|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ESCÂNDALO NOS EUA
Concordata deve tornar mais rígidos os controles de contabilidade, reduzindo lucros e quebrando empresas
Desastre da Enron pode ser só o começo
SIMON LONDON
RICHARD WATERS
DO "FINANCIAL TIMES"
Um tornado está varrendo as
empresas norte-americanas. Cada dia traz novos indícios de devastação. Na semana que passou,
assistimos à concordata da
Kmart, uma das maiores redes de
varejo do país. Também vimos a
cisão da Tyco, um dos grandes
conglomerados. E acompanhamos mais rajadas de vento vindas
da Enron, a maior das grandes
empresas que foram à bancarrota.
Para os otimistas, esses acontecimentos são apenas as "ondas de
destruição criativas" prescritas
pelo economista Joseph Schumpeter. O fim da Kmart deixará
mais espaço para que novos grupos de varejo surjam com novas
idéias para a venda de camisetas e
torradeiras.
A Tyco, enquanto isso, planeja
se dividir em quatro empresas
menores que, segundo ela, terão
potencial de crescimento. Para os
otimistas, é essa a natureza regenerativa do capitalismo. "À medida que as recessões avançam, vemos um número maior de cisões
e falências, mas as falências são
sempre encaradas como escândalos", diz Ken Fisher, administrador de fundo de investimento no
Estado da Califórnia.
Processo penoso
Mas os pessimistas dizem que
uma recuperação empresarial está muito longe. Alegam que o
mundo dos negócios vive o começo de um longo e penoso processo, durante o qual partes dos excessos dos anos 90 serão desfeitos.
"Estou pessimista quanto aos lucros das empresas pelo resto da
década", diz Gary Hamel, professor e consultor de administração.
"Muitas empresas vão demorar
para perceber que o jogo acabou."
A Enron exemplifica uma abordagem contábil agressiva, que expandiu os princípios da contabilidade para muito além dos limites.
Andrew Smithers, um economista que trabalha em Londres,
prevê "um reforço generalizado
dos padrões de contabilidade, que
devem fazer os lucros caírem nos
registros dos próximos anos", em
resposta à Enron e a outras quebras de empresas. Isso conterá a
vigorosa recuperação nos lucros
contabilizados que Wall Street
vem prevendo, acrescenta Henry
Kaufman, um economista veterano de Nova York.
É provável que haja mudanças
nas regras de contabilidade que
reduzirão não só os lucros reportados, mas também a receita. Os
chamados Princípios Contábeis
Geralmente Aceitos (GAAP, em
sua sigla norte-americana) podem se tornar mais severos nos
EUA no que se refere a consolidação de financiamentos para diferentes ramificações de um mesmo grupo, uma questão que surgiu no caso Enron -e também
quanto à forma pela qual as empresas contabilizam as receitas.
As empresas passarão a sofrer
pressão informal para mostrar
prudência em sua contabilidade.
A Standard & Poor's, empresa especializada em informações financeiras, está propondo uma
nova definição de "receitas operacionais" para todo o setor financeiro norte-americano. A definição foi alterada para incluir os
custos quando se concede opções
de ações a executivos e trabalhadores, algo a que as empresas vinham resistindo. Cobrar o custo
da concessão de ações, descontando-os dos lucros, reduziria os
lucros em 17%.
Abby Joseph-Cohen, analista de
capitais da Goldman Sachs, que
era uma das principais defensoras
do otimismo no mercado em alta
dos anos 90, disse que as empresas já começavam a exibir um
senso de cautela muito maior.
Prejuízos contabilizados como
itens excepcionais, devido a reestruturações e outros ajustes nos
lucros, reduziram em 35% e 40%
a receita líquida do ano passado.
"Para resumir, muitas empresas
estão contabilizando até a louça
como prejuízo", disse.
"Esse clima mais conservador
que vem varrendo Wall Street poderia ter efeito desestimulante de
outra maneira", diz David Hale,
economista chefe mundial do Zurich Financial Services.
Empresas que cresceram rapidamente por meio de aquisições
também estão tendo que repensar
estratégias. A Tyco é um dos melhores exemplos. Ainda que opções de ações e contabilidade
agressiva tenham representado
um papel em sua ascensão, o crescimento do grupo foi alimentado
primordialmente por uma onda
de aquisições que custou US$ 65
bilhões. Ela adquiriu empresas
envolvidas em atividades completamente díspares, tais como financiamento de comércio exterior e material cirúrgico.
Mas agora, alvos de aquisição
são difíceis de encontrar. E os investidores hesitam diante da
complexidade e da falta de transparência dos processos de crescimento por aquisição.
Onda de consumo
A Kmart não se envolveu em
muitas aquisições, ainda que suas
diretrizes contábeis estejam sendo questionadas agora. Sua estratégia, como a de tantas outras
companhias, era aproveitar uma
onda de consumismo sem precedentes. A disposição dos norte-americanos em abrir as carteiras
permitiu que a Kmart sobrevivesse durante os anos 90, mas sem
deixar de perder terreno para
concorrentes como a Wal-Mart e
a Target. Seus sistemas de aquisição, tecnologia de informação e
administração da cadeia de suprimentos eram encarados por quase todos os analistas como inferiores. Agora, como sempre acontece com os retardatários nesse
estágio do ciclo de negócios, os
pontos fracos da Kmart foram todos expostos.
O problema é que esse surto de
consumo, por sua vez, estimulou
uma onda de investimentos em
novas lojas em todo o setor de varejo. Na segunda metade da década de 90, a quantidade de espaço
comercial dedicado à venda de
produtos cresceu quatro vezes
mais rápido do que a população
norte-americana. A quebra de
empresas como a Kmart, na medida em que reduz a capacidade
do setor, é um mecanismo natural
para realinhar a oferta e a procura. Mas serão necessárias novas
falências dessa escala para restabelecer o equilíbrio.
O varejo não é o único setor da
economia norte-americana que
está sofrendo dores de cabeça. Os
gastos com tecnologia de informação respondiam por cerca de
15% dos dispêndios de capital das
empresas no começo dos anos 90.
No final da década, essa fatia havia subido para mais de 50%.
Muitas empresas passarão o
próximo ano ou dois tentando extrair valor do equipamento já adquirido, em lugar de comprar novas sistemas. Os preços do estão
caindo nos mercados. A lista de
ofertas inclui computadores pessoais, equipamento de armazenagem de dados e pacotes de software para empresas.
Para muitos analistas, a confusão continuará. Fisher acredita
que os excessos dos anos 90 farão
novas vítimas entre as empresas
"Veremos mais notícias como essas até bem adentrado 2003".
A vez dos bancos
Até agora, não houve sinal de
risco para o sistema financeiro
apesar da quebra de grandes empresas. Bancos como o JP Morgan
e o Citigroup, que tinham exposição à Enron, têm capacidade suficiente para absorver as perdas.
Mas se a história serve de orientação, os ventos da recessão derrubarão pelo menos uma instituição financeira antes que a crise
acabe. As recessões passadas causaram a quebra de grupos como o
Continental Illinois e a Drexel
Burnham Lambert, pioneira no
mercado de títulos de alto risco.
Será que outro grande nome será acrescentado a essa lista ignóbil? Não há como saber ao certo,
diz Kaufman. Ninguém pode prever se outro desastre na escala da
Enron está prestes a eclodir, nem
se um um acontecimento desse tipo colocaria um banco em risco.
Mas a destruição criativa ou não
provavelmente continuará por algum tempo.
Tradução de Paulo Migliacci
Texto Anterior: Mercados e serviços: Prefixados devem voltar com estabilidade Próximo Texto: Frase Índice
|