São Paulo, quinta-feira, 26 de dezembro de 2002

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CRISE

Comércio na ponte da Amizade diminui, crime cresce e sacoleiros buscam outro trabalho na fronteira com Paraguai e Argentina

Dólar e Receita derrubam comércio sacoleiro

JOSÉ MASCHIO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM FOZ DO IGUAÇU

A crise cambial e o aumento do cerco, da Polícia e Receita Federal, aos sacoleiros que cruzam a ponte da Amizade provocou uma crise econômica sem precedentes na região da tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina.
A paraguaia Ciudad del Este, que chegou a ser considerada a "meca das compras" no início da década de 90, enfrenta hoje o fechamento de lojas e caminha, na avaliação de comerciantes, para se transformar em uma nova Puerto Iguazu, na Argentina. A cidade vizinha é praticamente fantasma, com a decadência começando no primeiro governo Carlos Menem e a equiparação entre o peso argentino e o dólar.
Nos áureos tempos, como em 1992, quando movimentou US$ 12 bilhões, Ciudad del Este recebia entre 30 e 40 mil sacoleiros por dia. Hoje, de acordo com o Centro de Exportadores e Importadores do Departamento (equivalente a Estado) de Alto Paraná, essa média não chega a 3.000 sacoleiros.
O recuo do número de sacoleiros ocorreu pela desvalorização cambial do real, que tornou a compra de produtos no Paraguai pouco atraente. Mas também por uma política da Receita Federal em acabar com o contrabando.
A pressão na fiscalização levou também os sacoleiros a mudarem seu perfil, indo buscar no contrabando de produtos ilícitos -como cigarros clandestinos, armas e drogas, entre outros- uma forma de compensar os prejuízos com a apreensão de mercadorias.
"Não é por acaso que a criminalidade na região cresceu à medida que a Receita aumentou o cerco", afirma Walter Negrão, presidente da Associação dos Ambulantes e Sacoleiros de Foz do Iguaçu.
Até o início desse mês, a cidade brasileira registrou 223 homicídios, contra menos de 100 no mesmo período de 2000, antes da política de combate ao contrabando da Receita.
Negrão afirma que é comum sacoleiros que perdem suas mercadorias para a Receita Federal aceitarem encomendas de "risco" para tentar recuperar o dinheiro perdido. Para ele, que luta pela criação de uma cooperativa nacional de sacoleiros, quem consegue passar com drogas, por exemplo, acaba apostando na nova atividade, "com lucros mais fáceis".
Atualmente, a forma de fiscalização da Receita e da Polícia Federal é pelo sistema de amostragem. Isso porque é elevado o fluxo de pessoas na ponte da Amizade e a fiscalização de todos os veículos e pessoas é inviável. São selecionados aqueles que serão revistados.
A fiscalização total só é feita nas épocas de protesto de funcionários da Receita, que adotam a operação-padrão.
O empobrecimento do comércio de Ciudad del Este teve reflexos diretos na oferta de trabalho para Foz. Em 1992, existiam 22 mil brasileiros empregados em lojas paraguaias. Hoje, conforme números do mesmo Centro de Importadores e Exportadores, 3.100 brasileiros estão empregados no comércio paraguaio.
Mas o reflexo maior ocorreu nas exportações de Foz do Iguaçu para o Paraguai. Historicamente, o Paraguai se abastece a partir de Foz, comprando desde papel higiênico a itens de alimentação e produtos têxteis.
Em torno desse comércio chamado de "exportação de balcão", mais de 450 empresas operavam na Vila Portes, o bairro brasileiro próximo à ponte da Amizade. Hoje, menos de 50 empresas permanecem ativas. A equação é simples: sem o dinheiro dos sacoleiros, os paraguaios reduziram as compras em Foz.
O empresário Fouad Fakil, dono do maior shopping center de Foz, atribui ainda à integração aduaneira entre o Paraguai e o Brasil, a partir de 2001, a responsabilidade pela queda no fluxo de exportações de Foz para Ciudad del Este. "A integração aduaneira acabou com o comércio exportador de balcão, gerando desemprego no Brasil, sem que com isso o Paraguai tenha aumentado sua arrecadação", afirma Fakil.
Ele cita números da Receita Federal do Brasil e da Aduana Paraguaia, para mostrar que, após a integração aduaneira, a informalidade não foi controlada.
De janeiro deste ano a setembro, os números da Receita mostram que o Brasil exportou US$ 427 milhões para o Paraguai. Na Aduana paraguaia, os números são diferentes e apontam que entraram US$ 358 milhões em mercadorias brasileiras. Fakil afirma que a diferença de US$ 69 milhões entre os números brasileiros e paraguaios comprovam "que a informalidade nas vendas para o Paraguai continua".
Para ele, o início de uma reação econômica seria o governo brasileiro respeitar o direito constitucional à isonomia. Ou seja, equiparar a cota permitida de ingresso de produtos pela ponte, hoje em US$ 150 por pessoa, para aqueles que chegam ao Brasil por avião, que tem cota de US$ 500.
A Receita Federal informa que a fiscalização, que teria elevado o desemprego dos sacoleiros, como diz Negrão, é necessária e tem como objetivo impedir a entrada de itens ilegais no comércio nacional e, logo, atrapalhar sua operação.


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