São Paulo, quarta-feira, 27 de fevereiro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Nem futuro nem passado

ANTONIO BARROS DE CASTRO

As reformas levadas a efeito nas chamadas economias emergentes foram um grande êxito. Vale dizer: essas economias encontram-se hoje amplamente abertas e privatizadas. Mas há um detalhe. É muito comum, nesse terreno (como observou Joseph Stiglitz), confundir meios com fins. Ora, os objetivos das reformas não eram propriamente a abertura e a desestatização, e sim a retomada do crescimento em bases sustentáveis, com mais equidade e democracia. Vista a questão por esse ângulo, porém, o panorama é hoje, além de imprevisto, altamente diferenciado. Não é sequer claro se entre as economias reformadas há mais casos emergentes ou "submergentes".
Uma experiência limite será aqui sumariamente evocada. Refiro-me à Mongólia, conforme retratada por Erik Reiner, num trabalho extraordinariamente provocativo, a ser publicado em "Evolutionary Economics and Income Inequality" (Edward Elgar, 2002).
Trata-se de um velho império (dele provém Genghis Khan) que chegou ao século 20 com uma economia fechada e baseada no pastoreio nômade. A revolução soviética lá arribou em 1921, e o regime manteve-se até 1990.
Os soviéticos -além de destruir instituições e reprimir brutalmente a cultura local- promoveram uma industrialização relativamente exitosa, nos termos previstos pela divisão do trabalho dentro do Comecon (mercado comum do antigo bloco socialista). A economia passou, em suma, a exportar artigos elaborados a partir das matérias-primas típicas locais, além de, obviamente, suprir o mercado interno desses bens. Destacavam-se derivados de carne, botas, jaquetas, produtos de lã e outros têxteis (aí incluídos certos produtos de luxo, como cashmere).
O êxito obtido pela industrialização pode ser avaliado pelo fato de que o peso relativo da agropecuária baixou de 60% para 16% do PIB. Além disso -e sobretudo- os padrões de consumo da população foram substancialmente melhorados, passando o país a integrar o conjunto de países de média renda -com resultados consideráveis no que toca a educação e a saúde.
A liberalização comercial e financeira a partir de 1990 foi radical. Vivia-se um período em que, segundo Jeffrey Sachs (referindo-se à Polônia e à Rússia), "tão logo as liberdades econômica e política eram estabelecidas, novos empreendedores surgiam com energia, determinação e capacidade" ("Poland's Jump to the Market Economy", MIT Press, 1994).
Em vez do previsto, verificou-se, no entanto, uma chocante regressão da economia, que teve início com a implosão da indústria. Dos ramos manufatureiros para os quais Erik Reiner apresenta estatísticas (aqueles cuja produção pode ser medida em quantidades), "nenhuma indústria, salvo a produção de álcool, declinou menos de 50%"!
Sem alternativa de emprego nos meios urbanos, numerosos habitantes voltaram para o campo e, a rigor, para o passado: o clássico pastoreio nômade. E aqui parece fechar-se o círculo de desgraças.
A pecuária e a própria agricultura sofreram recentemente enormes quedas de produtividade. E o problema não é aqui meramente econômico: a sobrecarga das pastagens acrescentou grande pressão sobre uma ecologia de reconhecida fragilidade. Por conseguinte, o recuo para as antigas vantagens naturais da região deu início a uma degeneração de tipo malthusiano. Em outras palavras, à perda das vantagens construídas, seguiu-se a destruição das vantagens naturais.
Em suma, não é apenas o futuro que fracassou. O passado também!


Antonio Barros de Castro, 58, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.



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