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OPINIÃO ECONÔMICA
Nem futuro nem passado
ANTONIO BARROS DE CASTRO
As reformas levadas a efeito nas chamadas economias
emergentes foram um grande êxito. Vale dizer: essas economias
encontram-se hoje amplamente
abertas e privatizadas. Mas há
um detalhe. É muito comum, nesse terreno (como observou Joseph
Stiglitz), confundir meios com
fins. Ora, os objetivos das reformas não eram propriamente a
abertura e a desestatização, e sim
a retomada do crescimento em
bases sustentáveis, com mais
equidade e democracia. Vista a
questão por esse ângulo, porém, o
panorama é hoje, além de imprevisto, altamente diferenciado.
Não é sequer claro se entre as economias reformadas há mais casos
emergentes ou "submergentes".
Uma experiência limite será
aqui sumariamente evocada. Refiro-me à Mongólia, conforme retratada por Erik Reiner, num trabalho extraordinariamente provocativo, a ser publicado em
"Evolutionary Economics and Income Inequality" (Edward Elgar,
2002).
Trata-se de um velho império
(dele provém Genghis Khan) que
chegou ao século 20 com uma economia fechada e baseada no pastoreio nômade. A revolução soviética lá arribou em 1921, e o regime manteve-se até 1990.
Os soviéticos -além de destruir
instituições e reprimir brutalmente a cultura local- promoveram uma industrialização relativamente exitosa, nos termos previstos pela divisão do trabalho
dentro do Comecon (mercado comum do antigo bloco socialista).
A economia passou, em suma, a
exportar artigos elaborados a
partir das matérias-primas típicas locais, além de, obviamente,
suprir o mercado interno desses
bens. Destacavam-se derivados
de carne, botas, jaquetas, produtos de lã e outros têxteis (aí incluídos certos produtos de luxo, como
cashmere).
O êxito obtido pela industrialização pode ser avaliado pelo fato
de que o peso relativo da agropecuária baixou de 60% para 16%
do PIB. Além disso -e sobretudo- os padrões de consumo da
população foram substancialmente melhorados, passando o
país a integrar o conjunto de países de média renda -com resultados consideráveis no que toca a
educação e a saúde.
A liberalização comercial e financeira a partir de 1990 foi radical. Vivia-se um período em que,
segundo Jeffrey Sachs (referindo-se à Polônia e à Rússia), "tão logo
as liberdades econômica e política eram estabelecidas, novos empreendedores surgiam com energia, determinação e capacidade"
("Poland's Jump to the Market
Economy", MIT Press, 1994).
Em vez do previsto, verificou-se,
no entanto, uma chocante regressão da economia, que teve início
com a implosão da indústria. Dos
ramos manufatureiros para os
quais Erik Reiner apresenta estatísticas (aqueles cuja produção
pode ser medida em quantidades), "nenhuma indústria, salvo a
produção de álcool, declinou menos de 50%"!
Sem alternativa de emprego nos
meios urbanos, numerosos habitantes voltaram para o campo e, a
rigor, para o passado: o clássico
pastoreio nômade. E aqui parece
fechar-se o círculo de desgraças.
A pecuária e a própria agricultura sofreram recentemente enormes quedas de produtividade. E o
problema não é aqui meramente
econômico: a sobrecarga das pastagens acrescentou grande pressão sobre uma ecologia de reconhecida fragilidade. Por conseguinte, o recuo para as antigas
vantagens naturais da região deu
início a uma degeneração de tipo
malthusiano. Em outras palavras, à perda das vantagens construídas, seguiu-se a destruição
das vantagens naturais.
Em suma, não é apenas o futuro
que fracassou. O passado também!
Antonio Barros de Castro, 58, professor titular da Universidade Federal do
Rio de Janeiro e ex-presidente do BNDES
(Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social), escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
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