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NOVO GOVERNO
"Fico espantado com essa crítica do próprio PT de exigir o programa de 84 ou o de 89, e não o de 2002", diz deputado
Esquerda não entende "novo PT", diz Delfim
Luciana Cavalcanti/Folha Imagem - 02.out.02
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O deputado Delfim Netto, que reafirma seu apoio ao presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva |
GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.
No intervalo das eleições, entre
o primeiro e o segundo turno, o
deputado federal Delfim Netto
(PPB-SP), 74, surpreendeu o país
ao anunciar seu apoio ao então
candidato petista, Luiz Inácio Lula da Silva. Na ocasião, ele justificou seu apoio pelo fato de o candidato ter mudado suas convicções políticas. Agora, diz que a esquerda do partido não se conforma com o "novo PT".
Poucos dias antes da posse do
novo governo, Delfim reafirma
seu apoio ao presidente eleito.
Animado com os nomes escolhidos por Lula para o ministério e
com as declarações de Antônio
Palocci, futuro ministro da Fazenda, Delfim afirma que "Lula está
ameaçado de se transformar num
grande estadista".
Nessa entrevista, Delfim não
poupa elogios a Palocci e ao futuro presidente do Banco Central,
Henrique Meirelles. Ele não vê, no
entanto, nenhuma semelhança
entre o atual e o futuro governo.
"Veja quando o Palocci diz, por
exemplo, que o governo irá manter o regime de metas inflacionárias. Mas que as metas serão levadas a sério, como comparar o futuro governo com o atual?"
De acordo com Delfim, o atual
governo desmoralizou o sistema
de metas inflacionárias ao não
cumpri-las. "É aquela história do
atirador e do alvo. O cara atira fora do alvo todo o tempo e, de tanto errar, decide mudar o alvo".
Folha -O PT será a principal oposição do governo Lula?
Delfim Netto - O PT tem cumprido rigorosamente o programa
prometido na "Carta aos Brasileiros". Fico espantado com essa crítica que parte do próprio PT de
exigir que ele cumpra o programa
de 84, ou o de 89, e não o de 2002.
O que me parece é que há uma tal
paixão nesse processo que os críticos não se conformam com o fato de o PT estar cumprindo o que
prometeu. Isso chega a ser risível.
As pessoas esquecem que o PT só
foi ao poder porque apresentou
um programa aceitável, um programa que absorveu os valores
impostos pela Constituição de 88.
Enquanto o PT se recusasse a
aceitar esses valores, não chegaria
ao poder. Enquanto não acabaram com aquele tipo de romantismo de que iam produzir um novo
homem e fabricar um novo mundo, o PT não conseguiu chegar ao
poder. O que a senadora Heloísa
Helena quer é o PT de 84, que jamais chegará ao poder.
Folha - Quais os principais problemas que o Lula vai enfrentar?
Delfim - Ele vai ter milhões de
problemas. O primeiro, é a incompreensão da sua própria gente. Mas acho que, continuando
como está, Lula está seriamente
ameaçado de se transformar num
grande estadista.
Folha - Mas há ainda muita desconfiança?
Delfim - Claro que existe. Até
agora as pessoas continuam dizendo: ele não pode estar fazendo
o está fazendo. Acham que tão logo ele sente no poder vamos ver a
verdadeira cara dele. Vai voltar
aquele leninismo, todo aquele
ranço, aquele radicalismo. Trata-se de uma incompreensão da realidade. Aquela mudança que a
gente suspeitava que poderia
acontecer, aconteceu. As pessoas
eram céticas em relação a essas
mudanças. Achavam que o PT era
um lobo vestido em pele de cordeiro e tão logo assumisse o poder
tudo iria mudar. Isso tem se mostrado um equívoco. O PT prometeu uma política coerente e está
cumprindo a promessa. O mundo
mudou. O Lula mudou e o PT tem
de mudar. O PT tem de saber o seguinte: o partido não foi ao poder.
Ele só foi ao poder por causa do
Lula. É o mesmo problema do
PSDB. O PSDB nunca foi ao poder. Quem chegou ao poder foi o
Fernando Henrique, que carregou atrás dele o partido. Quem foi
ao poder foi o Lula.
Folha - Não haverá uma cobrança
em relação aos programas sociais?
Delfim - Essa idéia do Lula de
pôr o programa de combate à fome na agenda internacional foi
um negócio fantástico. Trata-se
de um projeto de tal ordem, de tal
magnitude, que mudou a agenda
do mundo. Desde 1960, a FAO
(órgão das Nações Unidas de
combate à fome) tentava colocar a
fome na agenda e não conseguia.
