São Paulo, sábado, 26 de setembro de 1998

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LETRA CAPITAL

Coletânea revela Krugman acessível

MARCELO LEITE
especial para a Folha

Paul Krugman ainda não é o Carl Sagan da economia, mas, a julgar pela exposição que vem obtendo na imprensa mundial, depois da crise financeira iniciada em 1997, não parece assim tão longe do objetivo. Sim, porque ele imodestamente se queixa desse vazio de celebridade em seu campo de trabalho logo na segunda página deste livro divertido:
"Deveria haver mais escritos sobre economia acessíveis, interessantes e até excitantes (...). Em várias questões, incluindo algumas em que as paixões sobem alto, a economia oferece "insights' surpreendentemente iluminadores, "insights' que poderiam com algum esforço (está bem, com muito esforço) ser explicados sem jargão. A explicação, no entanto, não aparece. Somos uma profissão sem popularizadores".
Krugman promete e entrega, à diferença da maioria de seus pares brasileiros que escrevem sobre economia para o público. Consegue ser razoavelmente acessível, muito interessante e esclarecedor, nessa coletânea de artigos escritos de 95 a 98 para publicações como "Slate" (revista da Internet, na qual tem uma coluna mensal, "The Dismal Science"), "The New York Times", "The Economist" e "Foreign Affairs".
Quanto a ser excitante... Bem, se a sua noção de excitação comportar doses cavalares de ironia e didatismo, você vai sentir-se em plena Casa Branca lendo Krugman.
Para quem está com os nervos à flor da pele, sem poder desgrudar os olhos da cotação das Bolsas e da saída de dólares do Brasil, a recomendação é ir direto à quinta seção do livro e, nela, ao ensaio "Bahtulismo: Quem envenenou os mercados monetários da Ásia?". Saboreie detalhes como o trocadilho com botulismo e o fato de Krugman chamar George Soros de "palindrômico" (por causa da conformação das letras de seu sobrenome), mas não perca a descrição (pág. 147) de mais de um ano atrás que parece feita sob medida para o Brasil de hoje:
"Crises monetárias frequentemente provocam reações histéricas em funcionários do governo. Um dia a economia do país está indo na flauta, seus bonds são AAA, você tem bilhões de dólares em reservas bem enfurnadas. De repente as reservas estão rapadas, ninguém quer comprar seu papel e você só consegue manter dinheiro no país aumentando a taxa de juros a níveis indutores de recessão. Como as coisas podem dar errado tão rápido?".
É mesmo, como? O próprio Krugman anda agora dizendo que o Brasil não é bem a Rússia, mas sua advertência de um ano atrás soa francamente desoladora, como sua ciência: "Uma crise é simplesmente o modo com que o mercado diz a um governo que suas políticas não são sustentáveis". FHC, Pedro Malan e Gustavo Franco que o digam.
O melhor do livro, aquela parte que mais se aproxima da pretensão inicial, é a última, "Além do Mercado". São seis textos inspirados em que o autor aplica fundamentos de economia para lançar nova luz sobre questões como efeito estufa, congestionamentos de veículos, democracia representativa e saúde pública. Não é exagero qualificar esses microensaios como iluministas, no melhor sentido, embora economistas, empresários e colunistas brasileiros sérios talvez preferissem enquadrá-los como perfumaria.
O raciocínio básico é que, sempre que há escassez de um bem (frequências para telecomunicações, ar limpo, estradas descongestionadas, água doce, florestas tropicais etc.), a disputa pelo recurso só poderá ser racionalmente resolvida pela instituição de direitos de propriedade e, consequentemente, de um mercado para eles, na forma de leilões, quotas comercializáveis de uso, pedágios.
"Mas os congestionamentos de trânsito não são só um fato da vida?", pergunta na pág. 175. "Não: em grande parte são o resultado de um sistema que, como o tributário, encoraja as pessoas a tomar decisões economicamente ineficientes." Mais adiante, o desafio: "Por que então não há nenhum político conservador de expressão por aí fazendo campanha com a plataforma de estender princípios do livre mercado, de criar direitos de propriedade onde deveriam existir, mas não existem?".

A OBRA

"The Accidental Theorist - And Other Dispatches from the Dismal Science" - Paul Krugman. W.W. Norton & Company, Nova York, 1998. 204 págs. US$ 25,00.



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