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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Sobre o segundo governo Lula
Vai ser necessário arejar a diretoria do BC, o grande reduto remanescente da
mentalidade anticrescimento
DE PASSAGEM por Florianópolis, encontro por acaso o vice-presidente José Alencar
num restaurante. Conversamos um
pouco sobre um segundo mandato
de Lula, mas ele, prudente, logo
lembrou o provérbio mineiro:
"Eleição e mineração, só depois da
apuração".
Não estou, porém, com a mínima
vontade de ser mineiro hoje. A eleição de domingo é passado. O que interessa agora é o rumo que o governo Lula tomará de 2007 em diante.
Vamos, primeiramente, descartar
cenários tipo Regina Duarte. Alguns
ainda alimentam o temor (ou a esperança, dependendo do enfoque)
de uma "chavização" do governo.
Reforçado e até empolgado pela
reeleição, o presidente mostraria
supostamente sua "verdadeira face" e adotaria políticas populistas,
mais agressivas, francamente esquerdistas, inspiradas em parte no
exemplo do presidente Hugo Chávez, da Venezuela. De acordo com
essa versão, Lula tentaria até mesmo eternizar-se no poder, lutando
por uma emenda constitucional
que permitisse a eleição para um
terceiro mandato presidencial consecutivo.
Fantasias. O presidente não teria
condições políticas de seguir esse
caminho. A resistência seria ferocíssima. Mais do que isso: esse cenário de "chavização" não combina
com o estilo e o temperamento do
presidente, que é um cauteloso, um
conciliador. Lula já mostrou em diversas ocasiões que não gosta de
correr grandes riscos e que tem uma
noção acurada (talvez até exagerada) dos limites do seu poder real.
Além do mais, a sua reeleição, provavelmente por larga margem, será
entendida, acredito, como uma confirmação do estilo gradualista do
primeiro mandato.
Vou mais longe: não é plausível
sequer um cenário menos dramático, de "kirchnerização" do governo
Lula, isto é, de adoção de políticas
macroeconômicas mais ou menos
heterodoxas, semelhantes às que
vêm sendo seguidas pelo governo
de centro-esquerda de Néstor
Kirchner. Na Argentina, essas políticas resultaram em rápida expansão do PIB, ao ritmo anual médio de
quase 9% nos últimos quatro anos,
ainda que à custa de alguma aceleração da inflação (a taxa de inflação
subiu para 12% em 2005).
O meu temor é outro: o de que
ocorra uma recaída no paloccismo,
isto é, nas políticas estagnacionistas
e conformistas, que despertam os
aplausos e a confiança dos mercados financeiros e da tenebrosa turma da bufunfa, mas que têm levado
o Brasil a crescer a taxas medíocres,
muito inferiores ao nosso potencial
e às que vêm sendo observadas no
resto do planeta, particularmente
nas principais economias emergentes. Como comentou certa vez um
ministro do atual governo, é importante manter os mercados financeiros relativamente tranqüilos, mas
não é preciso bajulá-los.
A recaída no paloccismo seria
uma lástima. Com a entrada de Guido Mantega, e apesar das dificuldades naturais em um ano eleitoral,
iniciou-se uma renovação cautelosa
no Ministério da Fazenda. Mantega
mostra-se habilidoso e vem trazendo aos poucos sangue novo para o
governo, confiando alguns postos-chave do seu ministério a pessoas
competentes e comprometidas
com uma visão desenvolvimentista.
Em 2006, começou na Fazenda,
com mais de três anos de atraso, o
processo bem-sucedido de mudança que aconteceu no Itamaraty desde 2003 e que permitiu dar nova
orientação à política internacional
do país.
Chega de marcar passo. Há condições de acelerar o crescimento da
economia brasileira. As empresas
têm capacidade produtiva ociosa. As
taxas de desemprego e subemprego
da força de trabalho ainda são muito
altas. A inflação foi domada; neste
ano, teremos provavelmente uma
taxa de inflação inferior à dos EUA!
As contas externas do país estão fortes. As nossas reservas internacionais subiram para mais de US$ 70
bilhões. Diminuiu bastante a vulnerabilidade externa da economia.
Houve algum progresso no ajustamento das contas públicas. O cenário internacional continua favorável, tanto no que diz respeito a comércio como a finanças.
Falta, evidentemente, um pequeno e incômodo detalhe: vai ser necessário arejar um pouco a diretoria
do Banco Central, o grande reduto
remanescente da mentalidade anticrescimento dentro do governo.
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 51, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/
Elsevier, 2005).
pnbjr@attglobal.net
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