Misteriosamente, o Lula conseguiu. O presidente do Banco
Mundial veio aqui, tomou umas
caipiras, percorreu algumas favelas e ofereceu US$ 9 bilhões ao
Brasil. O presidente do BID esteve
aqui com gravata vermelha e lenço vermelho e ofereceu mais US$
6 bilhões. A FAO mostrou interesse no programa de combate à fome. O FMI veio fazer uma visita
ao presidente Lula e reconheceu
que é preciso, realmente, dar mais
ênfase aos aspectos sociais. O
compromisso de campanha de
Lula será cumprido e será cumprido porque os recursos exigidos
para isso são muito pequenos.
Folha - Mas há dinheiro para isso?
Delfim - A vantagem do PT, não
do PT, mas do Lula, foi a de ter
concluído logo que, se ele quiser
atingir os objetivos de campanha,
como o combate à fome, da diminuição da exclusão, de dar ênfase
à educação e à saúde, ele primeiro
terá que cortar despesas em outras áreas.
Fico espantado quando dizem
que o governo Lula será a continuação do governo anterior. Deus
meu, o Fernando Henrique elevou a carga tributária bruta de
27% para 35% do PIB, com um
dos piores impostos do mundo. A
primeira manifestação do Lula foi
exatamente no sentido de cortar
as despesas. Esse negócio de que
não pode cortar despesa é um daqueles mitos. Isso é perfeitamente
possível. Foi uma intuição extraordinária do Lula e essa intuição pensava-se que iria partir dos
doutores do governo, coisa que
não aconteceu. A única alternativa para não aumentar os juros é a
de cortar as despesas do governo.
O juro corta a demanda do setor
privado, não corta a demanda do
setor público. Cortar a demanda
do setor público tem que ser um
ato de vontade política. Ao dizer
que serão cortadas as despesas do
governo, o Lula está promovendo
uma mudança radical, e as pessoas continuam insistindo que tudo continuará igual.
Folha -Fala-se muito que Palocci
tem agido da mesma forma que Pedro Malan.
Delfim - Veja quando o Palocci
diz, por exemplo, que o governo
irá manter o regime de metas inflacionárias. Mas que as metas serão levadas a sério, como comparar o futuro governo com o atual?
O atual governo desmoralizou o
sistema de metas inflacionárias. A
meta inflacionária foi mudada
duas vezes. É aquela história do
atirador e do alvo. O cara atira fora do alvo todo o tempo e, de tanto errar, decide mudar o alvo.
Folha -Quais são suas expectativas em relação ao BC de Henrique
Meirelles?
Delfim - Na minha opinião, o
Meirelles (futuro presidente do
Banco Central) deu uma demonstração de absoluta coerência ao
dizer que o BC terá autonomia para usar o único instrumento que
possui, que é a taxa de juros, para
conseguir o bem público mais desejado, que é a estabilidade. Caberá ao governo fixar as metas.
Quem fixa meta tem mesmo de
ser o governo e não o BC. Entre o
governo e o BC será estabelecida
uma espécie de contrato. Os diretores passarão a ter mandato fixo,
mas desde que tenham sucesso.
Você não põe um diretor do Banco Central na rua quando ele atinge as metas definidas pelo governo. Agora, se ele não atingir a meta, ele será convidado a ir embora,
como acontece em todo lugar do
mundo. Em alguns lugares mais
civilizados do que o Brasil, quando chega no fim do ano, se o Banco Central não cumpriu a meta,
apesar de ter todo o poder para isso, o presidente da instituição envia uma carta para o governo explicando os motivos do não cumprimento. Se o governo achar que
a explicação não é satisfatória, ele
é convidado a se demitir.
Folha - Houve quem criticasse a
indicação de Meirelles pelo fato de
não ser um operador de mercado.
Delfim - Outra coisa ridícula foi
essa crítica feita ao Meirelles pelo
fato de ele não ser um operador.
Há 400 operadores na praça. Você
pode alugar, comprar, ou até fazer
leasing de operador. O que é preciso é de um administrador, um
sujeito capaz de juntar uma equipe competente e de várias especialidades, até porque o Banco
Central não é só mesa de operação. O BC é responsável pelo controle do sistema bancário. E, mais
ainda, o Banco Central do Brasil
hoje tem um dos melhores departamentos econômicos do mundo.
Folha - E os outros nomes do ministério. Como o sr. recebeu?
