São Paulo, sexta-feira, 26 de novembro de 2004

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LUÍS NASSIF

Jogando a toalha

Quando explodiu a crise da Rússia, expondo a fragilidade da política monetário-cambial do Banco Central, um colunista político anotou que raríssimas vozes, dentro da imprensa econômica, haviam alertado para o desastre.
Tinha razão. Uma parte da imprensa econômica era portadora da síndrome OB: até uma semana antes da mudança do câmbio, qualquer mudança acabaria com o país; uma semana depois, a mudança salvou o país.
Mas outra parte, dos mais críticos, simplesmente tinha desistido do governo. Quando a irracionalidade é extremada, os clichês ganham força. Fica-se dando murro em ponta de faca, passando por urubus voando em céu azul. Não adianta apontar um iceberg na frente. Os que estão no baile não querem ser incomodados. Só quando sobrevém o desastre é que cai a ficha.
É o que está ocorrendo gradativamente com o governo Luiz Inácio Lula da Silva. Foram patéticas a entrevista do presidente à Bloomberg e a impotência do ministro Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento) ante a política cambial do Banco Central.
Lula diz que as taxas de juros internas são elevadas porque a economia ainda inspira cuidados. Quando ela melhorar, as taxas cairão. Essa mesma máxima é repetida por jornais e analistas.
O que está por trás desse raciocínio? Como as taxas de juros balizam a remuneração de títulos públicos, entende-se que os credores têm receio de que o Tesouro não honre a dívida. Daí a razão para exigirem juros mais altos.
Mas, se o risco é com o pagamento da dívida, presume-se que, quanto maior a taxa de juros, maior o risco potencial futuro da dívida. Ou não? Se a afirmação de Lula e de outros analistas fosse correta, então caberia ao Banco Central permanentemente testar o piso inferior das taxas. Como se explica, então, que, mesmo quando o tal do mercado apostava em redução das taxas, o Banco Central as tenha aumentado?
Essa posição do BC desmente a afirmação de Lula. Positivamente o BC não mantém as taxas elevadas por conta do risco de crédito do Tesouro, mas por outras razões. Pouco importa.
Ao longo de todos esses anos, as taxas de juros foram mantidas elevadas em cima dos argumentos mais estapafúrdios. Um deles era a necessidade de a taxa Selic refletir o risco Brasil e a expectativa da correção cambial interna, pela necessidade de atrair dólares para fechar as contas fiscais. Era uma loucura, porque, ao entrar, os dólares aumentavam a dívida pública.
Mas não adianta perseguir a racionalidade nesse modelo. Dias atrás, publiquei aqui o trabalho de um grupo de economistas de mercado os quais alertavam as autoridades -na maior ingenuidade- de que a produção estava longe de bater na capacidade instalada das empresas, a não ser em setores exportadores.
Devem ser jovens economistas, com fé na racionalidade econômica, que ainda acham que essas loucuras, de abortar qualquer tentativa de crescimento, de apreciar desmedidamente o cambio, são fruto de mau diagnóstico apenas.
O grande problema é que Lula já jogou a toalha. Ainda teremos dois longos anos pela frente.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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