São Paulo, sexta-feira, 26 de novembro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Taxa de câmbio, os dilemas do governo

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Surpreendeu a maioria dos analistas o anúncio formal feito pelo Banco Central, na última quarta-feira, de que o Tesouro Nacional vai comprar no mercado os dólares necessários para pagar parte importante do serviço de sua dívida externa em 2005. O sentimento de contrariedade a essa volta do intervencionismo nos mercados estava patente nos comentários que li ao longo da quinta-feira. Mais uma vez, a pureza do sistema de metas para a inflação estaria sendo conspurcada, em nome da defesa de interesses privados -nesse caso, o dos exportadores brasileiros-, dizem os mais radicais defensores do purismo liberal em nosso país.
Vejamos com um pouco mais de detalhe a questão do regime cambial de um país, como o Brasil, neste início de década. A alternativa mais eficiente existente hoje é o chamado regime livre da taxa de câmbio. Nesse modelo, os preços flutuam de acordo com as chamadas forças de mercado, refletindo a cada momento o equilíbrio entre fatores econômicos de natureza interna e externa. A partir dessa primeira escolha, podemos, entretanto, seguir dois caminhos alternativos: o da livre flutuação dos preços ou o sistema de flutuação suja, em que existe a possibilidade de atuação do governo.
A escolha entre esses dois caminhos depende de uma opção estratégica, de natureza ideológica e feita pela sociedade por meio de seus governos nacionais. De um lado, os que entendem ser as forças de mercado livres de qualquer outra interferência o melhor caminho para a definição da taxa de câmbio de equilíbrio de longo prazo e a melhor forma de desenvolver a vocação de uma determinada economia.
Do outro, os que entendem que movimentos de curto prazo, de natureza especulativa, podem interferir no desenvolvimento de longo prazo do comércio exterior do país por meio de disfunções momentâneas. Essa possibilidade é real e tem se tornado mais e mais freqüente no mundo global de hoje, em razão do extraordinário volume de capitais que andam pelo mundo à procura de operações especulativas. Quando isso ocorre, a intervenção do governo serve como um contraponto momentâneo e pode até desencorajar esses movimentos especulativos.
Não se trata aqui, pelo menos no meu entendimento, desse caminho de defender uma determinada paridade da taxa de câmbio. Também não se deve buscar, no caso de movimentos de valorização de câmbio de natureza estrutural -como hoje temos no Japão-, de evitar, via intervenção, movimentos que estão relacionados a condições macroeconômicas de longo prazo. Nesse caso, podemos citar também o movimento do euro e do dólar.
Mas fixemos nosso olhar no que vem ocorrendo hoje no Brasil, o que levou esta coluna a defender uma intervenção do governo no mercado de câmbio. A busca especulativa do real dos últimos dias tem a ver com um movimento global de troca de ativos em dólar por outras moedas. Nossa divisa, hoje convertida em moeda forte pela posição de nossa conta corrente externa, faz parte de uma cesta de moedas eleitas pelos operadores de mercado como marcadas para se valorizar em relação à moeda americana.
Alguns analistas falam em algo como 20% a 30% de apreciação, em relação ao valor médio dos últimos meses. Com isso em mente, os especuladores internacionais viam a possibilidade de uma taxa de câmbio da ordem de R$ 2,60 por dólar, ao longo dos próximos meses. Principalmente depois de o ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) afirmar que o regime cambial do Brasil era o de flutuação limpa. Com juros na faixa dos 18% ao ano e com um mercado futuro maduro e líquido aqui no Brasil e no exterior, nosso país parecia aos olhos dos investidores internacionais um verdadeiro Nirvana.
Com a decisão correta do governo de sujar um pouco as límpidas águas de nosso mercado de câmbio, esse "one way bet" ficou um pouco mais arriscado. Estamos evitando com isso que a principal causa da recuperação de nossa economia, o crescimento impressionante de nossas exportações, seja afetado via uma taxa de câmbio valorizada por conta de movimentação de capitais de curto prazo. Não se trata, portanto, como acusam alguns, de mais uma tentativa de fixar a taxa de câmbio, mas apenas de um movimento transitório de defesa dos fundamentos de nossa economia.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 62, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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