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São Paulo, sexta-feira, 26 de setembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

A questão das agências reguladoras

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Finalmente o governo resolveu enfrentar a questão das agências reguladoras respeitando a opinião pública. Depois de vários meses em que membros importantes do governo, inclusive o sr. presidente da República, usaram uma linguagem de palanque eleitoral para criticar a opção feita, pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, por esse instrumento de modernização do Estado brasileiro, chegamos agora a uma situação aceitável. O Palácio do Planalto divulgou e colocou sob consulta pública dois anteprojetos de lei sobre esse tema, que serão encaminhados ao Congresso para deliberação.
Esta coluna, que enfrentou quase isolada os ataques brutais contra as agências, sente um gosto saboroso de vitória com essa rendição do governo aos nossos valores republicanos. Afinal, o presidente Lula e seu partido têm toda a legitimidade para modificar as normas que regulam o funcionamento das agências, desde que o faça seguindo as regras da democracia brasileira. No grito, por meio da imprensa e usando a leviandade e a demagogia como instrumentos para tentar influenciar a opinião pública, é que não pode ser.
Herdamos do governo FHC um entendimento incompleto sobre as funções das agências reguladoras. Os debates que ocorreram dentro da equipe do presidente tucano dividiram os defensores desse caminho em dois grupos. Podemos descrevê-los usando o corte tradicional entre esquerda e direita.
Para alguns, as agências seriam um instrumento para tirar da área de influência do Executivo -e, portanto, dos políticos- o controle sobre setores da economia como o da energia elétrica, das telecomunicações e do setor de petróleo; a independência das agências garantiria essa separação.
Para outros, esse novo mecanismo deveria ser usado apenas para garantir que os contratos de concessões públicas, em setores da infra-estrutura que exigissem prazos longos para sua viabilização, ficassem livres da dinâmica política que uma democracia, como a brasileira, impõe. Mas ficava respeitado o princípio segundo o qual o povo tem a liberdade para escolher, a cada quatro anos, a linha política e as propostas de seus governantes.
Em outras palavras, para alguns, as agências poderiam servir para mudar a natureza mais profunda da forma como opera o Executivo em nosso país; para outros, era apenas uma mudança institucional no sentido de garantir os compromissos de longo prazo assumidos pelo governo eleito e, portanto, legítimo para assumir essas obrigações.
Essas questões aparecem agora de maneira muito clara no debate que se seguiu à divulgação dos anteprojetos preparados pelo governo Lula. Para alguns, a regulamentação proposta reduz o grau de independência das agências na medida em que se vincula a figura do ouvidor à Presidência da República, em razão do contrato de gestão com os ministérios setoriais e da relação de ONGs com as agências. Seria, portanto, um retrocesso em relação à legislação atual e uma volta atrás no tempo.
Não é a minha opinião. Sempre defendi nos anos FHC a idéia de que as agências deveriam ter sua atuação restrita à fiscalização e à tomada de medidas que respeitassem e fizessem cumprir as obrigações assumidas por governo e empresas, nos contratos de concessão de serviços públicos. Apesar de independentes para executar essas funções, as agências deveriam prestar contas de suas ações ao Congresso e aos órgãos de defesa da concorrência e do direito do consumidor.
As propostas apresentadas pelo governo atendem a essas minhas expectativas. Elas têm um problema porque transferem para o Executivo funções que, em outros países, são do Poder Legislativo. Esse ponto certamente será revisto quando das discussões no Congresso. Mas não me incomodam questões como a de atribuir responsabilidade ao Executivo para realizar as licitações para concessão de serviços públicos. Isso é uma função do governo, e não das agências. Mesmo o potencial conflito de interesses, no caso de empresas estatais que participam de licitações comandadas pelos ministérios, pode ser minimizado na medida em que esse processo será feito por meio de leilões, com regras estabelecidas por antecedência e sujeitas a consultas públicas transparentes. Qualquer desvio será de conhecimento da opinião pública e poderá ser denunciado.
Creio que o mais importante em relação a esses anteprojetos de lei é que voltamos a trilhar os caminhos de nossa democracia republicana e o governo deixou de lado, claramente por pressão da opinião pública, os desvios da demagogia e da democracia direta.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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