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ARTIGO
Greenspan pode ser lembrado como cúmplice da crise
PAUL KRUGMAN
Em seu depoimento de julho
ao Congresso sobre política
monetária, o presidente do Fed
(Federal Reserve, o BC dos EUA),
Alan Greenspan, foi cauteloso,
mas -levando em conta sua postura geralmente fúnebre- animado. "Apesar de as incertezas do
início do ano ainda não estarem
totalmente resolvidas", disse, "a
economia americana parece ter
suportado vários golpes. Não é de
surpreender que permaneçam os
efeitos depressores dos fatos recentes. Não obstante, os fundamentos estão implantados para
um retorno ao crescimento sustentado saudável."
Está bem, eu menti: essa citação
é de seu depoimento em julho de
2002, e não julho de 2003. É desnecessário dizer que o "crescimento saudável" não se materializou. Inabalável, ele disse mais ou
menos a mesma coisa na semana
passada -e o resultado foi reforçar uma enorme liquidação no
mercado de títulos, o que pode
minar a própria recuperação que
ele previu.
Eu costumava ser um grande
admirador de Greenspan. Mas algo deu errado com o maestro.
Seu depoimento na semana
passada foi surpreendente sob vários aspectos. Ainda há poucas
evidências de que uma forte recuperação esteja prestes a ocorrer.
Até onde posso entender, o otimismo de Greenspan se baseia
em modelos que prevêem que os
cortes fiscais e os baixos juros vão
animar a economia. Mas também
foi isso que os modelos disseram
no ano passado: o relatório que
acompanhou seu depoimento de
julho de 2002 previa um índice de
desemprego de 5,25% a 5,5% até o
final de 2003 (o índice está em
6,4%). Talvez os cortes de impostos principalmente para os ricos
não sejam tão eficazes quanto dizem os modelos.
Enquanto isso, a ajuda dos baixos juros parece estar evaporando. As taxas de hipotecas realmente caíram brevemente para
pisos históricos, ampliando o
boom de compra de imóveis e refinanciamento que ajudou a economia a manter a cabeça fora d'água. Mas desde meados de junho
as taxas vêm subindo rapidamente. Nesta semana as taxas para hipotecas de 30 anos atingiram seu
nível mais alto desde janeiro.
E Greenspan tem parte da responsabilidade. Até junho, as autoridades do Fed ajudaram a empurrar os juros para baixo precisamente ao não serem otimistas
demais -indicando que levam a
sério as preocupações com a deflação, que não consideram a recuperação um fato consumado.
Então surpreenderam com um
pequeno corte nas taxas dos fundos federais, medida que pareceu
sugerir que, afinal, acreditam que
a recuperação é garantida. O depoimento de Greenspan reforçou
essa impressão. Ainda assim, eu
estaria disposto a perdoar as recentes confusões de Greenspan se
não fosse pelo enorme prejuízo
fiscal que ele infligiu ao país nos
últimos anos.
Ajuda a Bush
Não esqueçamos que em 2001
Greenspan deu uma ajuda política crucial ao primeiro corte fiscal
de Bush, ao dizer que era necessário para impedir, sim, os superávits orçamentários excessivos e
um pagamento rápido demais da
dívida do governo. Ele deveria saber -não era difícil, mesmo na
época, descobrir que esses enormes superávits projetados eram
principalmente fantasia. Mas ele
fez malabarismos para encontrar
uma maneira de dar a seus amigos políticos o que queriam.
Ele poderia ter-se redimido mudando de opinião quando os superávits recordes se transformaram em déficits recordes, mas não
o fez. Greenspan ainda fala sobre
os malefícios dos déficits, mas se
recusa a dizer o óbvio: que, se um
dia quisermos equilibrar o Orçamento, muitos dos cortes fiscais
de Bush terão de ser invertidos
quando a economia se recuperar.
Em vez disso, Greenspan oferece
clichês sobre a restrição de gastos:
"Eu preferiria encontrar a situação em que os gastos fossem contidos, a economia estivesse crescendo e os cortes de impostos fossem capazes de ser iniciados sem
criar problemas fiscais" ("Eu preferiria um mundo em que Julia
Roberts telefonasse para mim",
retrucou o deputado Brad Sherman, "mas isso é muito improvável."). Em suma, o Orçamento está uma confusão, e Greenspan é
um dos principais culpados. E isso, como sugerem algumas pessoas com quem conversei, talvez
explique como ele avaliou tão mal
seu recente depoimento.
Legado em farrapos
A teoria deles é a seguinte:
Greenspan deve saber que seu legado está em farrapos -no ritmo
que vão as coisas, a história se
lembrará dele não como o maestro da nova economia, mas como
um cúmplice do mergulho dos
EUA na dívida. Por seu amor-próprio, ele tem de acreditar que
as coisas de alguma forma vão dar
certo. Daí seu súbito e destruidor
surto de otimismo.
É apenas uma teoria. O que não
é teoria é que Greenspan tem
muito a explicar.
Paul Krugman, economista, é professor na Universidade Princeton (EUA) e colunista do "New York Times".
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves
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