Delfim -Você podia encontrar
alguém para tocar a Agricultura
melhor do que o Roberto Rodrigues ? Ou alguém para Ministério
do Desenvolvimento que saiba
mais de exportação do que o Furlan (Luiz Fernando Furlan, futuro
ministro do Desenvolvimento) ?
Tudo isso só mostra uma coisa: a
disposição que tem o presidente
de cumprir o programa que apresentou para o país. Não o programa que as pessoas acham que ele
deve fazer.
Folha - A quem o sr. compararia o
Lula?
Delfim -Não o comparo com
ninguém. O que eu acho é que ele
será alguém que irá mudar o rumo das coisas, alguém que vai
produzir a estabilidade com menos exclusão, com desenvolvimento. Agora, o Lula não foi eleito imperador e nunca mais vai
sair. Se ele não cumprir o programa de acordo com o que ele prometeu, programa com o qual ele
foi eleito, ele vai ser defenestrado.
Essa é a vantagem de termos completado o ciclo da Constituição de
88. A substituição do poder se faz
naturalmente, sem riscos.
Folha - Como o sr. define o presidente Fernando Henrique?
Delfim - Certamente o Fernando Henrique vai ficar para a história como tendo sido um presidente muito razoável, apesar de divergir da política econômica adotada por ele, principalmente nos
primeiros quatro anos, mas acho
que ele cumpriu um papel importante. Ele representou o Brasil
muito dignamente. Ele ajudou a
fortalecer as instituições da Constituição de 88. A própria eleição
do Lula foi um subproduto do
Fernando Henrique, do seu viés
anticrescimento da economia.
Hoje nós vivemos num regime no
qual a alternância do poder se tornou a coisa mais natural do mundo. O Lula também está inaugurando uma coisa importante, que
é de o eleito cumprir o programa
com o qual foi eleito.
Folha - Quais são as suas previsões para a economia?
Delfim -Esse negócio de economista fazer previsão é uma tragédia. O ano de 2003, por exemplo,
será mas reflexo da situação que o
Fernando Henrique deixará para
o Lula do que o que ele poderá vir
a fazer. De qualquer forma, se o
Lula continuar fazendo aquilo
que tem feito até agora, eu acho
que nós temos uma grande chance de melhorar nosso desempenho. Vou até fazer uma brincadeira. Suspeito que há chances de o
crescimento do PIB aumentar
100% em 2003. Ou seja, passar de
1% para 2%. Ninguém poderá se
queixar de o crescimento ter melhorado 100% num ano.
Folha - E a inflação?
Delfim - A inflação é um problema crítico. O Palocci e o Meirelles
têm dito que vão enfrentar esse
problema da forma correta. O que
mais me entusiasma é que eles entenderam o que o pessoal não entendeu até agora. Só há uma alternativa para combater esse problema se não quiser usar os juros,
que é através do corte das despesas do governo. O Fernando Henrique aumentou a despesa do governo de uma forma brutal e por
isso teve de manter os juros altos.
Folha - Qual deve ser a prioridade
do governo. O combate à inflação
ou o crescimento?
Delfim - Ah, não adianta, é a inflação. Se o Lula quiser ganhar
credibilidade interna e externa,
ele terá que apresentar, logo no
primeiro semestre, um resultado
importante em matéria de redução de taxa de inflação. A inflação
tem que começar a declinar. Tem
de voltar para um piso de 6% ou
8%. Temos de estabelecer uma
meta realista com o FMI e empenhar o governo a cumpri-la.
O crescimento da economia é
produzido pelo setor privado e
não pelo Banco Central. Esse é um
dos erros mortais que o Brasil comete. As pessoas pensam que o
BC pode produzir o crescimento.
O BC quando erra produz inflação, não produz crescimento.
Folha -O sr. acha que é preciso aumentar o superávit primário?
Delfim - Isso é uma necessidade,
pelo seguinte: de tanto o governo
prometer e não cumprir as metas,
as pessoas agora querem que ele
cumpra. O Fernando Henrique
começou o governo com uma dívida interna de 30% do PIB, vendeu tudo o que tinha e vai entregar o país com uma dívida de 60%
do PIB. Ele diz que foi por ter incorporado os esqueletos, mas não
foi. Foi por ter feito uma política
errada que exigiu taxas de juros
gigantescas.
O pior é que tinha se comprometido no acordo com o Fundo
de manter a dívida em 50% do
PIB. Por isso, pelo fato de o Brasil
não cumprir as promessas, será
necessário aumentar o superávit.
O Palocci está correto quando diz
que irá fazer o superávit primário
necessário para manter constante
a relação dívida/PIB.
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