São Paulo, sexta-feira, 27 de janeiro de 2006

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OPINIÃO ECONÔMICA

Ainda o novo coração

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Volto à minha imagem da economia brasileira como um homem com um coração novo, transplantado com sucesso, depois de décadas de uma atividade medíocre e cheia de sustos. Revisitando os registros da balança de pagamentos do Brasil, chegamos ao período entre 1973 e 1975 como o início de nossa doença. Saía Medici, endeusado pelo crescimento da economia; assumia um novo general, Geisel, com um projeto de transformar nosso país em potência geopolítica.
Mas, entre a saída de um e a entrada de outro, ocorreu um grave acidente na economia mundial. Pela primeira vez os países produtores de petróleo resolviam usar essa arma como fator de barganha política e econômica. Quadruplicaram o preço do barril, fazendo com que os gastos com a importação deste produto no Brasil sem petróleo de então atingissem pesadamente nossa balança de importações, ja deficitária devido aos investimentos pesados que se faziam na economia.
O novo ministro da Fazenda, Mario Henrique Simonsen, sugeriu ao presidente um programa de ajuste de nossa balança de pagamentos, via uma severa recessão interna. Queria evitar uma deterioração ainda maior de nossa solvência externa, além de combater a inflação que ressurgia. Simonsen dizia que em dois anos poderíamos voltar a crescer.
Mas os militares tinham pressa e negaram a ele o direito de parar nossa caminhada heróica em direção à história. Que ele desse algum jeito para que continuássemos a crescer, e ele deu: apelou para a correção monetária generalizada para acomodar uma inflação que, até o fim do mandato de Geisel, chegaria a 100% ao ano, e passamos a nos endividar nos mercados internacionais de crédito via bancos internacionais.
A marcha forçada do crescimento imposta por Geisel, em um contexto de economia dependente de petróleo e sem espaço para outras importações, impôs um ritmo violento demais ao coração, a balança de pagamentos, que ainda era forte à época. E o golpe fatal veio em 1979, com o segundo choque do petróleo. Pressionado por mais uma rodada de aumentos de 400% nos preços do petróleo, nosso coração não agüentou... Fomos salvos de uma vergonha total porque o México declarou moratória antes de nós, em 1982. Mas o colapso brasileiro veio logo em seguida.
O período que vai de 1982 até 1990 é um dos mais tristes para os economistas brasileiros. Nem mesmo a redemocratização do país, em 1985, e a nova Constituição, em 1988, nos devolve o humor. A busca de teorias econômicas alternativas e planos de salvação, sem nenhum conteúdo de natureza estratégica, jogavam nossa economia da euforia à recessão em períodos curtos de tempo. E com isso nos isolávamos de um mundo que começava a se reorganizar como espaço econômico.
Somente com a eleição do presidente Collor, e aqui temos uma dessas armadilhas deliciosas da história, o Brasil começa a repensar seus caminhos econômicos. A imagem de nossos automóveis ridículos, pela tecnologia que a opção por uma economia fechada nos impunha, chamados de carroças por ele, deu ao consumidor brasileiro uma primeira idéia dos custos do modelo dos militares, ainda presente no governo Sarney. E, pela primeira vez em décadas, acordamos para um novo modelo econômico que se desenvolvia fora de nossas fronteiras.
Finalmente, com o Plano Real, retomamos um caminho coerente para nossa economia. Gestão da macroeconomia de forma responsável e abertura de nosso comércio exterior ao mundo competitivo eram suas pedras angulares. Mas ainda passaríamos por dificuldades em razão de uma política cambial equivocada e um grande ajuste recessivo na economia mundial em 1997 e 1998. Vivemos hoje um momento decisivo para nossa economia. Se adotarmos uma política econômica adequada e reforçarmos nossos compromissos com a abertura da economia e com gestão macroeconômica inteligente e responsável, o caminho para o crescimento sustentado, que perdemos em 1973/ 1975, poderá ser reencontrado. Um coração novo, isto é, uma nova balança de pagamentos nos permite aspirar isso, e não o crescimento medíocre dos dois últimos anos.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 63, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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