São Paulo, quinta-feira, 26 de outubro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Sobre o segundo governo Lula

Vai ser necessário arejar a diretoria do BC, o grande reduto remanescente da mentalidade anticrescimento

DE PASSAGEM por Florianópolis, encontro por acaso o vice-presidente José Alencar num restaurante. Conversamos um pouco sobre um segundo mandato de Lula, mas ele, prudente, logo lembrou o provérbio mineiro: "Eleição e mineração, só depois da apuração".
Não estou, porém, com a mínima vontade de ser mineiro hoje. A eleição de domingo é passado. O que interessa agora é o rumo que o governo Lula tomará de 2007 em diante. Vamos, primeiramente, descartar cenários tipo Regina Duarte. Alguns ainda alimentam o temor (ou a esperança, dependendo do enfoque) de uma "chavização" do governo.
Reforçado e até empolgado pela reeleição, o presidente mostraria supostamente sua "verdadeira face" e adotaria políticas populistas, mais agressivas, francamente esquerdistas, inspiradas em parte no exemplo do presidente Hugo Chávez, da Venezuela. De acordo com essa versão, Lula tentaria até mesmo eternizar-se no poder, lutando por uma emenda constitucional que permitisse a eleição para um terceiro mandato presidencial consecutivo.
Fantasias. O presidente não teria condições políticas de seguir esse caminho. A resistência seria ferocíssima. Mais do que isso: esse cenário de "chavização" não combina com o estilo e o temperamento do presidente, que é um cauteloso, um conciliador. Lula já mostrou em diversas ocasiões que não gosta de correr grandes riscos e que tem uma noção acurada (talvez até exagerada) dos limites do seu poder real.
Além do mais, a sua reeleição, provavelmente por larga margem, será entendida, acredito, como uma confirmação do estilo gradualista do primeiro mandato. Vou mais longe: não é plausível sequer um cenário menos dramático, de "kirchnerização" do governo Lula, isto é, de adoção de políticas macroeconômicas mais ou menos heterodoxas, semelhantes às que vêm sendo seguidas pelo governo de centro-esquerda de Néstor Kirchner. Na Argentina, essas políticas resultaram em rápida expansão do PIB, ao ritmo anual médio de quase 9% nos últimos quatro anos, ainda que à custa de alguma aceleração da inflação (a taxa de inflação subiu para 12% em 2005).
O meu temor é outro: o de que ocorra uma recaída no paloccismo, isto é, nas políticas estagnacionistas e conformistas, que despertam os aplausos e a confiança dos mercados financeiros e da tenebrosa turma da bufunfa, mas que têm levado o Brasil a crescer a taxas medíocres, muito inferiores ao nosso potencial e às que vêm sendo observadas no resto do planeta, particularmente nas principais economias emergentes. Como comentou certa vez um ministro do atual governo, é importante manter os mercados financeiros relativamente tranqüilos, mas não é preciso bajulá-los.
A recaída no paloccismo seria uma lástima. Com a entrada de Guido Mantega, e apesar das dificuldades naturais em um ano eleitoral, iniciou-se uma renovação cautelosa no Ministério da Fazenda. Mantega mostra-se habilidoso e vem trazendo aos poucos sangue novo para o governo, confiando alguns postos-chave do seu ministério a pessoas competentes e comprometidas com uma visão desenvolvimentista.
Em 2006, começou na Fazenda, com mais de três anos de atraso, o processo bem-sucedido de mudança que aconteceu no Itamaraty desde 2003 e que permitiu dar nova orientação à política internacional do país.
Chega de marcar passo. Há condições de acelerar o crescimento da economia brasileira. As empresas têm capacidade produtiva ociosa. As taxas de desemprego e subemprego da força de trabalho ainda são muito altas. A inflação foi domada; neste ano, teremos provavelmente uma taxa de inflação inferior à dos EUA!
As contas externas do país estão fortes. As nossas reservas internacionais subiram para mais de US$ 70 bilhões. Diminuiu bastante a vulnerabilidade externa da economia. Houve algum progresso no ajustamento das contas públicas. O cenário internacional continua favorável, tanto no que diz respeito a comércio como a finanças. Falta, evidentemente, um pequeno e incômodo detalhe: vai ser necessário arejar um pouco a diretoria do Banco Central, o grande reduto remanescente da mentalidade anticrescimento dentro do governo.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 51, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/ Elsevier, 2005).
pnbjr@attglobal.net


Texto Anterior: Carga tributária é principal preocupação da indústria, aponta sondagem da CNI
Próximo Texto: Vinicius Torres Freire: Copos vazios e copos cheios
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.