São Paulo, domingo, 27 de janeiro de 2002

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Nos EUA, economistas avaliam até decisão de casar

MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL

O filósofo francês Blaise Pascal afirmava, em 1670, que o coração tem razões que a própria razão desconhece. Os economistas duvidam. As mulheres, por exemplo, quando optam por casar, são racionais. Elas analisam cuidadosamente o mercado de maridos e colocam na balança todos os prós, contras, custos e benefícios que a decisão de casar acarreta.
Pelo menos são essas as hipóteses que Derek Neal, da Universidade de Wisconsin, nos EUA, assumiu para escrever "A Economia da Estrutura Familiar". No trabalho, ele analisa os motivos que fizeram o número de mães solteiras norte-americanas aumentar ano após ano desde 1960.
Neal usou um instrumento que torna-se cada vez mais popular entre os economistas: a econometria. Usando dados sobre a população, renda, educação e matrimônios nos EUA, ele criou um modelo estatístico que tenta explicar os motivos que fizeram com que as mulheres passassem a criar, sozinhas, seus filhos.
O que o modelo revela? Que dois fatores são importantes na decisão: as condições do mercado de casamento e a existência ou não de programas de ajuda governamental para as mães solteiras.
As mulheres "vão" ao mercado e tomam a decisão de levar ou não o produto como qualquer consumidor racional. Essa decisão vai depender, claro, da quantidade e da qualidade dos produtos disponíveis, nesse caso, os homens.
O economista chegou à conclusão de que tanto a deterioração das condições do mercado quanto a criação de programas de ajuda contribuíram para que as mulheres decidissem ficar solteiras.
O quadro é mais grave no caso da população negra jovem e com baixo nível de educação. Os homens desse grupo viram suas perspectivas de rendimentos, em 1990, caírem para um terço das registradas em 1960. Diante desse quadro, a decisão racional das mulheres foi permanecer solteiras e recorrer à ajuda governamental.
Trabalho de sociólogo ou psicólogo? Talvez. Mas cada vez mais os economistas usam seus métodos para analisar problemas que tradicionalmente pertenciam ao campo de estudo de outras áreas: uso de drogas, divórcio, desempenho escolar, crime, suicídio.
A tendência não é nova. Os economistas dos EUA a iniciaram por volta de 1950. O respaldo dos demais veio, publicamente, em 1992, ano em que Gary Becker, da Universidade de Chicago, ganhou o Nobel de Economia.
Ele ganhou o prêmio "por ter estendido o domínio da análise microeconômica para vários aspectos do comportamento e interação humanos, incluindo o comportamento fora do mercado".
A despeito da "notoriedade" de Becker, quem dedica-se a esse tipo de estudo fica "escondido" nos centros de pesquisa. Por um lado, porque as técnicas que usam são complexas e, às vezes, indecifráveis para os "não-iniciados".
Por outro, porque, na maioria das vezes, estudam assuntos específicos: explicar porque bons restaurantes têm filas não exerce tanto apelo quanto oferecer aos países as receitas para o crescimento.
"Mas é claro que é preciso prestar atenção aos detalhes. Construir grandes explicações pode ser fácil. Mas sem uma análise criteriosa dos pequenos detalhes, elas podem levar a conclusões equivocadas", diz Marcos Lisboa, diretor de ensino da EPGE (Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas).
No Brasil, diz Lisboa, os primeiros trabalhos na área começaram na década de 60. Desapareceram por algum tempo para ganhar novo fôlego na década de 90.
Em fevereiro, a EPGE lança o livro "Microeconomia e Sociedade no Brasil", uma coletânea de ensaios que tratam de racismo a homicídios. Lisboa, co-autor do livro, diz que qualquer interessado pode se aventurar na leitura. Mas faz a ressalva: alguns capítulos ficam reservados aos iniciados.



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