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OPINIÃO ECONÔMICA
Referendo ou reverendo?
PAULO RABELLO DE CASTRO
Os brasileiros estamos de
parabéns. Afinal, o referendo do último domingo ultrapassou as melhores previsões de afirmação democrática. Não posso
deixar de confessar esse otimismo, e isso nada tem a ver com o
conceito de resposta certa, sim ou
não. Importante foi o processo.
Muitos atribuem ao público um
certo comportamento bovino.
Dessa feita, a turma do "sim" tinha tudo para levar, pela conjunção algo feliz entre governo, artistas, boa parte da mídia, a emoção, quase tudo alinhado com a
afirmação da proibição ao comércio de armas.
Mas a maioria absoluta escolheu outro caminho. Ricos, pobres, negros, brancos, reacionários, pacifistas, homens e mulheres cravaram o "não". Ficaram
faltando menos de três pontos
percentuais para a maioria absoluta de votos.
Que isso tem a ver com a economia e a política econômica? Acho
que muita coisa se pode aprender
com a virada do referendo. O povo, questionado, não quis trocar
sua liberdade por qualquer outro
bem maior. Liberdade defendida
em tese, o que é mais impressionante, já que a imensa maioria
que votou "não" jamais portou
ou portará um revólver. É como
se o público cantasse: "Viver não é
preciso; respirar liberdade, isso
sim, é preciso".
Quase de imediato, os intérpretes do fenômeno têm apontado
um juízo de valor sobre a política
de segurança pública, falha como
é, em nosso país. Vejo que o recado de domingo vai bem mais longe. O "não" abrange um rol bem
mais amplo de repúdios às falsas
trocas entre a liberdade e a estabilidade, a liberdade e a segurança,
a liberdade e a limitação do crescimento. Digamos, por hipótese,
que tivéssemos a coragem de abusar da paciência do nosso povo,
submetendo a plebiscito o uso dos
juros como política de limitação
de contenção dos preços internos,
ou seja, os juros como arma de
uso ilimitado de contenção da inflação.
Desconfio de que a permissão à
atuação ilimitada do Banco Central com sua política de juros altos
começaria com um permissivo
"sim" e terminaria com um memorável "não" de condenação ao
excesso de interferência do governo na formação dos juros e dos
preços internos. De pronto, prevaleceria o que o povo enxerga na
frente, como argumento para o
"sim" concessivo, pois é obvia a
relação entre o freio dos juros praticados e a aparente vantagem
capturada nos preços quase estáveis da cesta básica. O governo
pretende mostrar esse discurso no
próximo ano. O presidente anterior, dos primeiros anos do Real,
também foi reeleito com o discurso colado no controle absoluto da
inflação.
Por trás, entretanto, permanece
a sombra do custo verdadeiro da
política de juros: o governo não
fez seu dever de casa no campo
fiscal, ao gastar muitos bilhões
além da conta e redistribuir fartamente recursos de quem não
tem para quem tem contas de investimento financeiro, criando
um freio colossal sobre o câmbio,
que desgoverna segmentos inteiros, como a agricultura, e dando
um claro sinal de encarecimento
da produção nacional sobre a
mão-de-obra importada. Esconde todos esses defeitos da sua política de "estabilização" atrás do
biombo da segurança antiinflacionária, esperando que a estabilidade do gasto no supermercado
compense ao cidadão-eleitor a
percepção do estreitamento das
oportunidades de produção e emprego no país.
Por enquanto, votam nesse referendo sobre a política de juros
apenas nove eleitores, os componentes do Copom -o Comitê de
Política Monetária. Mas, em outubro de 2006, votarão 120 milhões de pacientes dessa política.
Embora o confronto de idéias não
seja tão nítido hoje, na perspectiva de um ano à frente, a atual opção pelo caminho da estabilidade,
a custo proibitivo, será posta à
prova pelos argumentos do
"não".
O teste da razão será lançado
aos eleitores brasileiros uma vez
mais. Não imagino que o público
reaja como fizeram os infelizes seguidores do reverendo Jim Jones,
ao acatar a ordem do líder, ingerindo, sem pestanejar, entre cânticos, o veneno da morte. Os corpos dos seguidores de Jim Jones
foram encontrados espalhados,
abatidos pela escolha da sua servidão ao reverendo.
No domingo passado, o público
brasileiro revelou que votou na
vida (o "sim") e também na liberdade (o "não"). Entre a vida e a
liberdade, no referendo prevaleceu a liberdade. No próximo ano,
outro referendo ocorrerá: os eleitores vão julgar os efeitos da política de juros ante a oportunidade
de progresso e liberdade. E não
haverá reverendo na parada.
Paulo Rabello de Castro, 56, doutor em
economia pela Universidade de Chicago
(EUA), é vice-presidente do Instituto
Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também o
conselho da consultoria GRC Visão. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
E-mail -
rabellodecastro@uol.com.br
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