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OPINIÃO ECONÔMICA
Modelo para a agência de defesa da concorrência
GESNER OLIVEIRA
O grupo de trabalho criado
pelo governo para elaborar
projeto de agência de defesa do consumidor e da concorrência reuniu-se pela primeira vez na última terça-feira. No mesmo dia, o Instituto
Brasileiro de Relações de Consumo
e Concorrência (Ibrac) promoveu
debate entre profissionais da área
acerca das recentes alterações introduzidas no combate aos cartéis e de
possíveis sugestões de reforma da
atual lei 8.884/94.
Parece oportuno, neste momento
de revisão da legislação brasileira,
verificar a experiência internacional na matéria. Destaca-se, entre as
várias questões em discussão, a definição do número de órgãos de defesa da concorrência que se pretende manter.
O Brasil é pródigo em siglas. Há
três órgãos incumbidos de defender
o mercado: o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e
a Secretaria de Direito Econômico
(SDE), ambos do Ministério da Justiça, e a Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae), do Ministério da Fazenda. Além disso, diversas agências regulatórias, como a
Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvs),
para citar apenas duas, detêm competências específicas em segmentos
regulados.
A divisão de trabalho entre Cade,
SDE e Seae está associada à separação entre investigação e julgamento. A SDE inicia e conduz a investigação auxiliada pela Seae, enviando o processo ao Cade para decisão.
Nos casos de exames de fusões, como a da AmBev, ou de aquisições,
como a da Kolynos, as duas secretarias emitem pareceres não-vinculativos, que, juntamente com as demais informações relevantes, são
apreciados pelo Plenário do Cade,
composto por um presidente e seis
conselheiros.
Na prática, esse sistema se revelou
excessivamente fragmentado e burocrático, acarretando duplicação
(ou, às vezes, triplicação) de tarefas
e desperdício de recursos. Diante de
tantas siglas e guichês, as empresas
não sabem a quem recorrer; já houve caso em que, para evitar problemas, deu-se entrada em quatro órgãos simultaneamente! Dada a
enorme fragmentação, os administrados e o público em geral não têm
uma referência conhecida para
eventuais denúncias e reclamações.
Nem sempre se verifica uma adequada coordenação entre os três órgãos, a qual, por sua vez, é requerida a cada momento, nas relações
com o público, empresas, demais
órgãos da administração pública e
crescentemente com organismos internacionais ou meramente na solicitação de informações ao mercado. No exame de atos de concentração, por exemplo, chegou-se a exigir
o preenchimento de dois formulários distintos para analisar uma
mesma operação.
A experiência dos últimos seis
anos sugere a necessidade de uma
fusão entre as autoridades existentes. Recente estudo comparado, elaborado no Núcleo de Pesquisa da
Fundação Getúlio Vargas, revelou
que a maioria das jurisdições estudadas (22, incluindo a União Européia) tem uma única agência de
defesa da concorrência na esfera
administrativa, sempre havendo
possibilidade de recurso ao Judiciário. Nos EUA, onde existem duas
entidades (o Departamento de Justiça e a Federal Trade Commission), não há duplicação de tarefas
para cada processo individual.
Em contraste, 14 dos países estudados na referida pesquisa, como
França, Portugal e Espanha, têm
mais de um órgão de defesa da concorrência. O objetivo é manter separados investigação e o julgamento, atribuindo, com frequência, o
primeiro papel a uma secretaria da
administração central (como a
SDE no Brasil) e a decisão a uma
corte administrativa, como o Cade,
no Brasil, ou o Conselho da Concorrência, na França.
A autonomia entre as funções de
investigação e julgamento é saudável. No entanto ela pode ser obtida
sob o teto de uma mesma agência
com a vantagem de menores custos
administrativos e de coordenação.
No caso brasileiro, bastaria transferir para o Cade os segmentos das secretarias responsáveis pela investigação, colocando-os sob a responsabilidade de um secretário de investigação. Diferentemente daquilo
que ocorre com os titulares da Seae
e da SDE no sistema atual, esse novo secretário de investigação não
poderia ser demitido pelo ministro
ou pelo presidente da República,
detendo mandato fixo após ser indicado pelo presidente e sabatinado
pelo Senado Federal, de forma semelhante ao que se faz hoje com os
conselheiros, presidente e procurador-geral do Cade.
Seria igualmente importante garantir a independência desse secretário de investigação relativamente
ao Plenário do Cade de forma semelhante àquilo que já ocorre com
o procurador-geral do Cade. Isto é,
o parecer do secretário de investigação poderia divergir daquele do
Conselho (como frequentemente já
ocorre com a opinião do procurador-geral do Cade). Tal sistema deveria assegurar, no entanto, mais
coordenação de ações e estrita observância dos prazos processuais.
Há várias agências com tais características, destacando-se entre as
mais modernas e ativas a da Itália.
Além da economia de recursos e
maior independência que uma reforma desse tipo produziria, uma
agência única poderia coordenar
mais facilmente suas atividades
com as autoridades regulatórias,
como com as já citadas anteriormente e com outras existentes ou
prestes a ser constituídas.
Dada a especificidade de cada
segmento regulado, não seria aconselhável fundir todos os órgãos em
uma superagência. No entanto,
com uma agência única, seria mais
fácil conceber critérios claros de divisão de tarefas entre os diversos reguladores e a autoridade antitruste.
A constituição de uma agência
única não constitui panacéia em
nenhum lugar do mundo. Restariam os formidáveis desafios de dotá-la de recursos materiais e humanos, bem como desenvolver sólida
jurisprudência. Porém a racionalização do trabalho e a redução do
papelório constituem passos necessários no longo processo de construção de instituições regulatórias adequadas no Brasil.
Gesner Oliveira, 44, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-SP e ex-presidente do Cade.
E-mail - gesner@fgvsp.br
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