São Paulo, quinta-feira, 26 de dezembro de 2002

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LUÍS NASSIF

Desafios do ministério Lula

O ministério Lula seguiu a lógica. Além dos partidos de esquerda, e de partidos-esponja, a aliança se estendeu ao setor produtivo nacional, por meio da escolha de dois empresários de peso para compô-lo.
Comecemos pela parte econômica. Roberto Rodrigues, para a Agricultura, e Luiz Furlan, para o Desenvolvimento, foram escolhidos basicamente devido ao seu envolvimento com as questões de comércio internacional. São dois dos empresários que mais se empenharam em fornecer subsídios ao governo sobre as guerras comerciais.
Na atuação do dia-a-dia, o jogo será mais complicado. A Agricultura tem máquina simples, que responde mais rapidamente ao comando do ministro. O Desenvolvimento tem máquina mais complexa, que Furlan, acostumado ao sistema de comando do setor privado, terá dificuldades em administrar.
Executivo do setor privado, Alcides Tápias teve dificuldades para se relacionar com a máquina. Funcionário de carreira, seu sucessor, Sergio Amaral, agiu com mais desenvoltura.
Recentemente, a transformação da Camex (Câmara de Comércio Exterior) em órgão com poderes executivos deu mais funcionalidade ao trabalho. Mesmo assim, é fundamental que Furlan saiba se cercar de um segundo escalão conhecedor da máquina.
O que poderá ajudar na sincronização do ministério é o movimento de alguns setores da cúpula do PT, de amarrar a ação de cada ministério a planos de ação, com objetivos e metas. Estão sendo ouvidos especialistas da área para essa montagem.
Recentemente, José Paulo Silveira -homem do Planejamento que construiu o arcabouço do Avança Brasil- trouxe idéias relevantes para essa coordenação. Definem-se metas, os ministérios envolvidos, depois se amarram todos ao objetivo final através de contratos firmados entre as partes.
O Planejamento, de Guido Mantega, terá papel essencial nesse trabalho, dando continuidade aos esforços da gestão anterior de formar gerentes-empreendedores distribuídos pelos diversos ministérios, com visão de projeto e de atuação em rede.
A área macroeconômica -Fazenda, de Antonio Palocci Filho, e Banco Central, de Henrique Meirelles- está entregue a pessoas com bom trânsito no mercado. Faltam ainda formuladores consistentes de políticas monetária e cambial.
A idéia de se ter uma gestão macroeconômica conservadora e uma atividade pró-ativa de planejamento econômico é compatível. No governo Geisel, utilizou-se com eficácia essa política. Mário Henrique Simonsen representava os "monetaristas"; João Paulo dos Reis Velloso, os "desenvolvimentistas". Quem era contra a linha Simonsen, em vez de se alinhar com a oposição, se alinhava com Velloso.
O governo Figueiredo tentou repetir a dobradinha e foi um desastre. Quem assumiu a bandeira desenvolvimentista foi o ministro da Agricultura, Delfim Netto, com o voluntarismo que o caracterizava na época. Em pouco tempo, Simonsen caiu e o novo governo convalidou políticas conflitantes que acabaram levando à crise dos anos seguintes.
No governo Lula há bom risco de conflito, não entre Mantega e Palocci, mas entre a Fazenda e Carlos Lessa, provável presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Lessa é acadêmico vitorioso, personalista, como todo acadêmico, e com bela capacidade de verbalizar idéias -vocalização ampliada por aliados históricos, como Maria da Conceição Tavares e Luiz Gonzaga Belluzzo. Seria de muita prudência que, desde já, se juntassem essas pessoas para pactos de governabilidade que impedissem curto-circuito interno, em um governo que terá de administrar muitos curtos-circuitos ao longo do ano.
Na outra ponta, chama a atenção a indicação de Ciro Gomes para a Integração Nacional. Ciro é a mesma metralhadora giratória, que faz do poder da retórica arma de barganha política. Lembra um pouco alguns ministros de Collor, como o respeitado Hélio Jaguaribe. Dias antes da sua indicação, o governo iria acabar e o país, entrar em crise. No dia da indicação, o governo estava salvo. Por quê? Porque escolheu um ministério salvador.

E-mail - lnassif@uol.com.br


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