São Paulo, terça-feira, 26 de outubro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF

As mágicas simplificadoras

A proposta de permitir a abertura de contas em dólar no Brasil faz parte daquele repertório amplo de soluções mágicas que constitui o cerne do marketing dos planos econômicos. Esqueça que a economia é uma realidade complexa, com muitas variáveis interligadas, reduza a realidade do país a um ou dois problemas isolados, apresente uma saída simples e nem se importe em especular sobre como será o dia seguinte, porque aí a solução, por deixar de ser simples, perde a magia.
A lógica por trás dessa proposta da conversibilidade é que o país precisa criar poupança de longo prazo. O que impediria seriam as incertezas em relação à moeda nacional. Se a referência fosse uma moeda externa, essa incerteza desaparecia e se criaria magicamente a poupança de médio prazo.
Hoje em dia, existe uma vigorosa indústria de fundos no país, tanto de investimentos como de previdência. O país está a caminho de começar a ter poupança de longo prazo em moeda local. O que impede são as elevadas taxas de juro para o curto prazo. Só que o raciocínio desse pessoal é permanentemente capenga, porque, por questão ideológica, está proibido envolver taxas de juros no debate de política econômica.
O segundo ponto é entender para que se quer poupança de longo prazo. Certamente não é um objetivo em si, mas um instrumento de financiamento do investimento de longo prazo.
Se se cria uma estrutura de passivos bancários dolarizados, na outra ponta há que criar uma estrutura de ativos também dolarizados. E quem será o tomador? Hoje em dia, grande parte das empresas brasileiras que captaram no exterior está quitando seus financiamentos, substituindo por crédito interno, pelo fato de a grande fonte de instabilidade da economia não ser a tal "incerteza jurisdicional", mas a volatilidade do câmbio, que se torna perigosa quando se tomam empréstimos em dólar e se geram receitas em reais.
Com a plena conversibilidade, haverá a migração imediata da poupança para a moeda mais forte, o dólar. Na outra ponta, para evitar descasamento, a empresa tomadora interna terá que gerar receitas em dólar. O que se propõe? Financiar apenas empresas exportadoras? Dolarizar a economia? Fixar o câmbio, que nem a fórmula mágica de Cavallo?
A segurança do investimento não reside apenas na referência de valor, mas no ativo em que se vai aplicar. Com a plena conversibilidade, o que é mais seguro: a Gol ou a GE, a CSN ou a Microsoft? Qual o risco de, em vez de gerar poupança de longo prazo internamente, exportar poupança?
Pode ser que os autores -Bacha-Arida-Lara Rezende- tenham pensado no dia seguinte. Pode ser que, a exemplo do Cruzado e do Real, eles não tenham a menor idéia sobre o dia seguinte. Para ter uma discussão séria e para propor o fim de todas as formas de poupança de longo prazo em reais -como fazem-, o mínimo que se espera é que saiam do problema único e da solução simples e desenvolvam suas hipóteses pensando a economia real com todas as suas variáveis.

E-mail -
Luisnassif@uol.com.br


Texto Anterior: Outro lado: Governo nega risco de crise energética no país até 2008
Próximo Texto: Receita ortodoxa: Mercado vê inflação maior, apesar de aumento dos juros
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.