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São Paulo, quarta-feira, 26 de novembro de 2003

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LUÍS NASSIF

Mandrake era aprendiz

Vamos a alguns exemplos do malabarismo retórico a que foi reduzida a defesa do atual modelo econômico, até como subsídio para algum estudioso que pretenda, no futuro, analisar discurso econômico, ética e política.
Capital externo - multinacionais atuam no setor de bens duráveis, semiduráveis, serviços, transportes e infra-estrutura. Preferem muito mais setores não regulados aos regulados. O modelo não conseguiu atrair poupança externa, a não ser para privatização e compra de empresas. Em artigo no "Estado de S. Paulo", o professor Rogério Werneck, da PUC-RJ, faz uma defesa candente do modelo econômico, desanca todos os demais setores do governo e atribui a ausência de capital externo à falta de rapidez na regulamentação de concessões. E por que o capital não entra nos demais setores, se o modelo é virtuoso? Por que o professor não analisa o peso dos juros e tributos na decisão de investir e os receios manifestos em relação à progressão da dívida pública -fruto da taxa de juros praticada?
Desvalorização cambial - em entrevista ao "Estado de S. Paulo", o economista Eduardo Giannetti da Fonseca, ao repetir o ex-ministro Pedro Malan, sustenta que o governo não controla o câmbio real. A uma desvalorização cambial corresponde uma inflação interna que anula os efeitos do câmbio. Todas as evidências sobre desvalorizações cambiais no Brasil desde 1983 -inclusive nos períodos de superinflação e superindexação- comprovam o oposto. Por que Giannetti e Malan dizem o contrário? Por falta de conhecimento? Certamente, não.
Crise fiscal do Estado - naquela que talvez seja a obra-prima do pensamento cabeça de planilha, em artigo no "Valor", o economista Fabio Giambiagi aborda a questão da "demanda por magia" pela mídia (a mídia que propõe a mudança do modelo, não a que acreditou que bastava abrir para crescer), garante que "o Brasil não tem um problema de modelo econômico" e sustenta que "o que o país tem -e isso afeta a percepção da população, especialmente nos grandes centros urbanos- é um grave problema de falta de segurança". Algo a ver com a falta de verbas para segurança, assim como para saúde, educação, tecnologia? Claro que não, já que o modelo é virtuoso. "A solução passa por atacar o problema da impunidade e ter um sistema que aumente a probabilidade de o indivíduo: a) ser preso; b) ser condenado a uma pena elevada; e c) ficar de fato na prisão."
Para resolver esse problema, provavelmente bastará um aditivo na lei ordenando que o criminoso se considere proibido de fugir quando faltar gasolina para o camburão. Ou que, na falta de recursos para penitenciárias, aceite se hospedar na casa de Giambiagi.
Ajuste fiscal - o secretário de Política Econômica, Marcos Lisboa, diz que o ajuste fiscal deste ano é virtuoso porque ocorreu com corte de despesas, e não aumento de impostos. As despesas cortadas foram em educação, saúde, tecnologia, infra-estrutura. Como são despesas essenciais, além de seu conteúdo fundamentalmente anti-social, criam-se passivos nessas áreas que terão que ser cobertos com muito mais recursos no futuro e mais atraso no presente.
Mandrake era aprendiz perto desse pessoal.

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