|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRISE
Comércio na ponte da Amizade diminui, crime cresce e sacoleiros buscam outro trabalho na fronteira com Paraguai e Argentina
Dólar e Receita derrubam comércio sacoleiro
JOSÉ MASCHIO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM FOZ DO IGUAÇU
A crise cambial e o aumento do
cerco, da Polícia e Receita Federal,
aos sacoleiros que cruzam a ponte
da Amizade provocou uma crise
econômica sem precedentes na
região da tríplice fronteira entre
Brasil, Paraguai e Argentina.
A paraguaia Ciudad del Este,
que chegou a ser considerada a
"meca das compras" no início da
década de 90, enfrenta hoje o fechamento de lojas e caminha, na
avaliação de comerciantes, para
se transformar em uma nova
Puerto Iguazu, na Argentina. A cidade vizinha é praticamente fantasma, com a decadência começando no primeiro governo Carlos Menem e a equiparação entre
o peso argentino e o dólar.
Nos áureos tempos, como em
1992, quando movimentou US$
12 bilhões, Ciudad del Este recebia
entre 30 e 40 mil sacoleiros por
dia. Hoje, de acordo com o Centro
de Exportadores e Importadores
do Departamento (equivalente a
Estado) de Alto Paraná, essa média não chega a 3.000 sacoleiros.
O recuo do número de sacoleiros ocorreu pela desvalorização
cambial do real, que tornou a
compra de produtos no Paraguai
pouco atraente. Mas também por
uma política da Receita Federal
em acabar com o contrabando.
A pressão na fiscalização levou
também os sacoleiros a mudarem
seu perfil, indo buscar no contrabando de produtos ilícitos -como cigarros clandestinos, armas e
drogas, entre outros- uma forma de compensar os prejuízos
com a apreensão de mercadorias.
"Não é por acaso que a criminalidade na região cresceu à medida
que a Receita aumentou o cerco",
afirma Walter Negrão, presidente
da Associação dos Ambulantes e
Sacoleiros de Foz do Iguaçu.
Até o início desse mês, a cidade
brasileira registrou 223 homicídios, contra menos de 100 no
mesmo período de 2000, antes da
política de combate ao contrabando da Receita.
Negrão afirma que é comum sacoleiros que perdem suas mercadorias para a Receita Federal aceitarem encomendas de "risco" para tentar recuperar o dinheiro
perdido. Para ele, que luta pela
criação de uma cooperativa nacional de sacoleiros, quem consegue passar com drogas, por exemplo, acaba apostando na nova atividade, "com lucros mais fáceis".
Atualmente, a forma de fiscalização da Receita e da Polícia Federal é pelo sistema de amostragem. Isso porque é elevado o fluxo de pessoas na ponte da Amizade e a fiscalização de todos os veículos e pessoas é inviável. São selecionados aqueles que serão revistados.
A fiscalização total só é feita nas
épocas de protesto de funcionários da Receita, que adotam a operação-padrão.
O empobrecimento do comércio de Ciudad del Este teve reflexos diretos na oferta de trabalho
para Foz. Em 1992, existiam 22
mil brasileiros empregados em lojas paraguaias. Hoje, conforme
números do mesmo Centro de
Importadores e Exportadores,
3.100 brasileiros estão empregados no comércio paraguaio.
Mas o reflexo maior ocorreu nas
exportações de Foz do Iguaçu para o Paraguai. Historicamente, o
Paraguai se abastece a partir de
Foz, comprando desde papel higiênico a itens de alimentação e
produtos têxteis.
Em torno desse comércio chamado de "exportação de balcão",
mais de 450 empresas operavam
na Vila Portes, o bairro brasileiro
próximo à ponte da Amizade.
Hoje, menos de 50 empresas permanecem ativas. A equação é
simples: sem o dinheiro dos sacoleiros, os paraguaios reduziram as
compras em Foz.
O empresário Fouad Fakil, dono do maior shopping center de
Foz, atribui ainda à integração
aduaneira entre o Paraguai e o
Brasil, a partir de 2001, a responsabilidade pela queda no fluxo de
exportações de Foz para Ciudad
del Este. "A integração aduaneira
acabou com o comércio exportador de balcão, gerando desemprego no Brasil, sem que com isso o
Paraguai tenha aumentado sua
arrecadação", afirma Fakil.
Ele cita números da Receita Federal do Brasil e da Aduana Paraguaia, para mostrar que, após a
integração aduaneira, a informalidade não foi controlada.
De janeiro deste ano a setembro, os números da Receita mostram que o Brasil exportou US$
427 milhões para o Paraguai. Na
Aduana paraguaia, os números
são diferentes e apontam que entraram US$ 358 milhões em mercadorias brasileiras. Fakil afirma
que a diferença de US$ 69 milhões
entre os números brasileiros e paraguaios comprovam "que a informalidade nas vendas para o
Paraguai continua".
Para ele, o início de uma reação
econômica seria o governo brasileiro respeitar o direito constitucional à isonomia. Ou seja, equiparar a cota permitida de ingresso
de produtos pela ponte, hoje em
US$ 150 por pessoa, para aqueles
que chegam ao Brasil por avião,
que tem cota de US$ 500.
A Receita Federal informa que a
fiscalização, que teria elevado o
desemprego dos sacoleiros, como
diz Negrão, é necessária e tem como objetivo impedir a entrada de
itens ilegais no comércio nacional
e, logo, atrapalhar sua operação.
Texto Anterior: Queda do real ajuda a elevar as exportações Próximo Texto: Águia em transe: Bush prepara nova redução de impostos Índice
|