiente para acalmar as
expectativas inflacionárias porque outras áreas ainda rezavam
pela velha cartilha do PT. Por
exemplo, o discurso em telecomunicações, energia elétrica e reforma agrária se mantém em franco
descompasso com a política macro.
Os juros elevados na política
macro contraem a atividade econômica corrente. Os sinais equívocos na política micro inibem as
decisões de investimento futuro.
Não é por acaso que o índice de
confiança dos empresários, medido pela CNI (Confederação Nacional da Indústria), se mantém
baixo: 51,9 pontos em uma escala
de 0 a 100, inferior ao do último
trimestre de 2002 (58,9).
Igualmente preocupante é a forte contração do investimento direto estrangeiro. Segundo dados
do Banco Central, a inversão estrangeira caiu 63% no primeiro
semestre de 2003 relativamente a
igual período de 2002. Isso diminui a qualidade do financiamento externo brasileiro.
Perdeu-se, por sua vez, a prioridade às exportações, perseguida
no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, desligando
o motor natural para a retomada
da economia.
Outra luz amarela acendeu
nesta semana. Quem acompanhou o noticiário percebeu uma
onda de ações dos sem-teto, dos
sem-terra e de movimentos de
servidores e de juízes que sugerem
um clima de desafio à autoridade
e/ou ao direito de propriedade
que desgastam as instituições e
podem constituir fatores inibidores adicionais para o investimento privado.
O governo Lula reincide no erro
do primeiro mandato de FHC de
colocar todas as fichas em reformas estruturais de natureza complexa e de trâmite necessariamente lento. Nessa área, e a despeito da semana conturbada, que
incluiu a Polícia Militar nos corredores da Câmara, conseguiu-se
a leitura dos relatórios das emendas das reformas da Previdência e
da Lei de Falências, persistindo
dúvidas e confusão em relação à
reforma tributária.
Falta, contudo, uma lógica global para as reformas. Na ausência
desse fio condutor, que deveria ser
precisamente a retomada do crescimento da produção e do emprego, o governo se torna alvo da crítica ligeira do petismo radical de
que as reformas só atendem ao
FMI e aos mercados.
Ironicamente, o PT, que é um
partido historicamente com penetração na intelectualidade, carece
hoje de intelectuais orgânicos no
sentido que o pensador comunista italiano Antonio Gramsci deu
a esse termo. Por sua vez, e em
contraste com o período FHC, o
mundo não oferece uma referência clara (certa ou errada, não
importa), que possa ser emulada
internamente.
Falta ao PT formular e persuadir suas próprias bases e/ou outros segmentos sociais de seu novo
projeto. O núcleo duro recorre
mais à dominação do que à hegemonia dentro de seus próprios
quadros. Não há rumo definido.
E a ausência de rumo é mortal
para uma recuperação da economia.
Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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