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OPINIÃO ECONÔMICA
Taxa de câmbio, os dilemas do governo
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Surpreendeu a maioria dos
analistas o anúncio formal
feito pelo Banco Central, na última quarta-feira, de que o Tesouro
Nacional vai comprar no mercado os dólares necessários para pagar parte importante do serviço
de sua dívida externa em 2005. O
sentimento de contrariedade a essa volta do intervencionismo nos
mercados estava patente nos comentários que li ao longo da
quinta-feira. Mais uma vez, a pureza do sistema de metas para a
inflação estaria sendo conspurcada, em nome da defesa de interesses privados -nesse caso, o dos
exportadores brasileiros-, dizem
os mais radicais defensores do purismo liberal em nosso país.
Vejamos com um pouco mais de
detalhe a questão do regime cambial de um país, como o Brasil,
neste início de década. A alternativa mais eficiente existente hoje é
o chamado regime livre da taxa
de câmbio. Nesse modelo, os preços flutuam de acordo com as
chamadas forças de mercado, refletindo a cada momento o equilíbrio entre fatores econômicos de
natureza interna e externa. A
partir dessa primeira escolha, podemos, entretanto, seguir dois caminhos alternativos: o da livre
flutuação dos preços ou o sistema
de flutuação suja, em que existe a
possibilidade de atuação do governo.
A escolha entre esses dois caminhos depende de uma opção estratégica, de natureza ideológica
e feita pela sociedade por meio de
seus governos nacionais. De um
lado, os que entendem ser as forças de mercado livres de qualquer
outra interferência o melhor caminho para a definição da taxa
de câmbio de equilíbrio de longo
prazo e a melhor forma de desenvolver a vocação de uma determinada economia.
Do outro, os que entendem que
movimentos de curto prazo, de
natureza especulativa, podem interferir no desenvolvimento de
longo prazo do comércio exterior
do país por meio de disfunções
momentâneas. Essa possibilidade
é real e tem se tornado mais e
mais freqüente no mundo global
de hoje, em razão do extraordinário volume de capitais que andam
pelo mundo à procura de operações especulativas. Quando isso
ocorre, a intervenção do governo
serve como um contraponto momentâneo e pode até desencorajar
esses movimentos especulativos.
Não se trata aqui, pelo menos
no meu entendimento, desse caminho de defender uma determinada paridade da taxa de câmbio. Também não se deve buscar,
no caso de movimentos de valorização de câmbio de natureza estrutural -como hoje temos no
Japão-, de evitar, via intervenção, movimentos que estão relacionados a condições macroeconômicas de longo prazo. Nesse caso, podemos citar também o movimento do euro e do dólar.
Mas fixemos nosso olhar no que
vem ocorrendo hoje no Brasil, o
que levou esta coluna a defender
uma intervenção do governo no
mercado de câmbio. A busca especulativa do real dos últimos dias
tem a ver com um movimento
global de troca de ativos em dólar
por outras moedas. Nossa divisa,
hoje convertida em moeda forte
pela posição de nossa conta corrente externa, faz parte de uma
cesta de moedas eleitas pelos operadores de mercado como marcadas para se valorizar em relação à
moeda americana.
Alguns analistas falam em algo
como 20% a 30% de apreciação,
em relação ao valor médio dos últimos meses. Com isso em mente,
os especuladores internacionais
viam a possibilidade de uma taxa
de câmbio da ordem de R$ 2,60
por dólar, ao longo dos próximos
meses. Principalmente depois de o
ministro Antonio Palocci Filho
(Fazenda) afirmar que o regime
cambial do Brasil era o de flutuação limpa. Com juros na faixa dos
18% ao ano e com um mercado
futuro maduro e líquido aqui no
Brasil e no exterior, nosso país parecia aos olhos dos investidores
internacionais um verdadeiro
Nirvana.
Com a decisão correta do governo de sujar um pouco as límpidas
águas de nosso mercado de câmbio, esse "one way bet" ficou um
pouco mais arriscado. Estamos
evitando com isso que a principal
causa da recuperação de nossa
economia, o crescimento impressionante de nossas exportações,
seja afetado via uma taxa de
câmbio valorizada por conta de
movimentação de capitais de curto prazo. Não se trata, portanto,
como acusam alguns, de mais
uma tentativa de fixar a taxa de
câmbio, mas apenas de um movimento transitório de defesa dos
fundamentos de nossa economia.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 62,
engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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